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TERRA SEM LEI
16 pistoleiros permanecem sem punição no Estado, e 29 acusados de assassinar sindicalistas estão foragidos
Matadores de aluguel agem impunes no Pará
RUBENS VALENTE
ENVIADO ESPECIAL A MARABÁ
Na penitenciária de Marabá, a
438 km de Belém, o detento Ademar Ribeiro de Souza, 40, líder de
um assentamento rural em Tucuruí (PA), é um retrato das contradições da Justiça nas regiões sul e
sudeste do Pará, onde 16 assassinatos de sindicalistas permanecem sem punição para os mandantes e pelo menos 29 acusados
de pistolagem são foragidos.
Meses após sofrer um atentado
com cinco tiros, Souza foi intimado pela Justiça Federal a depor em
outro processo, sob acusação de
cárcere privado de funcionários
do Incra. Ele disse ao oficial de
Justiça que, para comparecer à
audiência, só poderia sair da sua
casa sob proteção policial, o que
lhe valeu uma acusação de "obstrução à Justiça", sendo depois
detido e levado ao presídio. Essa
prisão foi revogada no final de
2004, mas Souza é mantido preso
pela acusação de cárcere privado.
Os três homens que tentaram
matar Souza em 2003 até agora
não foram identificados, mas o
ativista e dissidente do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) há sete meses
cumpre a decisão judicial ao lado
de traficantes, homicidas e de dois
acusados de matar sindicalistas.
Durante a entrevista concedida
à Folha, Souza, que tem uma bala
alojada nas costas, permaneceu
algemado. Ele entregou uma carta
na qual lê-se: "Tudo o que fiz foi
só ajudar as pessoas a buscarem
um meio de sobrevivência".
Na outra ponta, os assassinatos
de sindicalistas, seus parentes e
advogados cometidos no sul e no
sudeste Pará ao longo de duas décadas têm um ponto em comum:
em nenhum deles há um mandante cumprindo pena na cadeia.
Nessas regiões onde 10 mil famílias de trabalhadores rurais
sem terra acampadas em barracos
de lona vivem escaramuças com
fazendeiros e seus funcionários, a
Justiça que deteve Souza não alcança dezenas de acusados de crimes de pistolagem. A CPT (Comissão Pastoral da Terra) defende
a criação de uma força-tarefa da
Polícia Federal para localizar e
prender os acusados.
Um levantamento da CPT (Comissão Pastoral da Terra) sobre a
impunidade deverá ser entregue
na próxima quarta-feira ao secretário nacional de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, que estará na região para ouvir as denúncias de violência no campo. Os 29
pistoleiros foragidos são acusados
pelas mortes de 36 pessoas que se
envolveram direta ou indiretamente em conflitos agrários.
"Se deixar a cargo da Polícia Civil do Pará, a impunidade é de
100%", diz o advogado da CPT José Batista Gonçalves Afonso, 40.
Os delegados da Polícia Civil
que respondem pelas superintendências das duas regiões, com
cerca de 1 milhão de habitantes
em 36 cidades, apóiam a idéia da
força-tarefa e chegam a sugerir o
apoio do serviço de inteligência
do Exército (veja texto à pág. 13).
De todos os 16 casos de ataques
à organização sindical, há hoje
apenas dois acusados de praticarem a execução atrás de grades:
um foi preso pelos familiares da
própria vítima e o outro foi "detido" pelo próprio morto.
Mesmo ferido no coração, o sindicalista conseguiu empurrar o
atirador para um buraco, do qual
não conseguiu sair e foi preso.
Infiltrado
Na lista da impunidade há crimes em que o acusado teria usado
ardis para matar crianças e mulheres. Orlando Dias da Silva, de
34 anos, filiou-se ao sindicato dos
trabalhadores rurais de Marabá
como se fosse um simples lavrador atrás de terra.
As investigações da Polícia Civil
indicaram que Orlando, de Boa
Esperança (ES), na verdade infiltrou-se no sindicato 39 dias antes
do crime para obter informações
sobre a rotina do presidente da
entidade, José Pinheiro Lima, o
Dedé, 62. Logo após o crime, ele
desapareceu da cidade, dizendo
aos que perguntaram por que estava indo embora que não tinha
mais interesse em ser assentado.
Sua prisão preventiva foi decretada em 02 de agosto de 2001 e até
hoje permanece descumprida.
Com a rotina do sindicalista em
mãos, os matadores destroçaram
a família Lima. No cair da tarde
do dia 9 de julho de 2001, aqueles
que a polícia identificou como
"Paulo Gordo" e "João do Paulo"
invadiram a casa do sindicalista já
de armas em punho. Encontraram sua mulher, Cleonice Campos Lima, 54, assistindo a uma
novela na TV. Foi morta com um
tiro na cabeça, ainda sentada.
O sindicalista estava deitado em
seu quarto quando os assassinos
chegaram. Recebeu um tiro também na cabeça e morreu sem esboçar nenhuma reação.
Os assassinos já deixavam a casa
quando deram de cara com um
dos filhos do casal, Samuel, 15. O
garoto, que jogava bola numa rua
próxima, ouviu os tiros e correu
para sua casa para ver o que ocorria. Levou um tiro no coração.
O crime tinha todas as chances
de permanecer insolúvel, como
tantos outros na região, não fosse
a tenacidade de um dos filhos de
Lima, Edinaldo Lima, 25, que ajudou a prender um dos acusados.
Os pistoleiros, que antes da chacina chegaram a tomar café na casa de uma amiga de Lima, tinham
a frieza típica nesses crimes, que
custam até R$ 2.000. Esse foi o valor prometido ao matador de José
Dutra da Costa, 43, o Dezinho,
maranhense de 43 anos que chegou ao Pará em 84 com dois filhos
e fundou o sindicato dos trabalhadores rurais de Rondon do Pará.
Costa estava na casa de uma vizinha quando Wellington de Jesus Silva, então com 20 anos, procurou-o, alegando querer resolver
a aposentadoria rural de sua avó.
A família mandou chamar Costa
no vizinho. Durante a conversa,
Silva tentou sacar um revólver,
mas Dezinho percebeu e reagiu.
O sindicalista, descrito no laudo
da necropsia como "baixo e obeso", conseguiu agarrar-se ao pistoleiro e derrubou-o ao chão. Enquanto Costa tentava desarmá-lo,
o pistoleiro disparou três vezes.
Um tiro foi fatal. O sindicalista
mesmo assim desabou abraçado
ao seu algoz num buraco de dois
metros de profundidade.
Alarmados pelos tiros, vizinhos
cercaram o buraco, mas Silva ainda escapou. Foi alcançado metros
à frente, derrubado e espancado.
À polícia, ao lado de sua advogada, Silva contou ter chegado a
Rondon do Pará quatro dias antes
do crime. Veio de ônibus de Itabunas, na Bahia, a convite de um
primo seu, Ygoismar Mariano,
hoje procurado por co-autoria do
assassinato. Mariano chamou Silva para tomar um refrigerante,
quando lhe propôs "um serviço
que era para tirar a vida de um rapaz". Mostrou-lhe a vítima, caminhando na rua, e a casa.
Em seu relatório, a delegada de
Polícia Civil Simoner Edoron Machado escreveu que Dezinho
"exercia grande influência em lutas sociais, fato que desagradava e
incomodava segmentos tradicionais da região", como fazendeiros, madeireiros e políticos".
Silva preencheu a ficha de antecedentes. Ao ser indagado sobre
seu estado de espírito no momento do crime, explicou tê-lo cometido "sob forte emoção".
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