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TRANSIÇÃO
Em seu primeiro pronunciamento, Lula diz que vai promover um pacto nacional e encaminhar cinco reformas ao Congresso
"Brasil votou para mudar", discursa Lula
DA REPORTAGEM LOCAL
O presidente eleito Luiz Inácio
Lula da Silva enumerou como
prioridades de seu governo, no
primeiro pronunciamento oficial,
a criação de um Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, espécie de fórum multilateral, a tentativa de celebração de
um pacto social e o compromisso
de encaminhar cinco reformas
para o Congresso Nacional.
"Estarei pessoalmente empenhado em encaminhar para o
Congresso as grandes reformas
que a sociedade reclama: a reforma da previdência social, a tributária, a da legislação trabalhista e
da estrutura sindical, a reforma
agrária e a reforma política."
Lula disse que seu governo será
mais "amplo" que o PT e classificou de "fundamental" à sua vitória o estabelecimento de alianças.
"Vamos promover um Pacto Nacional pelo Brasil e escolher os
melhores quadros para fazer parte de um governo amplo, que permita iniciar o resgate das dívidas
sociais seculares", prometeu.
Reafirmou que a geração de empregos será uma "obsessão".
"Não há solução milagrosa para
tamanha dívida social, agravada
no último período. Mas é possível
e necessário começar, desde o primeiro dia de governo."
Citou a instabilidade na taxa de
câmbio e a decorrente pressão inflacionária como preocupações
de seu governo. Ao mesmo tempo
em que dizia que a situação "exigirá austeridade no uso do dinheiro público", elencava promessas:
"Vamos aplacar a fome, gerar empregos, atacar o crime, combater
a corrupção e criar melhores condições de estudo para a população
de baixa renda desde o momento
inicial de meu governo."
No discurso, além do presidente
Fernando Henrique Cardoso, foram citados nominalmente os ex-presidentes José Sarney e Itamar
Franco e os presidenciáveis derrotados Anthony Garotinho
(PSB) e Ciro Gomes (PPS), que o
apoiaram no segundo turno.
Concluiu com uma mensagem
positiva: " Sei que estou sintonizado com a esperança de milhões e
milhões de outros corações. Estou
otimista. Sinto que um novo Brasil está nascendo." Leia a seguir a
íntegra do pronunciamento.
"Ontem, o Brasil votou para mudar.
A esperança venceu o medo, e o
eleitorado decidiu por um novo caminho para o país. Foi um belo espetáculo democrático que demos ao
mundo. Um dos maiores povos do
planeta resolveu, de modo pacífico e
tranquilo, traçar um rumo diferente
para si.
As eleições que acabamos de realizar foram, acima de tudo, uma vitória da sociedade brasileira e de suas
instituições democráticas, uma vez
que elas trouxeram a alternância no
poder, sem a qual a democracia perde a sua essência.
Tivemos um processo eleitoral de
excelente qualidade, no qual os cidadãos e as cidadãs exigiram e obtiveram um debate limpo, franco e
qualificado sobre os desafios imediatos e históricos do nosso país.
Contribuíram para isso a atitude da
Justiça Eleitoral e do presidente da
República, que cumpriram de maneira equilibrada o seu papel constitucional. A grande virtude da democracia é que ela permite ao povo
mudar de horizonte quando ele
acha necessário. A nossa vitória significa a escolha de um projeto alternativo e o início de um novo ciclo
histórico para o Brasil.
A nossa chegada à Presidência da
República é fruto de um vasto esforço coletivo, realizado, ao longo de
décadas, por inúmeros democratas
e lutadores sociais.
Muitos dos quais, infelizmente,
não puderam ver a sociedade brasileira e, em especial, as camadas
oprimidas colherem os frutos de
seu árduo trabalho, de sua dedicação e sacrifício militante. Estejam
onde estiverem, os companheiros e
as companheiras que a morte colheu antes desta hora saibam que
somos herdeiros e portadores do
seu legado de dignidade humana,
de integridade pessoal, de amor pelo Brasil e de paixão pela justiça.
Saibam que a obra de vocês segue
conosco, como se vivos estivessem,
e é fonte de inspiração para nós, que
seguimos travando o bom combate.
O combate em favor dos excluídos e
dos discriminados. O combate em
favor dos desamparados, dos humilhados e dos ofendidos. Quero homenagear aqui os militantes anônimos. Aqueles que deram seu trabalho e dedicação, ao longo de todos
esses anos, para que chegássemos
aonde chegamos.
Nas mais longínquas regiões do
país, eles jamais esmoreceram.
Aprenderam, como eu, com as derrotas. Tornaram-se mais competentes e eficazes na defesa de um país
soberano e justo.
Celebro hoje aqueles que, nos momentos difíceis do passado, quando
a nossa causa de um país justo e solidário parecia inviável, não caíram
na tentação da indiferença, não cederam ao egoísmo e ao individualismo exacerbado.
Todos aqueles que conservaram
intacta a sua capacidade de indignar-se perante o sofrimento alheio.
Souberam resistir, mantendo acesa
a chama da solidariedade social. Todos aqueles que não desertaram do
nosso sonho, que às vezes sozinhos
nas praças deste imenso Brasil ergueram bem alto a bandeira estrelada da esperança.
Mas esta vitória é, sobretudo, de
milhares, quem sabe milhões, de
pessoas sem filiação partidária que
se engajaram nessa causa. É uma
conquista das classes populares, das
classes médias, de parcelas importantes do empresariado, dos movimentos sociais e das entidades sindicais que compreenderam a necessidade de combater a pobreza e defender o interesse nacional.
Para alcançar o resultado de ontem, foi fundamental que o PT, um
partido de esquerda, tenha sabido
construir uma ampla aliança com
outras forças partidárias. O PL, o PC
do B, PMN e PCB deram uma contribuição inestimável desde o primeiro turno. A eles, vieram somar-se, no segundo turno, PSB, PPS,
PDT, PV, PTB, PHS, PSDC e PGT.
Além disso, ao longo da campanha,
contamos com o apoio de setores
importantes de outros partidos
identificados com o nosso programa de mudanças para o Brasil. Em
especial, quero destacar o apoio dos
ex-presidentes José Sarney e Itamar
Franco e, no segundo turno, o precioso apoio que recebi de Anthony
Garotinho e Ciro Gomes.
Não há dúvida de que a maioria
da sociedade votou pela adoção de
outro ideal de país, em que todos tenham os seus direitos básicos assegurados. A maioria da sociedade
brasileira votou pela adoção de outro modelo econômico e social, capaz de assegurar a retomada do
crescimento, do desenvolvimento
econômico com geração de emprego e distribuição de renda.
O povo brasileiro sabe, entretanto, que aquilo que se desfez ou se
deixou de fazer na última década
não pode ser resolvido num passe
de mágica. Assim como carências
históricas da população trabalhadora não podem ser superadas da noite para o dia. Não há solução milagrosa para tamanha dívida social,
agravada no último período. Mas é
possível e necessário começar, desde o primeiro dia de governo.
Vamos enfrentar a atual vulnerabilidade externa da economia brasileira, fator crucial na turbulência financeira dos últimos meses, de forma segura. Como dissemos na campanha, nosso governo vai honrar os
contratos estabelecidos pelo governo, não vai descuidar do controle da
inflação e manterá, como sempre
ocorreu nos governos do PT, uma
postura de responsabilidade fiscal.
Essa é a razão para dizer com clareza a todos os brasileiros: a dura travessia que o Brasil estará enfrentando exigirá austeridade no uso do dinheiro público e combate implacável à corrupção.
Mas, mesmo com as restrições orçamentárias impostas pela difícil situação financeira que vamos herdar, estamos convencidos de que,
desde o primeiro dia da nova gestão, é possível agir com criatividade
e determinação na área social. Vamos aplacar a fome, gerar empregos, atacar o crime, combater a corrupção e criar melhores condições
de estudo para a população de baixa
renda desde o momento inicial de
meu governo.
Meu primeiro ano de mandato terá o selo do combate à fome. Um
apelo à solidariedade para com os
brasileiros que não têm o que comer. Para tanto, anuncio a criação
de uma Secretaria de Emergência
Social, com verbas e poderes para
iniciar, já em janeiro, o combate ao
flagelo da fome. Estou seguro de
que esse é, hoje, o clamor mais forte
do conjunto da sociedade. Se, ao final do meu mandato, cada brasileiro puder se alimentar três vezes ao
dia, terei realizado a missão de minha vida.
Como disse ao lançar meu programa de governo, gerar empregos
será minha obsessão.
Para tanto, vamos mobilizar imediatamente os recursos públicos
disponíveis nos bancos oficiais e nas
parcerias com a iniciativa privada
para a ativação do setor da construção civil e das obras de saneamento.
Além de gerar empregos, tal medida
ajudará à retomada gradual do crescimento sustentado.
O país tem acompanhado com
preocupação a crise financeira internacional e suas implicações na situação brasileira. Em especial, a instabilidade na taxa de câmbio e a
pressão inflacionária dela decorrente.
Porém, com toda a adversidade
internacional, estamos com superávit comercial de mais de US$ 10 bilhões neste ano. Resultado que pode
ser ampliado já em 2003 com uma
política ofensiva de exportações, incorporando mais valor agregado
aos nossos produtos, aprofundando
a competitividade da nossa economia, bem como promovendo uma
criteriosa política de substituição
competitiva de importações.
O Brasil fará a sua parte para superar a crise, mas é essencial que
além do apoio de organismos multilaterais, como o FMI, o BID e o Bird,
se restabeleçam as linhas de financiamento para as empresas e para o
comércio internacional. Igualmente
relevante é avançar nas negociações
comerciais internacionais, nas
quais os países ricos efetivamente
retirem as barreiras protecionistas e
os subsídios que penalizam as nossas exportações, principalmente na
agricultura.
Nos últimos três anos, com o fim
da âncora cambial, aumentamos
em mais de 20 milhões de toneladas
a nossa safra agrícola. Temos imenso potencial nesse setor para desencadear um amplo programa de
combate à fome e exportarmos alimentos que continuam encontrando no protecionismo injusto das
grandes potências econômicas um
obstáculo que não pouparemos esforços para remover.
O trabalho é o caminho de nosso
desenvolvimento, da superação
dessa herança histórica de desigualdade e exclusão social. Queremos
constituir um amplo mercado de
consumo de massas que dê segurança aos investimentos das empresas, atraia investimentos produtivos
internacionais e represente um novo modelo de desenvolvimento e
compatibilize distribuição de renda
e crescimento econômico.
A construção dessa nova perspectiva de crescimento sustentado e de
geração de emprego exigirá a ampliação e o barateamento do crédito, o fomento ao mercado de capitais e um cuidadoso investimento
em ciência e tecnologia.
Exigirá também uma inversão de
prioridades no financiamento e no
gasto público, valorizando a agricultura familiar, o cooperativismo,
as micro e pequenas empresas e as
diversas formas de economia solidária.
O Congresso Nacional tem uma
imensa responsabilidade na construção dessas mudanças que irão
promover a inclusão social e o crescimento sustentado. Por isso, estarei pessoalmente empenhado em
encaminhar para o Congresso as
grandes reformas que a sociedade
reclama: a reforma da previdência
social, a reforma tributária, a reforma da legislação trabalhista e da estrutura sindical, a reforma agrária e
a reforma política.
O mundo está atento a esta demonstração espetacular de democracia e participação popular ocorrida na eleição de ontem. É uma boa
hora para reafirmar um compromisso de defesa corajosa de nossa
soberania regional. E o faremos
buscando construir uma cultura de
paz entre as nações, aprofundando
a integração econômica e comercial
entre os países, resgatando e ampliando o Mercosul como instrumento de integração nacional e implementando uma negociação soberana frente à proposta da Alca.
Vamos fomentar os acordos comerciais bilaterais e lutar para que
uma nova ordem econômica internacional diminua as injustiças, a
distância crescente entre países ricos e pobres, bem como a instabilidade financeira internacional que
tantos prejuízos tem imposto aos
países em desenvolvimento.
Nosso governo será um guardião
da Amazônia e da sua biodiversidade. Nosso programa de desenvolvimento, em especial para essa região,
será marcado pela responsabilidade
ambiental.
Queremos impulsionar todas as
formas de integração da América
Latina que fortaleçam a nossa identidade histórica, social e cultural.
Particularmente relevante é buscar
parcerias que permitam um combate implacável ao narcotráfico, que
alicia uma parte da juventude e alimenta o crime organizado.
Nosso governo respeitará e procurará fortalecer os organismos internacionais, em particular a ONU e
os acordos internacionais relevantes, como o Protocolo de Kyoto e o
Tribunal Penal Internacional, bem
como os acordos de não proliferação de armas nucleares e químicas.
Estimularemos a idéia de uma globalização solidária e humanista, na
qual os povos dos países pobres
possam reverter essa estrutura internacional injusta e excludente.
Não vou decepcionar o povo brasileiro. A manifestação que brotou
ontem do fundo da alma dos meus
compatriotas será a minha a inspiração e a minha bússola.
Serei, a partir de 1º de janeiro, o
presidente de todos os brasileiros e
brasileiras, porque sei que é isso que
esperam os eleitores que me confiaram o seu voto.
Vivemos um momento decisivo e
único para as mudanças que todos
desejamos. Elas virão sem surpresas
e sobressaltos. Meu governo terá a
marca do entendimento e da negociação. Da firmeza e da paciência.
Temos plena consciência que a
grandeza dessa tarefa supera os limites de um partido.
Esse foi o sentido do esforço que
fizemos desde a campanha para
reunir sindicalistas, ONGs e empresários de todos os segmentos numa
ação comum pelo país.
Continuaremos a ter atuação decidida no sentido de unir as diversas
forças políticas e sociais para construir uma nação que beneficie o
conjunto do povo. Vamos promover um Pacto Nacional pelo Brasil,
formalizar o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social e escolher os melhores quadros do Brasil
para fazer parte de um governo amplo, que permita iniciar o resgate
das dívidas sociais seculares. Isso
não se fará sem a ativa participação
de todas as forças vivas do Brasil,
trabalhadores e empresários, homens e mulheres de bem.
Meu coração bate forte. Sei que
estou sintonizado com a esperança
de milhões e milhões de outros corações. Estou otimista. Sinto que
um novo Brasil está nascendo."
São Paulo, 28 de outubro de 2002
Luiz Inácio Lula da Silva
presidente eleito da República Federativa do Brasil
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