São Paulo, domingo, 30 de janeiro de 2005

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DAVOS - DEBATE GLOBAL - PORTO ALEGRE

Escritor português diz que vaias dos "filhos rebeldes" do PT ao presidente são reações legítimas diante de expectativas frustradas

Saramago condena paternalismo de Lula

DA ENVIADA ESPECIAL A PORTO ALEGRE

O escritor José Saramago classificou ontem de "paternalista" a reação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva às vaias que recebeu em seu discurso na quinta-feira, no estádio do Gigantinho, em Porto Alegre, durante o Fórum Social Mundial -que está em sua 5ª edição.
Lula atribuiu os protestos que recebeu de parte da platéia a "filhos rebeldes do PT", que, segundo o presidente, poderiam voltar ao partido.
"Eu diria ao presidente Lula que o paternalismo não convém a ninguém, muito menos a um político com as responsabilidades dele[...]: "as coisas subiram à cabeça, mas enfim cresçam, que depois nós estamos aqui para recebê-los". As coisas não são assim", afirmou o escritor.
Saramago respondia a uma pergunta sobre o governo Lula, durante entrevista coletiva do Fórum Social Mundial, ontem à tarde, após participar de encontro pela manhã (leia texto nesta página). Até então, tinha evitado fazer um julgamento duro sobre a gestão petista:
"Se [Lula] está a fazer aquilo que pode, muito bem, eu não queixo. Mas se está a fazer alguma coisa que não deveria fazer, disso só vocês podem ser juízes", disse, depois de enumerar as imposições com as quais um governo tem de lidar -instituições financeiras, o grande capital, indústria armamentícia, mercado mundial do petróleo.
"É uma tentação nossa pensar que, em um dado momento, vai acontecer algo que vai definir tudo dali para adiante. Pois não. Tudo é relativo, tudo tem que se encaixar", afirmou.
José Saramago disse que a eleição de Lula despertou expectativas em todo o mundo e classificou o protesto contra o presidente como uma expressão legítima da quebra dessas expectativas.
"Normalmente aguenta-se um choque e continua-se a viver. Mas pode acontecer que alguns que acreditavam que as expectativas iriam ser cumpridas protestem", afirmou o escritor.
E depois ponderou: "O que pode acontecer é que o protesto se faça com um radicalismo desproporcional em relação à causa, isso é outro aspecto. Mas quem pode julgar isso?".
O jornalista uruguaio Eduardo Galeano, que participava da mesma coletiva -agitada por participantes do fórum, que, do lado de fora da sala, gritavam tentando entrar- afirmou concordar com Saramago.
Embora tenha evitado fazer críticas frontais, disse que os governos de esquerda -o governo Lula citado- têm responsabilidade quanto ao futuro da esperança em relação a todas as possibilidades da democracia.
"Eduardo, todos os pecados têm redenção, menos o pecado contra a esperança", disse ele, dizendo-se relembrar um conselho de um antigo chefe e fazendo lembrar o repetido slogan da campanha de Lula.
Saramago, que no painel da manhã de ontem sugeriu como medida aos países pobres o não-pagamento da dívida, se recusou a comentar a atitude do governo Lula sobre o assunto.
"Há uma tendência de achar tudo quanto aqui se passa tem como objetivo o governo do presidente Lula. Não tem. Não é um encontro de jornalistas para discutir problemas locais. É para considerar, no conjunto do mundo, o que o Fórum tem para propor para os problemas do mundo", afirmou o escritor, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1998. (FLÁVIA MARREIRO)


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