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Brasileiros criam "cidade-garimpo" na Guiana
Em Frenchman Hill, garimpeiros pagam propina a autoridades e fazem uso de laranjas para explorar ouro e diamante
Não há censo que aponte o número de garimpeiros do país na área, mas um deles afirma que há "muito mais de cem brasileiros" no local
Alan Marques/Folha Imagem
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Cristino de Andrade (esq.) e seu irmão Tibúrcio, em garimpo na área de Frechmann Hill (Guiana) |
DOS ENVIADOS À GUIANA
Atraídos pelo menor rigor na
fiscalização ambiental, garimpeiros brasileiros criaram uma
cidade, chamada Frenchman
Hill (morro do francês), na
Guiana, onde exploram ouro e
diamante em meio à floresta.
Pioneiro do grupo, Tibúrcio
Valeriano de Andrade Neto, 52,
diz que brasileiros pagam propina a autoridades da Guiana,
usam nome de guianenses laranjas para garimpar e levam
ao país "o jeitinho brasileiro".
Para chegar a Frenchman
Hill, são necessárias uma camioneta com tração nas quatro
rodas e seis horas de viagem (a
depender da demora das balsas
para atravessar rios e da velocidade do motorista que, no caso
da reportagem, chegou a 120
km/h). A estrada sem asfalto é a
única que liga a capital Georgetown ao interior do país e à
fronteira com o Brasil.
A estrada parte de Lethem,
cidade da Guiana, separada do
município de Bonfim (RR) pelo
rio Itacutu (primeira balsa da
viagem). Duas horas de viagem
depois, passa pela reserva ambiental Iwokrama, já na floresta amazônica. É na região de
floresta que fica o garimpo.
Alguns quilômetros à frente,
após a travessia de balsa pelo
rio Kurupukari, é preciso pegar, à esquerda, um braço da estrada. Trata-se de uma via estreita, tomada por poças de lama e pela mata fechada, que
chega a fazer um túnel verde.
Vencidos 265 km, Frenchman Hill surge com 18 casas de
madeira que servem ao comércio (lanchonete, armazéns, loja
de roupas) e também um escritório da GGMC (Comissão de
Geologia e Minas da Guiana),
órgão governamental que fiscaliza a mineração.
Barracas de garimpeiros estão espalhadas em volta, distribuídas em dezenas de áreas de
garimpo que têm, cada uma, o
tamanho equivalente a um
campo de futebol e representam a devastação da floresta.
Não há censo que aponte o
número de garimpeiros brasileiros. Apenas Neto, o pioneiro
do grupo, emprega 22 funcionários, que podem ganhar até
R$ 2.000 por mês. Seu irmão,
Cristino Pereira de Andrade,
48, diz que "são muito mais de
cem brasileiros" por lá.
Potaro-Siparuni, região onde
está Frenchman Hill, possui 10
mil habitantes em 20.051 km2,
ou seja, 0,5 por km2, segundo
censo de 2002.
Em cada área de garimpo, a
floresta foi derrubada e os igarapés (riachos que nascem na
mata e deságuam em rios) tiveram o curso desviado. Deles sai
a água para remover a terra,
com uso de dragas, na busca
pelo ouro e diamante.
"Aqui existe [fiscalização
ambiental] também, mas é um
pouco mais largada", diz Edmundo Lomas, 35, comerciante que vende de "aparelho de
barbear a arroz e prego" em sua
mercearia. Ele diz que cobra
250% a mais em relação ao preço dos produtos no Brasil.
Lomas confessa que paga
propina para que a carga de
mercadorias, trazida de Boa
Vista (RR), possa chegar.
"Mesmo que a carga esteja
100% documentada, ainda arrumam um jeito de dar uma
mordida. Todos os funcionários do governo daqui ganham
um salário irrisório. Aí é preciso pagar [propina] R$ 10, R$
20", afirma Lomas, que tem 40
clientes fixos brasileiros.
"Aqui há 13 anos já foi garimpo. Aí deu uma queda, o pessoal
abandonou. Depois reativaram
de novo, já tem uns dois anos,
quando vim para cá", afirma
Neto, que nasceu no Maranhão
e passou por garimpos da Venezuela. "Aqui é mais tranqüilo. Existe propina também,
mas é mais fácil de a gente
combinar", diz o garimpeiro.
"Tem o dono da terra, e a
gente tem que ter autorização
do dono da terra [para garimpar. Estrangeiro não pode]. A
gente dá o dinheiro. Ele [guianense] compra aquela área e a
gente fica sócio dele, usando o
nome dele, mas a gente não é
dono", diz rindo Neto. "É um
laranja", explica Lomas.
Segundo Neto, que passa os
fins de semana em Boa Vista
(RR) com a mulher e o seis filhos, de 15 a 26 anos, o dono da
terra fica com 10% da produção
do garimpo. O valor da propina,
diz Neto, chega a 100 gramas de
ouro para os fiscais da Guiana.
"Aqui existe o jeitinho brasileiro. Uma parte a gente não
consegue cumprir, mas no Brasil nem assim conseguiríamos
[trabalhar]", diz. Frenchman
Hill é dominada por dois idiomas, o inglês, oficial, e o português, devido aos garimpeiros.
(HUDSON CORRÊA e ALAN MARQUES)
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