São Paulo, domingo, 30 de janeiro de 2005

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INVESTIGAÇÃO
Ministério Público Federal investiga acordos firmados entre as entidades para contratação de mão-de-obra

INSS e Unesco são acusados de desviar R$ 77 mi

JOSIAS DE SOUZA
COLUNISTA DA FOLHA

Em ação civil ajuizada na última quarta-feira, o Ministério Público Federal acusa o INSS e a Unesco de "desviar" R$ 77 milhões em verbas públicas. A "malversação", anota a denúncia, ocorreu entre 1998 e 2002.
Nesse período, o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e a Unesco (braço das Nações Unidas para educação, ciência e cultura) firmaram dois acordos de cooperação. As entidades visavam a "melhoria do atendimento" nos postos da Previdência.
Com a maior parte da verba que recebeu do INSS, a Unesco contratou uma empresa privada. Incumbiu-a de recrutar mão-de-obra terceirizada para o INSS. Uma "manobra para driblar a lei de licitações", acusam os procuradores federais José Alfredo de Paula Silva e Raquel Branquinho, autores da ação judicial.
De acordo com Silva e Branquinho, foram contratados "serviços de transportes, copeiragem, limpeza e conservação", além de "operação de central telefônica, recepção e microinformática". No ápice do programa, havia 500 funcionários terceirizados.
Silva e Branquinho integram uma força-tarefa que investiga a Previdência. Analisando os convênios INSS-Unesco, eles detectaram o que chamam de "flagrantes ilicitudes". Listaram-nas ao longo das 125 páginas que compõem a ação. Eis as principais:
1) A terceirização só pode ser feita mediante licitação aberta a todas as empresas interessadas. Os acordos com a Unesco dispensaram a licitação;
2) o primeiro acordo, firmado em 1988, não foi homologado pela Agência Brasileira de Cooperação do Itamaraty, uma exigência estabelecida em lei;
3) não ficou comprovada a participação da Unesco como "disseminadora de tecnologia". O trabalho, dizem os procuradores, limitou-se à "subcontratação de mão-de-obra";
4) a operação serviu "apenas para alugar o nome da Unesco, situação que conferiu uma aparência de legalidade aos atos ilícitos praticados e possibilitou o desvio dos cofres públicos de quantias expressivas";
5) a Unesco confiou a seleção dos funcionários terceirizados a uma empresa privada (CTIS Informática Ltda.). Não houve "impessoalidade". "Apaniguados" de dirigentes do INSS foram incorporados às listas de recrutadas. Entre eles um sobrinho de Crésio de Matos Rolim, presidente da autarquia à época da assinatura dos acordos com a Unesco;
6) o tipo de trabalho contratado, por trivial, dispensaria a intermediação da Unesco. O INSS desembolsou mais do que deveria. Pagou à entidade da ONU taxa de administração de 10%;
7) parte dos terceirizados realizou atividades típicas de funcionários públicos de carreira. Uma "distorção" proibida pela legislação;
A ação proposta pelo Ministério Público tramita na 2ª Vara Federal de Brasília. Não há, por ora, nenhum tipo de condenação. O juiz titular da vara ainda terá de dizer se aceita ou não a denúncia. Se aceitar, abrirá aos acusados a oportunidade de se defender. Em caso de condenação, pode-se ainda recorrer às instâncias superiores do Judiciário.
Quatro ex-dirigentes do INSS são réus na ação: Crésio de Matos Rolim, presidente; Raul Christiano de Sanson Portela, diretor de administração patrimonial; Benedito Castro da Silveira Frade Neto, coordenador-geral de logística e Maria Helena Jacinto de Carvalho, procuradora-chefe da consultoria jurídica.
A lista inclui ainda o dirigente da Unesco no Brasil, Jorge Ricardo Werthein; a própria Unesco; a empresa CTIS; e os três sócios da firma (Avaldir da Silva Oliveira, Marcelo Braconi Rocha de Oliveira e Fernando Lopes Coelho).
Os procuradores pedem à Justiça que determine a anulação dos acordos e a devolução dos R$ 77 milhões que o governo gastou. Reivindicam também o bloqueio preventivo dos bens de todos os envolvidos, exceto da Unesco e de seu dirigente no Brasil, Jorge Wertein, protegidos por tratados internacionais da ONU e pela Convenção de Viena sobre relações diplomáticas.
O Ministério Público alega, porém, que os privilégios da Unesco são "relativos" quando está em jogo a apuração de desvios de verbas governamentais. Por isso, pede ao juiz que imponha à agência "o pagamento de multa e a proibição de contratar com o Poder Público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais e creditícios".
Ouvidos pela Folha, integrantes da direção da Unesco ficaram indignados com o timbre empregado no texto da ação. Os procuradores trataram os acordos INSS-Unesco como "transações espúrias". Chegaram mesmo a insinuar que o INSS recorreu à Unesco porque a "imunidade de jurisdição" da entidade dificultaria "qualquer tentativa de apuração da fraude sob as leis brasileiras".
O staff da Unesco vê "leviandade" no texto. Acha que as cores fortes apenas "desqualificam a denúncia". Afirma que as contas da entidade, auditadas pela sede e por auditores externos, estão "acima de qualquer suspeita".
Os acordos INSS-Unesco foram vistoriados também por outras três instâncias de auditoria do Estado brasileiro: a Secretaria Federal de Controle (rebatizada de Controladoria Geral da União), o Tribunal de Contas da União e comissões de sindicância da própria Previdência. Todas as apurações apontaram "irregularidades".


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