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INVESTIGAÇÃO
Ministério Público Federal investiga acordos firmados entre as entidades para contratação de mão-de-obra
INSS e Unesco são acusados de desviar R$ 77 mi
JOSIAS DE SOUZA
COLUNISTA DA FOLHA
Em ação civil ajuizada na última
quarta-feira, o Ministério Público
Federal acusa o INSS e a Unesco
de "desviar" R$ 77 milhões em
verbas públicas. A "malversação",
anota a denúncia, ocorreu entre
1998 e 2002.
Nesse período, o INSS (Instituto
Nacional do Seguro Social) e a
Unesco (braço das Nações Unidas
para educação, ciência e cultura)
firmaram dois acordos de cooperação. As entidades visavam a
"melhoria do atendimento" nos
postos da Previdência.
Com a maior parte da verba que
recebeu do INSS, a Unesco contratou uma empresa privada. Incumbiu-a de recrutar mão-de-obra terceirizada para o INSS.
Uma "manobra para driblar a lei
de licitações", acusam os procuradores federais José Alfredo de
Paula Silva e Raquel Branquinho,
autores da ação judicial.
De acordo com Silva e Branquinho, foram contratados "serviços
de transportes, copeiragem, limpeza e conservação", além de
"operação de central telefônica,
recepção e microinformática".
No ápice do programa, havia 500
funcionários terceirizados.
Silva e Branquinho integram
uma força-tarefa que investiga a
Previdência. Analisando os convênios INSS-Unesco, eles detectaram o que chamam de "flagrantes
ilicitudes". Listaram-nas ao longo
das 125 páginas que compõem a
ação. Eis as principais:
1) A terceirização só pode ser
feita mediante licitação aberta a
todas as empresas interessadas.
Os acordos com a Unesco dispensaram a licitação;
2) o primeiro acordo, firmado
em 1988, não foi homologado pela
Agência Brasileira de Cooperação
do Itamaraty, uma exigência estabelecida em lei;
3) não ficou comprovada a participação da Unesco como "disseminadora de tecnologia". O trabalho, dizem os procuradores, limitou-se à "subcontratação de
mão-de-obra";
4) a operação serviu "apenas para alugar o nome da Unesco, situação que conferiu uma aparência de legalidade aos atos ilícitos
praticados e possibilitou o desvio
dos cofres públicos de quantias
expressivas";
5) a Unesco confiou a seleção
dos funcionários terceirizados a
uma empresa privada (CTIS Informática Ltda.). Não houve "impessoalidade". "Apaniguados" de
dirigentes do INSS foram incorporados às listas de recrutadas.
Entre eles um sobrinho de Crésio
de Matos Rolim, presidente da
autarquia à época da assinatura
dos acordos com a Unesco;
6) o tipo de trabalho contratado,
por trivial, dispensaria a intermediação da Unesco. O INSS desembolsou mais do que deveria. Pagou à entidade da ONU taxa de
administração de 10%;
7) parte dos terceirizados realizou atividades típicas de funcionários públicos de carreira. Uma
"distorção" proibida pela legislação;
A ação proposta pelo Ministério
Público tramita na 2ª Vara Federal de Brasília. Não há, por ora,
nenhum tipo de condenação. O
juiz titular da vara ainda terá de
dizer se aceita ou não a denúncia.
Se aceitar, abrirá aos acusados a
oportunidade de se defender. Em
caso de condenação, pode-se ainda recorrer às instâncias superiores do Judiciário.
Quatro ex-dirigentes do INSS
são réus na ação: Crésio de Matos
Rolim, presidente; Raul Christiano de Sanson Portela, diretor de
administração patrimonial; Benedito Castro da Silveira Frade Neto,
coordenador-geral de logística e
Maria Helena Jacinto de Carvalho, procuradora-chefe da consultoria jurídica.
A lista inclui ainda o dirigente
da Unesco no Brasil, Jorge Ricardo Werthein; a própria Unesco; a
empresa CTIS; e os três sócios da
firma (Avaldir da Silva Oliveira,
Marcelo Braconi Rocha de Oliveira e Fernando Lopes Coelho).
Os procuradores pedem à Justiça que determine a anulação dos
acordos e a devolução dos R$ 77
milhões que o governo gastou.
Reivindicam também o bloqueio
preventivo dos bens de todos os
envolvidos, exceto da Unesco e de
seu dirigente no Brasil, Jorge
Wertein, protegidos por tratados
internacionais da ONU e pela
Convenção de Viena sobre relações diplomáticas.
O Ministério Público alega, porém, que os privilégios da Unesco
são "relativos" quando está em jogo a apuração de desvios de verbas governamentais. Por isso, pede ao juiz que imponha à agência
"o pagamento de multa e a proibição de contratar com o Poder Público ou de receber benefícios ou
incentivos fiscais e creditícios".
Ouvidos pela Folha, integrantes
da direção da Unesco ficaram indignados com o timbre empregado no texto da ação. Os procuradores trataram os acordos INSS-Unesco como "transações espúrias". Chegaram mesmo a insinuar que o INSS recorreu à Unesco porque a "imunidade de jurisdição" da entidade dificultaria
"qualquer tentativa de apuração
da fraude sob as leis brasileiras".
O staff da Unesco vê "leviandade" no texto. Acha que as cores
fortes apenas "desqualificam a
denúncia". Afirma que as contas
da entidade, auditadas pela sede e
por auditores externos, estão
"acima de qualquer suspeita".
Os acordos INSS-Unesco foram
vistoriados também por outras
três instâncias de auditoria do Estado brasileiro: a Secretaria Federal de Controle (rebatizada de
Controladoria Geral da União), o
Tribunal de Contas da União e comissões de sindicância da própria
Previdência. Todas as apurações
apontaram "irregularidades".
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