São Paulo, terça-feira, 29 de outubro de 2002

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REGIME MILITAR

Desde agosto do ano passado, comissão julgou apenas 597 processos

Mais de 11 mil pedidos de anistia aguardam decisão

IURI DANTAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Noite de 4 de abril de 1968. Ronaldo Duarte Guimarães recebe uma venda nos olhos e fica de costas para uma parede. Um destacamento do Exército marcha à sua frente, e um oficial dá as ordens: preparar, apontar, fogo. Vítima de uma simulação de fuzilamento, o engenheiro espera há cerca de dez meses uma resposta da Comissão de Anistia, do Ministério da Justiça, para o pedido de indenização por danos sofridos durante o regime militar.
Guimarães faz parte do grupo de 11.094 pessoas que esperam o julgamento de seu processo pela comissão. Preso e torturado, aguarda que a comissão consiga tempo e pessoal para dar conta do volume de trabalho. Um sinal do atraso: o "Diário Oficial" da União publicou no dia 15 as primeiras autorizações desde que o ministro Paulo de Tarso Ramos Ribeiro (Justiça) assumiu a pasta, em julho deste ano.
A Folha apurou que tanto o ministério como o Planalto temem a ocorrência de um "trem da alegria" nas anistias. O governo age com cautela no julgamento dos casos porque não há teto para o pagamento de salários retroativos ao período em que a pessoa ficou sem exercer a função por causa do regime militar.
"Minha vida foi interrompida há 38 anos, e até hoje não há nenhum traço de continuidade", afirma Ronaldo Duarte Guimarães. Demitido da Petrobras, em 1968, por ação da Comissão Geral de Investigação, ele foi preso após a missa de sétimo dia do estudante Edson Luiz, assassinado no bar Calabouço, no Rio de Janeiro. Guimarães atuou como assistente de produção de Macunaíma, de Glauber Rocha.

Equipe
O trabalho de análise dos pedidos de indenização é feito por uma equipe de quatro consultores jurídicos e dez advogados conselheiros. E é dividido em três câmaras temáticas. A primeira é responsável por julgar os pedidos de servidores públicos e de quem não trabalhava para o governo.
A segunda, por casos como o de Guimarães, de quem tinha emprego na administração indireta, autarquias ou empresas de economia mista. Cabe à terceira câmara a análise dos requerimentos feitos por militares prejudicados pelo regime militar.
A anistia foi assegurada na Constituição de 1988, mas somente em 2001 foi regulamentada, por meio de medida provisória.
Os trabalhos da comissão foram iniciados em agosto daquele ano e, até hoje, julgou apenas 597 processos, seguindo uma média de 50 pedidos para cada reunião quinzenal das câmaras.
Nesse ritmo, quem preencher o requerimento neste mês só terá o pleito analisado em janeiro de 2006. Segundo uma previsão do Ministério da Justiça, cerca de 40 mil pessoas devem entrar com pedido de anistia. Além dos processos protocolados que estão parados, há outros 1.182 pedidos que nem sequer foram examinados preliminarmente.
Quem teve o direito assegurado pela comissão ainda viu parte do dinheiro tomado pela Receita Federal em forma pagamento de Imposto de Renda. A prática contraria o texto da medida provisória que criou a comissão. O recolhimento é feito com base em ofício do Fisco.
Os anistiados também precisam esperar a máquina estatal por longos meses. O pagamento não é imediato. A comissão não possui estimativa sobre a demora, mas ao menos um caso apurado pela Folha mostra que o beneficiado aguardou dez meses entre o deferimento do processo e o recebimento do dinheiro.


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