São Paulo, domingo, 29 de setembro de 2002

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Veja o que ocorreu com os estudantes que foram às ruas para afastar Collor

Dispersão política marca caras-pintadas

CYNARA MENEZES
DA REPORTAGEM LOCAL

Eram os outros, os inimigos, os chamados colloridos. Mas quem entrou para a história com o rosto pintado por guache, caneta hidrográfica ou batom foram eles. Meninos e meninas, adolescentes, tomaram as ruas com palavras de ordem bem-humoradas e um jeito festivo de protestar nunca visto, antes ou após o impeachment.
Olhando para trás, pode-se dizer que o movimento dos caras-pintadas tinha consistência política? Mesmo quem participou, embora tome para si a façanha de ter derrubado um presidente, admite: se muitos foram por consciência de que o país ia mal, outros se juntaram porque as passeatas se tornaram ponto de encontro. E parecer politizado era tudo.
Cecília Lotufo tinha 17 anos quando participou da primeira grande manifestação contra o governo Collor, em 11 de agosto de 1992, em São Paulo. Com a palavra "Fora" escrita na testa, sua foto apareceria estampada na primeira página dos jornais no dia seguinte. Logo se tornaria a "musa teen" do impeachment.
"Havia, sim, muitos que iam por modismo", acredita Cecília. "Mas você chegava na passeata e sentia uma energia muito forte, porque era algo que vinha da base, não da estrutura do movimento estudantil. O papel da UNE (União Nacional dos Estudantes) foi mais organizacional."
Hoje, aos 27, após curta passagem pelo PT, Cecília atua numa ONG que criou, a Kairós, ligada à educação ambiental. "Descobri que sou uma pessoa que gosta de política, mas não do meio da política. Apesar de votar no Lula, sinto falta do que o partido era no começo. Era mais puro", critica.
Se Cecília era a musa, o "muso" era o então presidente da UNE, Lindberg Farias, então com 22 anos, chamado "Lindo-berg" em coro nas passeatas pelas meninas. Uma terceira musa também chamava a atenção, na TV: a atriz Cláudia Abreu, a guerrilheira Heloísa da minissérie "Anos Rebeldes", de Gilberto Braga, na Globo.
Ninguém duvida que o sucesso da minissérie foi uma influência decisiva, assumida pelos próprios líderes do movimento. "Nós soubemos utilizar a minissérie. Tanto que o cartaz feito pela UNE para a primeira manifestação dizia: "Anos Rebeldes, Próximo Capítulo: Fora Collor'", conta Farias.
A música de abertura da ficção, "Alegria, Alegria", de Caetano Veloso, virou trilha sonora das passeatas. O ex-presidente da UNE diz que o secretário de governo de Collor, Jorge Bornhausen, teria chegado a comentar que a minissérie tinha sido "um tiro no pé" dado pelas Organizações Globo. Bornhausen nega que tenha dito a frase.
O grande aliciador para os novos rebeldes seria uma certa glamurização da ficção televisiva às manifestações. "É como se nós quiséssemos copiar essa geração anterior à nossa, que lutou muito mais", diz Roberto Vinícius Zogbi, 27. Personal trainer e sócio de academia em São Paulo, Zogbi diz que o movimento não teve o papel de conscientizar sua geração. "Eu mesmo só fui pensar nos problemas sociais do Brasil na faculdade, nas aulas de sociologia."
As manifestações pró-impeachment se tornariam uma opção de programa. "Nas últimas, virou moda. Quem não fosse, estava por fora", reconhece um dos coordenadores da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas à época, Antonio Parente, 34, hoje vereador pelo PMDB em Cuiabá.
O estudante de administração Rafael Cytrynowicz, 24, foi um desses que foram pela farra: "E também para tirar um pouco da culpa que tinha, porque em 89 eu era Collor roxo". Rafael é o exemplo dos que defendem que os caras-pintadas não deixaram marcas sobre essa geração: nunca militou num partido e confessa não ter nenhuma atuação social.
"Quem ficou marcado pelo movimento foram as lideranças, não os jovens que participaram", avalia José Luis Sanfelice, autor do livro "Militância Estudantil" (Cortez) e professor da Unicamp.
"Os caras-pintadas não tiveram uma importância decisiva. Era uma coisa da rapaziada de classe média e o Collor teria sido afastado mesmo sem eles", diz o professor de Ciência Política da UFMG Fábio Wanderley Reis.
Difícil é um movimento desses ocorrer novamente. "Foi a última aventura coletiva da sociedade brasileira", diz o jornalista Sérgio Sá Leitão, que lança agora, com Barbara Axt, o livro "Fora Collor: A Incrível Aventura da Geração Que Derrubou Um Presidente".
Mas o próximo presidente, ainda que seja Lula, que se cuide: candidato à Câmara, desta vez pelo PT, Farias já planeja levar os funcionários públicos às ruas no primeiro ano de governo para exigir recomposição salarial.


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