São Paulo, domingo, 29 de outubro de 2006

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Empregados são 69% em programas sociais

Maioria dos adultos atendidos por ações de transferência de renda em 2004 tinha ocupação, aponta pesquisa do Ipea

Segundo estudo, 15% eram contratados com carteira assinada e, ainda assim, tinham renda tão baixa que os incluía como beneficiários

FLÁVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL A CAXAMBU (MG)

Dados de uma pesquisa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) mostram que 69% dos adultos que recebiam programas de transferência de renda (estaduais, municipais ou federais) em 2004 estavam trabalhando. Mais: 15% do total já era empregado formal e ainda assim tinha um nível de renda tão baixo que o credenciava como beneficiário.
A informação faz parte do trabalho "Proteção Social, Pobreza e Indigência", da pesquisadora Luciana Jaccoud, e alimenta o debate sobre as chamadas "portas de saída" e os limites dos programas sociais. A pesquisa deve ser publicada até o final do ano num boletim do Ipea. Uma prévia dele foi apresentada no 30º encontro anual da Anpocs (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais), realizado em Caxambu (MG).
Cuidadosa, Jaccoud frisou que não se trata de uma análise do Bolsa Família, já que em 2004 os programas de renda federais ainda não haviam sido totalmente integrados. Eram, naquele ano, ainda o Bolsa Escola, o Bolsa Alimentação e o Auxílio-Gás, entre outros, além do Bolsa Família, que começava a sua expansão.
Mas a pesquisadora diz que os números "não são um retrato atípico" e que "apontam horizontes de preocupações". Mostram a situação do mercado de trabalho brasileiro: "A política social sozinha não dá conta". É preciso haver, afirma ela, um debate sobre desenvolvimento econômico e instrumentos que aumentem a participação da massa salarial na renda total do país.

Bordas da sociedade
"O volume de quem recebe os programas de transferência de renda é muito grande. Não são as pessoas que estão nas bordas da sociedade brasileira. Muitas delas estão trabalhando, até no mercado formal, e ainda assim não têm renda suficiente", aponta a pesquisadora. "Porta de saída para mim é quando essas pessoas conseguirem a renda necessária."
Segundo resultados preliminares da pesquisa, parte dos 15% dos formais que eram beneficiários dos programas em 2004 estava "em empregos tradicionais", com carteira assinada, na construção civil ou no trabalho doméstico regularizado. Jacoud usou dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) realizada em 2004), em que o entrevistado respondia se era beneficiário de algum programa de transferência de renda.
Ela usa o exemplo da empregada doméstica que, mesmo trabalhando numa família de classe média, ainda se credenciava para receber dinheiro federal. "Se ela recebia um salário mínimo do patrão e tem quatro filhos, a renda per capita dela girava em torno de R$ 60. Não é razoável. Ainda assim ela tinha o direito de receber o programa de renda", afirma.

Impacto
A pesquisadora do Ipea também analisou o impacto do sistema de proteção social na indigência e na pobreza do Brasil, com base em dados de 2005, aí já incorporando os números do Bolsa Família. O sistema inclui, além do programa, os benefícios de até um salário mínimo da Previdência Social e os idosos e deficientes que recebem até um salário mínimo do BPC (Benefício de Prestação Continuada).
Na simulação da pesquisa, sem o colchão de renda dos benefícios, a indigência duplicaria no Nordeste (passaria de 24,1% da população para 41,3%) e quase triplicaria no Sudeste (dos atuais 5,4% para 14,5%). "O Bolsa Família é um novo pilar da proteção social, atende uma população até agora descoberta, que são os adultos em condição de trabalhar e praticamente sem renda. Os dados mostram que o sistema de proteção social tem um impacto extremamente importante. A situação sem eles seria imensamente pior", afirma.


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