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Decisão de comitê contradiz todas as alegações de Tarso
Órgão do ministério afirmou que temor de perseguição a Battisti não se sustenta
Decisão do ministro, que
tem poder para rever as
determinações do Conare,
contrariou tudo o que o
órgão havia argumentado
ANDRÉA MICHAEL
FELIPE SELIGMAN
LUCAS FERRAZ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Em um documento de 16 páginas, os integrantes do Conare
(Comitê Nacional para os Refugiados) justificam a negativa de
status de refugiado a Cesare
Battisti afirmando que Justiça
italiana é democrática e respeita os direitos humanos, que não
há "nexo causal" entre a perseguição alegada por ele e o pedido de refúgio e que não caberia
ao órgão, vinculado ao Ministério da Justiça, definir se os crimes atribuídos a ele foram ou
não "políticos".
A Folha teve acesso ao processo sigiloso do comitê -ontem o Supremo Tribunal Federal pediu uma cópia dessa decisão. Os argumentos do documento foram ignorados por
completo pelo ministro Tarso
Genro (Justiça), que reverteu o
entendimento do órgão e concedeu o refúgio a Battisti.
O Conare é um órgão interministerial formado por conselheiros de diversas áreas do governo e da sociedade civil. Suas
deliberações, conforme prevê a
lei, podem ser revistas pelo ministro da Justiça -como ocorreu com Battisti. Mas isso é raro: desde a criação do comitê,
em 1998, houve revisão em só
25 de 2.026 casos de refúgios.
A decisão do Conare de negar
o pedido de refúgio a Battisti
ocorreu em novembro, mas
não foi unânime. De cinco conselheiros, três optaram pela
negativa e dois pela concessão
do refúgio. Votaram contra
Luiz Paulo Barreto, presidente
do comitê e secretário-executivo do Ministério da Justiça;
Gilda Santos Neves, do Itamaraty; e o delegado Antônio Carlos Lessa, da PF, outro órgão
subordinado ao ministro.
O principal argumento apresentado por Tarso é que o italiano "possui fundado temor de
perseguição por suas opiniões
políticas". Para os conselheiros
do Conare, porém, "não há como considerar que na Itália
não vige um sistema jurídico
capaz de resguardar a vida daqueles que cumprem pena em
seus cárceres". Acrescenta que
o país é democrático, com o
funcionamento normal de suas
instituições, e que não há violações aos direitos humanos.
Os argumentos de Tarso, se
comparados à decisão do Conare, representam mudança
radical na interpretação dos fatos. O ministro afirma que a situação de Battisti na França,
onde viveu por mais de uma
década, foi alterada com "a mudança de posição do Estado
francês, que havia lhe conferido guarida". A França concordou com sua extradição.
Já o Conare entendeu o contrário. "Se for feita uma análise
real da situação do senhor Cesare Battisti, verifica-se que o
mesmo foge da condenação
desde 1981." E mais: "A Justiça
italiana buscou a sua extradição desde o início, perpassando
por diversos governos".
Em sua decisão, Tarso cita
pensadores como Norberto
Bobbio e Hannah Arendt, mas
pouco se atém às decisões judiciais da Itália, referendadas
anos depois na França e pela
Corte Europeia de Direitos
Humanos. O Conare reproduz
despacho do último tribunal,
no qual o italiano teve "direito
de defesa e estava informado
sobre a acusação contra ele".
O Conare se nega a avaliar se
são políticos os crimes atribuídos a Battisti, dizendo ser essa
"competência exclusiva" do
STF, diz que não cabe a ele
"instaurar" novo julgamento e
atesta a legalidade do processo.
Quanto às pressões da Itália
para que o Brasil extraditasse
Battisti, que agora tanto tem
incomodado autoridades brasileiras, os conselheiros do Conare concluíram que a atitude
era um "direito legítimo de
qualquer Estado que pretende
ver cumpridas as suas decisões,
como o faz da mesma maneira
o governo brasileiro, sem que
se caracterize constrangimento à soberania de outros país".
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