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VIDA SEM TERRA
Após chacina, sem-terra mantêm organização agrícola em área devoluta
Ordem dita regras em acampamento
THIAGO GUIMARÃES
ENVIADO ESPECIAL A FELISBURGO (MG)
Das terras do acampamento
Terra Prometida, em Felisburgo
(MG), que o governo de Minas
alega ser do Estado, integrantes
do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra)
fizeram um grande quintal agrícola, onde cultivam feijão, milho e mandioca. A área plantada, segundo estimativa do movimento, é de 60 ha -o equivalente a 60 campos de futebol.
O acampamento é parte da fazenda Nova Alegria, invadida
em maio de 2002 pelo MST. No
último dia 20, foi alvo de um
ataque de pistoleiros, que deixou cinco sem-terra mortos e 13
feridos. Segundo o Iter (Instituto de Terras) de Minas, pelo menos 35% da fazenda -de 2000
ha- são de terras devolutas.
À primeira vista, os barracos
queimados no ataque e a precariedade das moradias podem
esconder a organização do sistema de produção ali montado.
Mas logo atrás das barracas há
uma sucessão de vales de plantações delimitadas, cada qual
com seu núcleo responsável.
Como em outras áreas invadidas pelo MST, o uso da terra
obedece a critérios coletivos e
individuais. No coletivo, onde
há cem famílias, são oito núcleos de 10 a 15 sem-terra. Ao final da colheita, segundo Jorge
Rodrigues Pereira, 37, um dos
fundadores do acampamento, a
produção é dividida em partes
iguais entre os integrantes.
Em cada núcleo há um coordenador. Uma de suas funções é
fiscalizar o trabalho dos demais.
Se faltas injustificadas são detectadas, há desconto na partilha
da produção. O núcleo também
faz o sorteio das glebas individuais, nas quais planta-se o que
quiser. Nessas áreas menores,
de 10 m2 a 100 m2, há cultivo de
frutas e hortaliças.
O regime de trabalho é das 7h
às 10h e das 13h às 16h. Segundas, terças e quartas são reservadas ao trabalho coletivo, e quintas, sextas e sábados, ao individual. Todo o trabalho nas lavouras é manual. Apesar de três córregos cortarem a fazenda, não
há irrigação artificial -a produção segue o regime das chuvas. Um córrego foi canalizado,
mas para uso nos barracos.
A maior parte da colheita é de
subsistência. Algumas famílias
vendem o excedente no mercado de Felisburgo, mas o retorno
financeiro ainda é pequeno
-no máximo R$ 50 por família.
A coordenação estuda montar
banca coletiva no mercado.
Também há projeto de criação
conjunta de galinhas e porcos,
hoje mantidos individualmente.
Há seis meses, uma nova área
de cultivo foi aberta, próxima
do local para onde o acampamento será transferido. Após a
chacina, os sem-terra decidiram
mudar os barracos.
Os líderes do acampamento
dizem ter laços históricos com a
Nova Alegria. A família de Pereira, por exemplo, viveu como
"agregada" na área até 1992,
quando recebeu indenização
para deixá-la. Nesse sistema, comum na região, o pai de Pereira
prestava pequenos serviços para o pai e o avô de Adriano Chafik Luedy -suposto proprietário da fazenda e acusado de ser
mandante e executor da chacina-, em troca do uso da terra.
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