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VIZINHO EM CRISE
Governo quer idéia de que câmbio brasileiro é responsável por crise fora da negociação para Mercosul
Brasil não aceita mais negociar com Cavallo
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MADRI
O governo brasileiro não negocia mais a crise do Mercosul com
o ministro da Economia da Argentina, Domingo Cavallo.
É evidente que, de público, a
chancelaria brasileira não pode
assumir essa posição, até porque
"a situação argentina já é suficientemente complicada para que o
governo brasileiro acrescente um
fator adicional de complicação",
como diz o ministro das Relações
Exteriores, Celso Lafer.
Ainda assim, Lafer chegou perto de afirmar que Cavallo já não é
um negociador idôneo do ponto
de vista do Brasil.
A Folha perguntou ao ministro
ontem se o governo brasileiro
gostaria, conceitualmente, de que
fosse afastada da mesa de negociação a posição representada pelo ministro Cavallo, segundo a
qual o câmbio brasileiro é um dos
grandes responsáveis pelas dificuldades enfrentadas pela economia argentina.
"Sim", respondeu Lafer.
Desgaste
A Folha apurou que, mais que
conceitualmente, o Itamaraty
gostaria que Cavallo fosse fisicamente afastado, uma tese que tem
todo o respaldo do embaixador
do Brasil em Buenos Aires, Sebastião do Rêgo Barros.
Os defensores dessa posição
acham que o governo brasileiro se
desgasta mais e mais ao continuar
negociando mesmo depois de
uma sucessão de crises provocadas pelos destemperos verbais do
ministro argentino e/ou por políticas por ele implementadas.
A mais recente crise foi na sexta-feira passada, quando Cavallo disse que não é possível negociar
com um país que não controla o
seu câmbio.
O governo brasileiro suspendeu
as negociações, que estavam para
começar, em torno da introdução
de salvaguardas para proteger setores da economia argentina que
se acham prejudicados por exportações brasileiras facilitadas pela
desvalorização contínua do real.
Tanto Lafer como o próprio
presidente Fernando Henrique
Cardoso fizeram declarações, em
Madri, cobrando gestos práticos
do governo argentino, para que as
negociações pudessem ser retomadas.
Na noite de sábado, o gesto veio,
na forma de um telefonema do
chanceler argentino Adalberto
Rodríguez Giavarini a seu colega
Celso Lafer para avisar que o presidente Fernando de la Rúa havia
feito declarações defendendo enfaticamente o Mercosul.
Em seguida, chegou o fax com a
cópia da declaração.
De fato, o presidente argentino
disse que "o Mercosul continua
sendo uma política de Estado,
uma prioridade (...) e conta com
uma reconhecida importância estratégica para seus membros".
Definiu como "irrenunciável" o
projeto de integração entre os
dois países.
Conflito de concepções
Lafer qualificou como "muito
positivos" o gesto de Giavarini e
as declarações do presidente Fernando de la Rúa.
Lembrou que, hoje, o Mercosul
apresenta à União Européia sua
proposta de liberalização comercial, para a eventual constituição
de uma zona de livre comércio
entre os dois blocos. E essa proposta ficaria abalada se persistissem dúvidas sobre o empenho argentino em relação às negociações para o Mercosul.
"Era muito importante que
houvesse uma declaração do governo argentino, sem a qual a
consistência de nossa proposta
seria mais discutível", disse Lafer.
Os gestos de Giavarini e de De la
Rúa bastam para que o Brasil volte à mesa de negociações com a
Argentina?
Lafer responde que ele "abre
um espaço para que as negociações sejam retomadas", mas todo
o seu raciocínio deixa claro que a
retomada do diálogo depende da
resolução prévia do que o ministro chama de "conflito de concepções".
Para o ministro Domingo Cavallo, a diferença de regime cambial
entre Brasil e Argentina é um pedaço importante dos problemas
que a economia argentina enfrenta. Para o governo brasileiro, embora reconheça que as diferenças
cambiais são um complicador, o
eixo do problema não passa pelo
câmbio.
"Discutir o câmbio, tal como ele
[Cavallo" coloca, não é o caminho
possível para nós", diz Lafer.
O ministro acha até que Cavallo
foi "desautorizado" pelos termos
da nota de De la Rúa, uma avaliação discutível. Não é a primeira
vez em que Cavallo diz uma coisa,
o Brasil reage, De la Rúa assopra e
o Mercosul segue a sua vida, até a
crise seguinte.
Limite
Agora, no entanto, chegou-se ao
limite. A negociação só será retomada nos termos propostos pelo
Brasil, ou seja, uma avaliação objetiva dos danos eventualmente
provocados a setores econômicos
da Argentina pelas exportações
brasileiras.
Se comprovados efetivamente,
o Brasil concordará com a introdução de salvaguardas, ou seja, de
medidas restritivas às suas exportações naquele setor específico.
No geral, Lafer esgrime o fato de
o saldo comercial continuar favorável à Argentina, que exporta para o Brasil mais do que dele importa, para demonstrar que o
câmbio não é o problema central.
"Nós não podemos bancar o sistema cambial argentino", afirma
Lafer.
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