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ELIO GASPARI
De roosevelt@edu para lula@gov.br
A única coisa de que os brasileiros devem ter medo é o
próprio medo. Estou me repetindo e antecipando a conclusão
desta mensagem.
Não conheço o Brasil. Estive aí
em 1944 e passeei de jipe com o
Getúlio Vargas na base aérea de
Natal, mais nada. Resolvi lhe escrever porque o Adolf Berle chamou minha atenção para sua
trajetória. O Berle foi meu embaixador aí. Ele tem mania de
colecionar histórias de sucesso
do capitalismo e ultimamente
andava com uma estrela vermelha na lapela. O Stálin chegou a
cumprimentá-lo, mas ele desfez
a confusão. Era uma estrela do
PT.
Achei a sua história interessante e acho que posso lhe dar
uma ajuda, contando-lhe o que
fizeram comigo -e o que eu fiz
com eles.
Eu ganhei o meu primeiro
mandato de presidente dos Estados Unidos em 1932. Tive menos
da metade dos votos que o senhor conseguiu aí no domingo.
O presidente Herbert Hoover,
contra quem disputei a eleição,
era uma espécie de príncipe do
capitalismo. Estávamos no terceiro ano da Depressão, com
mais de 10 milhões de desempregados, 5.000 bancos quebrados e
20 mil crianças desnutridas só
nas escolas de Nova York.
Ganhei a Presidência propondo um "novo contrato". Desculpe-me, mas são poucas as coisas
que temos em comum. Meu pai
não foi estivador, meu tio foi
presidente e minha família não
veio para Nova York neste século
-mas no 18-, muito menos de
pau-de-arara.
No dia seguinte à minha vitória, tanto Hoover como banqueiros e grandes empresários queriam que eu assumisse compromissos com o mercado. O clima
não podia ser pior: o ouro e os
capitais fugindo do país, cidadãos sacando seu dinheiro nos
bancos. Veja só o que me disse o
Hoover: "O maior problema é o
estado de alma das pessoas. Ele
degenerou numa tamanha perda de confiança no futuro que
estamos numa situação alarmante". Temia-se que o meu
"novo contrato" trouxesse irresponsabilidade fiscal, inflação e,
acredite, ditadura. O danado
botou isso numa carta. Noutra,
escrita poucos dias depois, ele
disse a um senador amigo: "Se o
presidente eleito fizer essas declarações, terá ratificado o conjunto da nossa administração, o
que significa que terá abandonado 90% do chamado "novo
contrato'".
Não foi só o Hoover. Apareceu
o banqueiro Bernard Baruch.
Bom sujeito, financiava as campanhas do meu partido, e acho
que tinha uma bancada pessoal
de pelo menos 60 deputados. Ele
me disse: "Corte gastos e cobre
impostos. Cobre sobre tudo, de
todo mundo". O Joseph Kennedy, pai do John, propôs a mesma coisa. O que eles queriam era
quebrar as pernas do "novo contrato".
Foi aí que eu me enfezei. O país
vive uma crise social que arranca o couro dos pobres, arrebenta
a classe média e espalha o desemprego. A gente propõe uma
reforma dessa sociedade, vai ao
povo, ganha a eleição, recebe o
mandato, e aparecem esses sujeitos dando a impressão de que os
eleitores são imbecis e nós, asnos,
a menos que façamos o que eles
querem.
É aí que entra o Berle de novo.
Ele era professor na Universidade Columbia e trabalhava na
minha equipe. Ele me ajudou a
fazer o discurso com que botei
essa gente no lugar. Disse-lhes
que estava encerrado o tempo do
"Titan financeiro, a quem tudo
demos, como se só ele pudesse
construir ou desenvolver". A
América tinha que produzir, e os
americanos tinham que consumir. Tratava-se de sair da crise
voltando ao básico. Algo como
essa sua proposta de ter os brasileiros comendo três vezes por
dia.
Meu discurso de posse acabou
virando uma peça antológica de
oratória. Fala-se muito de um
trecho que eu acho banal ("A
única coisa de que devemos ter
medo é do próprio medo"). Gosto mais do pedaço onde trato dos
"trocadores de dinheiro", uma
gente que posava por sábia enquanto tinha lucros para distribuir. Vinda a crise, choramingam, pedindo "restauração da
confiança". Cito de memória: "A
confiança será restaurada na
medida em que viermos a praticar valores sociais mais nobres
que o mero lucro monetário".
Veja, sr. Da Silva, como as coisas mudam pouco. Em 1933 eu
disse aos americanos: "Nossa
primeira e principal tarefa é botar as pessoas para trabalhar".
Vá em frente. Faça tudo o que
quer, faça primeiro o novo. Crie
um hábito. Reserve 15 minutos
de todos os seus dias para responder à seguinte pergunta: "O
que é que eu fiz hoje pelos pobres?". Eu fiz o tal de "novo contrato" e agora saiu um livro, até
premiado, dizendo que todos os
meus programas, vistos separadamente, deram errado. Tomados em conjunto, deram certo.
Era o que eu queria, uma América onde ninguém ficasse de fora.
Isso tem um preço. Na casa da
mãe do presidente Bush, por
exemplo, era proibido falar meu
nome.
O Berle vive citando essa moça,
que me parece ser filha de metalúrgico, e é embaixadora aí em
Brasília: o senhor encarna um
sonho brasileiro, felizmente
muito semelhante ao nosso velho e bom sonho americano.
Saudações interamericanas,
Franklin Roosevelt
P. S.: Eleanor recomenda-se a
dona Marisa e pede-lhe que dê
um abraço em dona Ruth Cardoso quando a encontrar.
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