|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
DAVOS - DEBATE GLOBAL - PORTO ALEGRE
Escritor português diz que vaias dos "filhos rebeldes" do PT ao presidente são reações legítimas diante de expectativas frustradas
Saramago condena paternalismo de Lula
DA ENVIADA ESPECIAL A PORTO ALEGRE
O escritor José Saramago classificou ontem de "paternalista" a
reação do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva às vaias que recebeu
em seu discurso na quinta-feira,
no estádio do Gigantinho, em
Porto Alegre, durante o Fórum
Social Mundial -que está em sua
5ª edição.
Lula atribuiu os protestos que
recebeu de parte da platéia a "filhos rebeldes do PT", que, segundo o presidente, poderiam voltar
ao partido.
"Eu diria ao presidente Lula que
o paternalismo não convém a
ninguém, muito menos a um político com as responsabilidades
dele[...]: "as coisas subiram à cabeça, mas enfim cresçam, que depois nós estamos aqui para recebê-los". As coisas não são assim",
afirmou o escritor.
Saramago respondia a uma pergunta sobre o governo Lula, durante entrevista coletiva do Fórum Social Mundial, ontem à tarde, após participar de encontro
pela manhã (leia texto nesta página). Até então, tinha evitado fazer
um julgamento duro sobre a gestão petista:
"Se [Lula] está a fazer aquilo que
pode, muito bem, eu não queixo.
Mas se está a fazer alguma coisa
que não deveria fazer, disso só vocês podem ser juízes", disse, depois de enumerar as imposições
com as quais um governo tem de
lidar -instituições financeiras, o
grande capital, indústria armamentícia, mercado mundial do
petróleo.
"É uma tentação nossa pensar
que, em um dado momento, vai
acontecer algo que vai definir tudo dali para adiante. Pois não. Tudo é relativo, tudo tem que se encaixar", afirmou.
José Saramago disse que a eleição de Lula despertou expectativas em todo o mundo e classificou
o protesto contra o presidente como uma expressão legítima da
quebra dessas expectativas.
"Normalmente aguenta-se um
choque e continua-se a viver. Mas
pode acontecer que alguns que
acreditavam que as expectativas
iriam ser cumpridas protestem",
afirmou o escritor.
E depois ponderou: "O que pode acontecer é que o protesto se
faça com um radicalismo desproporcional em relação à causa, isso
é outro aspecto. Mas quem pode
julgar isso?".
O jornalista uruguaio Eduardo
Galeano, que participava da mesma coletiva -agitada por participantes do fórum, que, do lado de
fora da sala, gritavam tentando
entrar- afirmou concordar com
Saramago.
Embora tenha evitado fazer críticas frontais, disse que os governos de esquerda -o governo Lula citado- têm responsabilidade
quanto ao futuro da esperança em
relação a todas as possibilidades
da democracia.
"Eduardo, todos os pecados
têm redenção, menos o pecado
contra a esperança", disse ele, dizendo-se relembrar um conselho
de um antigo chefe e fazendo lembrar o repetido slogan da campanha de Lula.
Saramago, que no painel da manhã de ontem sugeriu como medida aos países pobres o não-pagamento da dívida, se recusou a
comentar a atitude do governo
Lula sobre o assunto.
"Há uma tendência de achar tudo quanto aqui se passa tem como objetivo o governo do presidente Lula. Não tem. Não é um
encontro de jornalistas para discutir problemas locais. É para
considerar, no conjunto do mundo, o que o Fórum tem para propor para os problemas do mundo", afirmou o escritor, ganhador
do Prêmio Nobel de Literatura de
1998.
(FLÁVIA MARREIRO)
Texto Anterior: Janio de Freitas: Sem reposta Próximo Texto: Escritor português critica utopia e pede revisão conceitual da esquerda Índice
|