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São Paulo, sábado, 29 de novembro de 2003

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QUESTÃO AGRÁRIA

Assentamento mais antigo da região abriga dois personagens de livro de Antonio Callado, que esteve lá em 1984

Há 20 anos, invasões começavam no Pontal

GUILHERME BAHIA
ENVIADO AO PONTAL DO PARANAPANEMA

O conflito agrário no Pontal do Paranapanema existe pelo menos desde o começo do século passado, mas a ação organizada dos sem-terra e os assentamentos dos governos estadual e federal só começaram há 20 anos.
Nessa época, o jornalista e escritor Antonio Callado foi à região e escreveu um livro -"Entre o Deus e a Vasilha - Ensaio sobre a Reforma Agrária Brasileira, a qual Nunca Foi Feita" (editora Nova Fronteira, R$ 19). Um dos personagens, Moisés Simeão de Oliveira, vive até hoje na Gleba XV de Novembro, o assentamento onde Callado o encontrou em 1984.
No mesmo assentamento mora outro personagem, Jenival Bispo Santos, que recebeu o escritor em outra gleba, a Santa Rita, na qual foi um dos pioneiros que derrubaram a mata para fazer roçado.
Callado foi ao Pontal em novembro de 1984. Quando encontrou Moisés, um forte temporal tinha atingido havia pouco a Gleba XV, o primeiro assentamento da região. O assentado trabalhava para pôr ordem na bagunça deixada pela chuva. "Um momento nada propício a entrevistas", escreveu o jornalista, que, ainda assim, entrevistou seu personagem.
Callado viajou a convite da Cesp (Companhia Energética de São Paulo), que queria um relato sobre as desapropriações e os assentamentos que o governo do Estado começava a fazer.
A companhia havia atraído muita gente para a região para trabalhar na construção da usina hidrelétrica Rosana. Terminada a obra, veio o desemprego, e, com o enchimento do reservatório da usina, muitos pequenos posseiros tiveram suas terras inundadas. Estava formado o cenário para o início das grandes invasões.
A primeira delas foi em 15 de novembro de 1983, nas fazendas Tucano e Rosanela, das empresas Vicar S.A. e Camargo Corrêa. O Brasil vivia o ocaso do regime militar, e o clima entre os sem-terra era tenso. Após cinco dias de acampamento, a Justiça concedeu reintegração de posse. Um forte temporal, como o que atingiria a região um ano mais tarde, obrigou a Polícia Militar a cumprir a ordem só no dia seguinte.
O adiamento foi essencial para que os sem-terra conseguissem um acordo mais favorável com a polícia, conta o padre José Antonio de Lima, 49, que acompanhou a ação e recebeu a Folha há dois meses, em Santo Anastácio, também no Pontal, onde hoje mora e guarda fotos da época.
Pelo acordo, que teve como fiador o então secretário estadual do Trabalho, Almir Pazzianotto, os sem-terra puderam transferir o acampamento para a beira da rodovia SP-613, em vez de serem dispersados, como queria a PM.
Em abril de 1984, as quase 600 famílias acampadas foram assentadas na Gleba XV de Novembro, cujo nome lembra a data de início do acampamento.
A família de Moisés está entre os 30% dos assentados na Gleba XV que estão lá até hoje. Outros 50% mudaram de assentamento, tendo sido em geral substituídos por novas famílias, e os restantes 20% deixaram os lotes, segundo o Itesp (Instituto de Terras do Estado de São Paulo).
Moisés, que hoje está com 49 anos, mora com a mulher, Creuza Costa de Oliveira, 41, e dois de seus cinco filhos -Marco Antonio, 17, e Telma, 20.
Ele chegou ao Pontal em 1980. Pernambucano, veio de pau-de-arara para trabalhar na construção da usina Rosana. Como tantos outros, ficou desempregado, virou posseiro, teve sua roça inundada pela represa e acampou na SP-613 até ser assentado.
O personagem de Callado já fez parte do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), mas deixou o movimento em 1989 por discordar dos seus métodos, que considera violentos.
Moisés chegou a se filiar ao PMDB e ao PT. Nos anos 90, trabalhou nas campanhas de Francisco Graziano Neto (PSDB-SP) para deputado federal. Hoje é sindicalista e vice-presidente estadual do Mast (Movimento dos Agricultores Sem Terra), movimento rival do MST e ligado à Social Democracia Sindical.
Outro personagem de Callado, o sergipano Jenival Bispo Santos, hoje com 60 anos, chegou ao Pontal bem antes de Moisés e hoje mostra com orgulho a foto que tirou ao lado do jornalista. Callado encontrou Jenival na gleba Santa Rita, onde chegou com a mulher, Terezinha, em 1969. Informado de que era terra devoluta, derrubou mato e fez sua roça.
Nos anos 70, porém, ele e outros posseiros começaram a enfrentar despejos violentos promovidos por fazendeiros da região e pela polícia. Jenival conta que, por diversas vezes, por precaução, dormiu fora de casa ao saber que a polícia o havia procurado.
Em 1994, foi remanejado, com outras famílias, para a Gleba XV, o que permitiu que ele e os que ficaram na Santa Rita conseguissem lotes de 15 hectares, em vez dos cinco de antes.
Jenival, como Moisés, construiu a casa de alvenaria onde mora, sem telefone mas com luz elétrica. A água vem de poços artesianos. Na varanda, ele pendura quatro bebedouros com flores de plástico, daqueles que atraem beija-flores. Todos os dias, ordenha suas vacas e troca a água com açúcar dos bebedouros. A rotina não o incomoda. "Se me perguntarem o que sou, digo que sou trabalhador da terra", diz, orgulhoso.


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