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JANIO DE FREITAS
Mudança visível
O menos percebido fenômeno implícito na vitória de
Luiz Inácio da Silva é tão interessante, no seu sentido de
ruptura histórica, quanto a
própria vitória de um ex-operário para presidente brasileiro. Os militares brasileiros, assim entendida a posição majoritária na classe, votaram no
"homem de esquerda" e sindicalista Lula da Silva.
Não há registro físico dessa
atitude, é claro, mas a voz dos
quartéis e das bases, no que
pode ser captada, é de nitidez
e ênfases inequívocas.
As circunstâncias a que as
Forças Armadas foram lançadas pelo governo, para atender às exigências do acordo
feito com o FMI, são, por certo,
um fator importante no descontentamento expresso por
via eleitoral. Mas, muitos fatos
o indicam, não são o único fator.
Para chegar ao voto em Lula
da Silva, os militares precisaram transpor as barreiras
muito consistentes impostas
por sua formação, desde que
as Forças Armadas foram levadas a adotar a doutrina
criada pelo Pentágono, no cenário da Guerra Fria, para os
militares de países da periferia
geopolítica americana. O reexame da doutrina, nas Forças
Armadas brasileiras, não é de
agora. Com bastante moderação, e muito limitadamente,
começou com a restauração
do regime democrático. No
governo Sarney, porém, ainda
houve fortes intervenções militares contra movimentos reivindicatórios e sociais, deles ficando para a memória histórica a morte de três operários
de Volta Redonda, no uso de
tiros de fuzil e metralhadora
contra grevistas desarmados.
A dissolução do estado soviético, com o consequente fim
da Guerra Fria, facilitou e até
cobrou dos comandos militares a reavaliação progressiva,
e ainda longe de ser concluída,
de sua natureza como instituição. Por décadas, a partir do
início da Guerra Fria ao fim
da Segunda Guerra Mundial,
os militares puseram-se como
guardiães do capital privado,
consideradas quaisquer questões sociais como matéria prima de exploração comunista,
ou genericamente esquerdista,
e a ser reprimida a todo custo
em defesa do capitalismo privado. Assim a injustiça social
ganhou uma guarda que lhe
permitiu, mais do que a proteção, progredir e aprofundar-se.
Nos últimos anos, já uns dez,
os militares não vêem os militares envolvidos com questões
reivindicatórias. Sua intervenção mais imprópria foi em
proteção às terras particulares
de Fernando Henrique Cardoso, e a fizeram sem violências.
E é neste mesmo gênero de
problema que se encontra a
demonstração cabal da reforma doutrinária: as invasões
feitas pelos sem-terra, cujos
antecedentes provocaram repressões militares ferozes, não
têm tirado tropas exaltadas
dos quartéis.
Aí está uma síntese do que é
visível. Gratuito, no entanto,
não é. Corresponde a conceituações novas, a propósitos de
formulação recente e, inevitavelmente, a uma visão de país
e de sociedade com diferenças
essenciais da anterior. A representatividade que, nesse
contexto, possa ter, ou não, o
voto numeroso em Lula da Silva, isso não há como deduzir,
por ora. Mas a quebra do preconceito não precisa de dedução, é evidente. E preconceitos
não caem por si mesmos.
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