São Paulo, segunda-feira, 29 de novembro de 2004

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VIDA SEM TERRA

Após chacina, sem-terra mantêm organização agrícola em área devoluta

Ordem dita regras em acampamento

THIAGO GUIMARÃES
ENVIADO ESPECIAL A FELISBURGO (MG)

Das terras do acampamento Terra Prometida, em Felisburgo (MG), que o governo de Minas alega ser do Estado, integrantes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) fizeram um grande quintal agrícola, onde cultivam feijão, milho e mandioca. A área plantada, segundo estimativa do movimento, é de 60 ha -o equivalente a 60 campos de futebol.
O acampamento é parte da fazenda Nova Alegria, invadida em maio de 2002 pelo MST. No último dia 20, foi alvo de um ataque de pistoleiros, que deixou cinco sem-terra mortos e 13 feridos. Segundo o Iter (Instituto de Terras) de Minas, pelo menos 35% da fazenda -de 2000 ha- são de terras devolutas.
À primeira vista, os barracos queimados no ataque e a precariedade das moradias podem esconder a organização do sistema de produção ali montado. Mas logo atrás das barracas há uma sucessão de vales de plantações delimitadas, cada qual com seu núcleo responsável.
Como em outras áreas invadidas pelo MST, o uso da terra obedece a critérios coletivos e individuais. No coletivo, onde há cem famílias, são oito núcleos de 10 a 15 sem-terra. Ao final da colheita, segundo Jorge Rodrigues Pereira, 37, um dos fundadores do acampamento, a produção é dividida em partes iguais entre os integrantes.
Em cada núcleo há um coordenador. Uma de suas funções é fiscalizar o trabalho dos demais. Se faltas injustificadas são detectadas, há desconto na partilha da produção. O núcleo também faz o sorteio das glebas individuais, nas quais planta-se o que quiser. Nessas áreas menores, de 10 m2 a 100 m2, há cultivo de frutas e hortaliças.
O regime de trabalho é das 7h às 10h e das 13h às 16h. Segundas, terças e quartas são reservadas ao trabalho coletivo, e quintas, sextas e sábados, ao individual. Todo o trabalho nas lavouras é manual. Apesar de três córregos cortarem a fazenda, não há irrigação artificial -a produção segue o regime das chuvas. Um córrego foi canalizado, mas para uso nos barracos.
A maior parte da colheita é de subsistência. Algumas famílias vendem o excedente no mercado de Felisburgo, mas o retorno financeiro ainda é pequeno -no máximo R$ 50 por família. A coordenação estuda montar banca coletiva no mercado. Também há projeto de criação conjunta de galinhas e porcos, hoje mantidos individualmente.
Há seis meses, uma nova área de cultivo foi aberta, próxima do local para onde o acampamento será transferido. Após a chacina, os sem-terra decidiram mudar os barracos.
Os líderes do acampamento dizem ter laços históricos com a Nova Alegria. A família de Pereira, por exemplo, viveu como "agregada" na área até 1992, quando recebeu indenização para deixá-la. Nesse sistema, comum na região, o pai de Pereira prestava pequenos serviços para o pai e o avô de Adriano Chafik Luedy -suposto proprietário da fazenda e acusado de ser mandante e executor da chacina-, em troca do uso da terra.


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