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ENTREVISTA
Luiz Carlos Mendonça de Barros diz que PT tem de adiar promessas, fazer um governo duro em 2003 e sugere Dirceu na Fazenda
"Lula terá de passar vergonha", diz Mendonça
VINICIUS TORRES FREIRE
EDITOR DE DINHEIRO
FERNANDO DE BARROS E SILVA
EDITOR DE BRASIL
O governo Lula vai ter de "passar vergonha" a fim de dar tranquilidade à economia, antes de
dar início a uma administração
em que possa cumprir compromissos de campanha. A avaliação
é do economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, 59, ex-presidente do BNDES, ex-ministro das Comunicações do governo Fernando Henrique Cardoso, sócio e editor do site de economia e política
"Primeira Leitura".
"Passar vergonha", na avaliação
de Mendonça de Barros, é avisar
ao país que alguns dos compromissos de campanha pelo menos
por ora devem ter sua realização
adiada. Mais: significa ter de adotar políticas duras e impopulares,
como manter alta a alíquota de
impostos e a taxa de juros, entre
outras medidas adotadas pelo governo FHC e criticadas pelo PT
até há bem pouco tempo. O economista sugere também que, para
facilitar a tarefa de passar vergonha, o PT jogue a culpa da crise
econômica em Fernando Henrique Cardoso e em Pedro Malan,
ministro da Fazenda.
Mendonça de Barros acredita
que o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, não tem consciência precisa da dimensão dos
problemas que a economia brasileira deve enfrentar no ano que
vem. "O PT deixou em segundo
plano os economistas que representavam seu pensamento econômico organizado, os que poderiam organizar uma política econômica coerente, embora defasada. Nem tem quem explique aos
políticos do partido o que precisa
ser feito", diz o economista, que
apoiou o candidato do PSDB à
Presidência, José Serra. Mendonça de Barros não tem idéia de
quem possa assumir os cargos
mais importantes da economia
no governo petista.
Mas o economista avalia que o
PT tem ótimos políticos, como o
presidente do partido, José Dirceu
(a quem chama de "Sérgio Motta
de Lula"), e Antônio Palocci,
coordenador do programa de governo de Lula. Dirceu e Palocci até
poderiam assumir a política econômica, pois têm autoridade e capacidade política para tanto, desde que comandassem um grupo
de técnicos de qualidade e respaldado pelo presidente da República, sugere.
Economistas ortodoxos, como
Paulo Leme (diretor do banco
americano Goldman Sachs) e
banqueiros como Roberto Setúbal (presidente do Itaú) no Banco
Central ou na Fazenda não conviriam ao PT, diz, por serem muito
distantes da história e das teses
petistas.
"Mas é preciso de alguém que
saiba o que é preciso fazer, que
adote as medidas duras agora, para o Lula ter a oportunidade de fazer um bom governo nos outros
três anos". Para Mendonça de
Barros, o país vai entrar em recessão em 2003. A economia vai encolher 2%, a inflação vai subir, assim como os juros. Tudo para que
o país obtenha um superávit comercial entre US$ 15 bilhões a
US$ 20 bilhões no ano que vem.
Os dólares das exportações são
vitais e imprescindíveis a fim de
evitar que o país sofra uma crise
cambial ainda mais grave e corra
o risco de deixar de fazer pagamentos externos.
Folha - O que é o pensamento
econômico do PT hoje? Parece que
abandonaram o pensamento de
economistas mais tradicionais no
partido, como a Maria da Conceição Tavares.
Luiz Carlos Mendonça de Barros
-Isso, a Maria Conceição, o Paul
Singer... É o pensamento da Unicamp, que é aquilo que chamei de
pós-keynesianismo, um pensamento que está muito bem expresso num artigo da Conceição,
na Folha, chamado "Novos Rumos", que não teve maior destaque, porque o PT que as pessoas
estão olhando é o PT do Mantega,
do Palocci, que está tentando fazer uma colcha de retalhos para
acalmar o chamado mercado.
Outro exemplo do pensamento
do PT é uma entrevista que o Ricardo Carneiro deu para o "Valor" e que foi uma confusão danada. Eles pegaram o Ricardo Carneiro...
Folha - E esconderam.
Barros - E esconderam, mas ele
está lá, certo? Mas nunca o pensamento econômico do PT se expressou numa política econômica
organizada, porque o partido era
um partido de oposição, feita
muito mais no sentido de criticar
o que o governo Fernando Henrique Cardoso que fazia, não em
criar alternativa.
Aliás, boa parte do apoio que o
Lula teve se deve à situação insustentável da economia. O maior
desemprego do IBGE, em São
Paulo, foi no mês que antecedeu
as eleições. Essa situação é decorrência dos erros do malanismo.
Você tem um partido agora que
cresce em termos de práxis política e de poder. Esse partido esquece de que, para que ele seja um
partido exitoso no poder, além de
ter essa capacidade de operar a
opinião pública, apoio do Congresso e tal, ele precisa ter um
pensamento econômico que trate
dos problemas concretos do país.
Isso o PT não desenvolveu.
O que acontece agora? A situação é de crise, em que a questão
central é a confiabilidade dos
mercados. Como o grupo do PT
(e o Palocci é o representante desse grupo) percebeu a reação violenta dos mercados à hipótese da
eleição de Lula, eles falaram o seguinte: olha, se nós não criarmos
aqui um negócio novo, que mais
ou menos seja na linha da nossa
linha política e das nossas promessas, mas também que seja visto como algo confiável pelo mercado, nós estamos estrepados.
Folha - Você acha que esse pessoal se afastou estrategicamente,
mas volta depois?
Barros - Não sei. O PT continua
não tendo pensamento econômico, porque afastou esse pessoal
que por bem ou por mal tinha um
modelo na sua cabeça. Por mais
errado e desatualizado que fosse.
Hoje [quinta-feira passada], por
exemplo, vieram me dizer que o
ministro da Fazenda seria o Roberto Setúbal. Parece um absurdo: primeiro, Roberto Setúbal é
banqueiro, não é economista, e o
governo precisa ter o que chamo
de uma teoria econômica que feche, que seja viável. Segundo, depois de tudo o que o Lula falou sobre banqueiro, juro, bá-bá-bá, como é que você pode dar o Ministério da Fazenda para um banqueiro? Outro boato: o presidente
do Banco Central vai ser aquele
rapaz da Goldman Sachs...
Folha - Paulo Leme.
Barros - Paulo Leme, que é um
ortodoxo. Radical, ele está à direita do Armínio Fraga. Não pode
haver uma divergência tão grande
entre pensamento econômico e o
programa de governo.
Folha - O PT não têm a menor
idéia do que vai fazer?
Barros - Ah, não tem, não tem,
não tem a menor idéia. O Lula não
tem a menor idéia. O Dirceu não
tem a menor idéia. O Palocci não
tem a menor idéia, é médico. Eles
precisam de alguém que produza
um programa coerente.
Como se equilibram consumo,
investimento, déficit em conta
corrente, resultado fiscal, inflação? Para que um país como o
Brasil tenha no curto prazo um
superávit comercial de US$ 20 bilhões, o consumo interno tem de
ser reduzido. Alguém vai dizer:
"Ah, mas tem capacidade ociosa".
Mas é uma capacidade ociosa [da
indústria" que não é homogênea.
Tem em certos setores e não tem
em outros. Mas o que a teoria diz
é: se quero vender mais fora, sou
obrigado a reduzir o consumo do
país, a absorção interna. Podem
dizer: "Ah, mas nós vamos investir, aumentar a produção etc". Tudo bem, mas só que para fazer
uma fábrica, para aumentar a
produção são dois ou três anos. Se
eu quero ganhar exportação agora, tenho de fazer...
Folha - Recessão ou inflação.
Barros - Recessão ou inflação.
Folha - Tenha ou não idéia do que
fazer, o PT tem seus compromissos
muito fortes: aumento do salário
mínimo, não cortar na Previdência,
o aumento do funcionalismo. O PT
diz que pode fazer isso cortando
despesa corrente. Dá?
Barros - Vêm com aquela tese:
nós vamos economizar e vamos
acabar com a sonegação. Piada isso. Piada. Piada principalmente
depois de um período em que a
carga tributária brasileira subiu
dessa forma. Se há um setor que
funcionou no governo FHC foi a
Receita Federal. Pior, nos últimos
anos houve uma série de receitas
extraordinárias.
Folha - Bom, é difícil cortar gasto
corrente, não vai ter receita extraordinária e é preciso de mais superávit fiscal. Vai ter algum dinheiro no governo no primeiro ano?
Barros - Vou agravar ainda mais
esse seu quadro: vai haver recessão. Vai haver por uma simples
razão: para manter o superávit
comercial. Economia em recessão
reduz a receita de impostos. A
conta não fecha.
Folha - Vamos mesmo precisar de
um saldo comercial de US$ 20 bilhões? A seca de crédito continua?
Barros - Não muda. Bancos estrangeiros estão expondo seus resultados e dando como fator de
fortalecimento do banco a redução de sua exposição ao Brasil.
Folha - Mas a seca de crédito dura
2003 inteiro, na sua opinião?
BarrosPode ser que não, que o
cenário melhore no último trimestre. Mas o pressuposto não
pode ser esse. O governo tem de
ser conservador no seu cenário.
Em 2003, o único dinheiro que
vem de fora é o dinheiro do FMI.
Para estabilizar o câmbio, precisa
de um superávit comercial da ordem de US$ 15 bilhões ou US$ 20
bilhões, mais uma entrada de investimento direto da ordem de
US$ 6 bilhões a US$ 8 bilhões.
O governo tem de fazer a seguinte programação para o ano
que vem: queda do PIB da ordem
de 2% para gerar um saldo comercial da ordem de US$ 15 bilhões a US$ 20 bilhões para estabilizar as contas externas.
Folha - E a inflação?
BarrosSe a economia estiver em
recessão, se os juros estiverem altos, nós vamos ter uma inflação,
picando aí em algum momento
no meio do ano em 15%.
Folha - Com o dólar a quanto?
Barros - Com o dólar nesse nível
aí, a R$ 3,70. Não pode ser menos.
Folha - Voltando para a área fiscal. O Lula vai ter de recuperar parte da arrecadação que vai perder,
no Imposto de Renda, por exemplo.
A alíquota mais alta está para cair.
Barros - Aí vai ser uma coisa engraçada, porque são todas ações
que o PT bloqueou na época do
Fernando Henrique. Quer dizer, o
PT vai ter que passar vergonha,
sabe? Vai ter de se desgastar fazendo coisas muito semelhantes
ao que o Fernando Henrique fez.
Folha - Se a inflação for a 15%, vai
ser preciso manter o juro real. A taxa básica vai para 24%, 25%.
Barros - Ou 26%.
Folha - O sr. prevê recessão de
2%. Se a economia cair tanto pode
haver mais falência que inflação.
Barros - Mas a inflação vem. Há
os produtos cotados em dólar, trigo etc, tem a gasolina, que vem
com um aumento de uns 40%.
Folha - E se o Lula não for duro, ficar no meio termo?
Barros - Se fizer um meio termo,
meu filho, foi. O Lula tem de ter
um economista em que confie,
que diga a ele: "Olha aqui, meu filho, você quer ter um mandato
ruim de um ano e bom de três ou
você quer ter um mandato ruim
de quatro?" Essa é a escolha.
Folha - E a esquerda do PT, o funcionalismo e ao MST? E o povo? A
renda cai há anos, vai ter inflação
mais alta. O povo vai ficar bravo.
Barros - É, vai ficar bravo.
Folha - E como é que faz?
Barros - Não sei.
Folha - Pode ter conturbação social? Política?
Barros - Não acho, não acho.
Nisso o PT é competente.
Folha - Consegue controlar seus
radicais e suas massas?
Barros - Vai ser uma decepção.
Tem de saber lidar com essa decepção e dizer: "Olha, isso aqui é
culpa do Fernando Henrique, não
é culpa minha não. Estou fazendo
a limpeza aqui para eu poder fazer
o meu governo". Não tem escolha. É isso ou... O Sarney foi colocado diante dessa dura opção e
não tomou a decisão certa. Acabou o governo dele.
Folha - Mas, enfim, o PT consegue
ou não?
Barros - Acho que sim. O PT,
além de competente nisso, é stalinista no sentido de que sabe que
ganhou o poder e que quer manter o poder e faz o que for preciso
para isso. Se você precisar, durante um ano, ir contra todas as suas
promessas, contra as expectativas, ele vão. Mas quem vai ser o
economista urubu que vai dizer
ao Lula que é preciso fazer isso?
Folha - E a equipe?
Barros - Trabalhei sete anos no
governo, no governo Sarney e no
governo do Fernando Henrique.
Nesses sete anos deu para ter uma
idéia da dinâmica do governo. As
lideranças políticas não entendem de economia, em quase qualquer governo e no do PT também.
O Lula não entende, o Zé Dirceu
não entende. Você precisa ter um
grupo de economistas que tenha a
confiança da liderança política.
Folha - Quem vai para a Fazenda,
na sua opinião. E para o BC? Um ortodoxo?
Barros - Não sei, eu não consigo
aceitar um nome ortodoxo no
Banco Central. Não consigo entender como eles convidam e não
consigo entender como o convidado aceita, sabendo que a morte
dele está programada. Se o presidente da República não estiver
comprometido até à medula com
isso e não der força para a sua
equipe econômica, aí nós entramos noutra alternativa ruim.
Como vai ser a oposição? O que
vai fazer o Serra?
Barros - Muita gente vai sair com
o fígado ruim dessa eleição. Pode
fazer oposição com o fígado.
Tem mais. Se o PT fizer um bom
governo, o tal do projeto Sérgio
Motta [ministro das Comunicações de FHC. Dizia que os tucanos
ficariam 20 anos no poder" pode
ser repetido para o PT, certo? Isso
cria um problema político. Mesmo a pessoa sendo patriota e tudo
o mais, se o PT der certo eles estão
estrepados. Pois se o PT tivesse
um pensamento econômico correto e coisa e tal, seria um baita
governo. Não está difícil colocar o
Brasil de novo no rumo. Não está
difícil. Um ano passa rápido. E,
depois que passou, ninguém lembra. Agora se não arrumar nesse
ano são quatro anos de sofrimento, como foram os cinco anos do
Sarney.
Folha - E o José Dirceu? Como mete a colher nisso?
Barros - O Dirceu é bom. Tem outros caras bons lá. Tem gente boa.
Politicamente, administrativamente, eles vão bem. Têm uns
quadros intermediários nos ministérios, que é tudo petista. Esse
pessoal sobe. O problema está na
economia e nas relações internacionais, onde eles vão pegar um
abacaxi duro de descascar, vão
pegar a Alca, o Bush babando.
Folha - O Dirceu não pode ir para
a Fazenda?
Barros - Pode ser bom. Com um
grupo de economistas sob as ordens dele. Mas ele correria esse
risco?
Folha - Alguém tem de correr o
risco.
Barros - Teria de ser um sujeito
forte. O Dirceu é uma opção, não
sei se ele tem outro com essa estatura -uma alternativa seria o Palocci. Mas tem político melhor
que o José Dirceu hoje, depois que
o [Jorge] Bornhausen [presidente
do PFL] virou suco? Em termos
de cabeça, em termos de organizador de partido, não conheço
outro assim. O Dirceu é o Sérgio
Motta do Fernando Henrique.
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