São Paulo, quarta-feira, 30 de agosto de 2006

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ELIO GASPARI

Jobim, o maestro do voto de lista

O ex-ministro do STF (e ex-deputado) quer uma reforma política que transforme frango em ovo

NELSON JOBIM, ex-ministro da Justiça, ex-deputado e juiz aposentado do Supremo Tribunal Federal, deu aos repórteres Gustavo Krieger e Fernanda Guzzo uma entrevista que machuca o ex-ministro, ofende o ex-deputado e constrange o ex-juiz.
Seu pleito é a instituição do voto de lista para a eleição de todos os deputados. Trata-se de confiscar a prerrogativa do cidadão de votar em candidatos, dando-lhe o direito de escolher apenas o partido. Assim, os caciques organizam uma lista, os eleitores votam na sigla e a Câmara dos Deputados será ocupada pelos candidatos, na ordem em que foram alinhados pela nomenklatura. Apresentar uma proposta dessas no entardecer de um ano legislativo durante o qual foram indiciados em processos criminais os ex-presidentes do PT (José Genoino), do PSDB (Eduardo Azeredo) e do PTB (Roberto Jefferson) é algo como sugerir que a revogação da Lei Áurea pode reduzir o custo da mão-de-obra.
Jobim maltratou a própria biografia. Ex-deputado, diz que "a relação do candidato proporcional é direta com o financiador, que pode vir cobrar depois". Poder, pode, mas alguém lhe cobrou alguma coisa nos oito anos em que esteve na Câmara? Será que os ex-deputados Célio Borja, Aliomar Baleeiro, Adauto Lúcio Cardoso e Bilac Pinto (para ficar só com parlamentares que se tornaram ministros do Supremo) aceitavam cobrança de financiadores?
Reclamando do sistema de eleição proporcional, o ex-ministro diz que "para conquistar mais vagas, o partido precisa de candidatos que produzam individualmente votos". Candidatos não produzem votos. É o contrário, são os cidadãos, com seus votos, que produzem deputados.
A vontade do povo produz deputados, e a Sadia produz mortadela. Aí está a diferença entre o sistema de representação popular e o de produção de embutidos. Jobim também confunde mandato com prebenda. Propõe, por exemplo, que, na próxima Câmara, o voto de lista patrocine a recondução de boa parte dos eleitos. Faz isso com as seguintes palavras: "Na prática, vão ter assegurado mais um mandato".
Jobim acha que o sistema político vai mal por conta da fraqueza dos partidos e da força dos eleitos. Propõe enfraquecer o mandato individual e oferece um mundo melhor anabolizando máquinas partidárias. É a nova versão do dilema do ovo e da galinha. Resolve-se a crise da granja transformando frango em ovo. Noutro ponto de sua entrevista, Jobim condena a impugnação, pela Justiça, das candidaturas de políticos denunciados por improbidade pelo Ministério Público.
Dá lições ao Tribunal Superior Eleitoral e diz que "o TSE não pode ser personagem da campanha". O que isso quer dizer, não explicou. Assim como parou perto de explicar sua leitura da alma do presidente do Tribunal, ministro Marco Aurélio de Mello, ao dizer que ele "é tão radical na presunção da inocência que não admitia a prisão de alguém condenado na Justiça criminal que pudesse impetrar recurso ao Supremo". (Desembaralhando: em julho de 2000, Mello concedeu o habeas corpus que soltou o vigarista Salvatore Cacciola. O finório escafedeu-se e vai bem, obrigado, em Roma.)
Jobim aposentou-se do Supremo Tribunal Federal aos 60 anos. Em geral, os ministros trocam o "excelso pretório" pela advocacia e até mesmo pelo silêncio. Deixam a Corte no pleno exercício de seus direitos, mas a boa ordem republicana sugere que nenhum deles se candidate à condição de ombudsman do Judiciário, cumulativa com a de cirurgião plástico do Legislativo.


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