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Escritor português critica utopia e
pede revisão conceitual da esquerda
LÉO GERCHMANN
DA AGÊNCIA FOLHA, EM PORTO ALEGRE
ANA FLOR
ENVIADA ESPECIAL A PORTO ALEGRE
Em um painel no qual o secretário-geral da Presidência, Luiz
Dulci, foi intensamente vaiado,
apesar de receber alguns aplausos, o escritor português José Saramago rebateu seu depoimento e
disse: ""Tenho uma má notícia, depois de ter escutado nossos amigos aqui: não sou utopista".
Saramago ganhou a palavra logo depois de Dulci falar sobre utopia ontem para 5.000 pessoas no
auditório Araújo Vianna, em Porto Alegre, no Fórum Social Mundial. Em referências indiretas a
políticos e governos em geral, Saramago definiu a política como ""a
arte de não dizer a verdade".
""Para 5 bilhões de pessoas que
vivem na pobreza, a palavra utopia não significa absolutamente
nada", disse. ""O discurso sobre a
utopia é o discurso sobre o não
existente. Vivemos hoje de utopia
como por muito tempo vivemos
de mitos e crenças, que não têm
nada para dar, mas muito para
prometer."
Em uma crítica à esquerda em
geral, o escritor português afirmou: ""Nós, a esquerda, o primeiro conceito que temos de rever é o
conceito de esquerda." Falando
sobre o uso das palavras, Saramago, Nobel de literatura, chegou a
relativisar até mesmo a expressão
""democracia".
""A democracia que vivemos é
seqüestrada, amputada. O poder
do cidadão se limita a tirar um governo que não gosta e colocar um
que não sabe se vai gostar", disse,
lembrando que o Banco Mundial
e o FMI (Fundo Monetário Internacional), que determinam o futuro de economias, não têm seus
integrantes eleitos pelo povo.
Dulci afirmou que ""para todos
nós há erro, o essencial é não esquecer onde está a linha do horizonte". De acordo com o secretário-geral da Presidência, ""na caminhada descobrimos notícias
novas sobre nós mesmos".
O escritor Eduardo Galeano,
que também participou do painel
""Quixote hoje: utopia e política",
afirmou: ""Cervantes [autor de
Dom Quixote] estava preso por
dívidas como nós estamos presos
por dívidas na América Latina."
O diretor do jornal francês "Le
Monde Diplomatique", Ignacio
Ramonet, afirmou que "a globalização criou um mundo mais insolidário". "Uma vaca européia ganha US$ 4 por dia de subvenção,
enquanto um terço da população
mundial vive com US$ 1 por dia",
disse ele.
Na sua última intervenção, Galeano afirmou, ainda, que a utopia
fica sempre distante de quem a
tenta atingir e que essa pessoa
continua caminhando atrás dela,
e ela se distanciando. Concluiu,
então: o segredo está em continuar caminhando.
Saramago, em sua linha de discursar contra a palavra "utopia",
disse ainda que, para quem passa
fome, ela é inútil, e, avisando que
cunharia uma "frase histórica",
afirmou: "O que transformou o
mundo não foi a utopia, foi a necessidade".
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