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TRANSIÇÃO
Em encontro com norte-americano, presidente eleito mostrará repúdio por viés ideológico na relação entre os dois países
Nem anti-EUA nem dócil, dirá Lula a Bush
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
O presidente eleito Luiz Inácio
Lula da Silva deixará claro a seu
futuro colega, George Walker
Bush, que o governo do PT quer
uma relação com os Estados Unidos sem submissão, mas também
sem o viés ideológico anti-norte-americano que marcou a maior
parte da história do partido.
"O PT não vai patrocinar nenhuma política anti-norte-americana por motivos ideológicos",
antecipa o senador eleito Aloizio
Mercadante (SP), secretário de
Relações Internacionais do partido e um dos membros da reduzida comitiva com que Lula viajará
à Argentina, Chile e, em seguida,
Estados Unidos.
Em termos práticos, eliminar o
viés ideológico sem aceitar submissão significa duas coisas complementares: 1) Admitir que há
"um contencioso de interesses legítimos" entre as duas partes,
conforme a Folha ouviu no núcleo central do novo governo; 2)
Mas, ao mesmo tempo, significa
tentar introduzir o que Mercadante chama de "agenda positiva", jargão diplomático para sublinhar o desejo de pôr mais ênfase nos interesses compartilhados
do que no contencioso.
Exemplo prático de agenda positiva: pelas contas de Mercadante, dos 180 milhões de CDs produzidos por ano no Brasil, 100 milhões são piratas, o que levou o
país a cair do 6º para o 12º lugar
no ranking dos produtores e a se
tornar o 3º maior pirata, após
Rússia e China.
É do interesse tanto do governo
norte-americano como do governo brasileiro reduzir ou, se possível, eliminar a pirataria, que viola
os direitos de propriedade intelectual. Segundo exemplo: Brasil e
Estados Unidos têm idêntico interesse em combater o narcotráfico.
É óbvio, no entanto, que a ênfase na agenda positiva não tira do
caminho as divergências, em especial no que diz respeito à negociação da Alca (Área de Livre Comércio das Américas).
Pelo que a Folha ouviu no centro do novo poder, Lula está preparado para dizer a Bush que é favorável à integração gradativa das
Américas, mas acrescentará que a
prioridade um de seu governo é o
Mercosul e a América do Sul.
Por isso mesmo, Lula irá antes à
Argentina, para emitir "uma
mensagem muito forte pró-Mercosul", como antecipa o embaixador do Brasil em Buenos Aires, José Botafogo Gonçalves, mergulhado nos preparativos da visita.
Reforça Marco Aurélio García,
antecessor de Mercadante na secretaria de Relações Internacionais do PT e também membro da
comitiva: "A viagem a Buenos Aires simboliza uma aposta forte na
reconstrução do Mercosul, para o
quê o eixo Brasil/Argentina é fundamental". É música para os ouvidos das autoridades argentinas,
mergulhadas em uma crise que
parece interminável, isoladas internacionalmente e, por isso mesmo, penduradas no Mercosul como única bóia por ora disponível.
Informa o jornal "Clarín": Na
Chancelaria (argentina), estão entusiasmados com o visitante. É
que a estratégia argentina é alimentar-se da energia nova de Lula tanto para relançar o Mercosul
como para pintar Duhalde com
um toque de liderança regional"
(Eduardo Duhalde é o presidente
argentino). Em Santiago do Chile,
etapa seguinte da viagem de Lula,
"há uma grande expectativa", diz
o embaixador Heraldo Muñoz,
ex-embaixador chileno em Brasília e hoje secretário de Governo da
administração Ricardo Lagos.
Completa Muñoz: "Há também
um grande desejo de que o presidente Lula seja bem-sucedido,
porque, se o for, será bom para o
Chile também e para a região de
modo geral". A esperança de
Mercadante é a de que Washington sintonize a mesma onda e
"entenda que o êxito do governo
Lula é o êxito de uma política de
esquerda democrática, o melhor
caminho para a região".
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