São Paulo, sábado, 30 de novembro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TRANSIÇÃO

Em encontro com norte-americano, presidente eleito mostrará repúdio por viés ideológico na relação entre os dois países

Nem anti-EUA nem dócil, dirá Lula a Bush

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva deixará claro a seu futuro colega, George Walker Bush, que o governo do PT quer uma relação com os Estados Unidos sem submissão, mas também sem o viés ideológico anti-norte-americano que marcou a maior parte da história do partido.
"O PT não vai patrocinar nenhuma política anti-norte-americana por motivos ideológicos", antecipa o senador eleito Aloizio Mercadante (SP), secretário de Relações Internacionais do partido e um dos membros da reduzida comitiva com que Lula viajará à Argentina, Chile e, em seguida, Estados Unidos.
Em termos práticos, eliminar o viés ideológico sem aceitar submissão significa duas coisas complementares: 1) Admitir que há "um contencioso de interesses legítimos" entre as duas partes, conforme a Folha ouviu no núcleo central do novo governo; 2) Mas, ao mesmo tempo, significa tentar introduzir o que Mercadante chama de "agenda positiva", jargão diplomático para sublinhar o desejo de pôr mais ênfase nos interesses compartilhados do que no contencioso.
Exemplo prático de agenda positiva: pelas contas de Mercadante, dos 180 milhões de CDs produzidos por ano no Brasil, 100 milhões são piratas, o que levou o país a cair do 6º para o 12º lugar no ranking dos produtores e a se tornar o 3º maior pirata, após Rússia e China.
É do interesse tanto do governo norte-americano como do governo brasileiro reduzir ou, se possível, eliminar a pirataria, que viola os direitos de propriedade intelectual. Segundo exemplo: Brasil e Estados Unidos têm idêntico interesse em combater o narcotráfico.
É óbvio, no entanto, que a ênfase na agenda positiva não tira do caminho as divergências, em especial no que diz respeito à negociação da Alca (Área de Livre Comércio das Américas).
Pelo que a Folha ouviu no centro do novo poder, Lula está preparado para dizer a Bush que é favorável à integração gradativa das Américas, mas acrescentará que a prioridade um de seu governo é o Mercosul e a América do Sul.
Por isso mesmo, Lula irá antes à Argentina, para emitir "uma mensagem muito forte pró-Mercosul", como antecipa o embaixador do Brasil em Buenos Aires, José Botafogo Gonçalves, mergulhado nos preparativos da visita.
Reforça Marco Aurélio García, antecessor de Mercadante na secretaria de Relações Internacionais do PT e também membro da comitiva: "A viagem a Buenos Aires simboliza uma aposta forte na reconstrução do Mercosul, para o quê o eixo Brasil/Argentina é fundamental". É música para os ouvidos das autoridades argentinas, mergulhadas em uma crise que parece interminável, isoladas internacionalmente e, por isso mesmo, penduradas no Mercosul como única bóia por ora disponível.
Informa o jornal "Clarín": Na Chancelaria (argentina), estão entusiasmados com o visitante. É que a estratégia argentina é alimentar-se da energia nova de Lula tanto para relançar o Mercosul como para pintar Duhalde com um toque de liderança regional" (Eduardo Duhalde é o presidente argentino). Em Santiago do Chile, etapa seguinte da viagem de Lula, "há uma grande expectativa", diz o embaixador Heraldo Muñoz, ex-embaixador chileno em Brasília e hoje secretário de Governo da administração Ricardo Lagos.
Completa Muñoz: "Há também um grande desejo de que o presidente Lula seja bem-sucedido, porque, se o for, será bom para o Chile também e para a região de modo geral". A esperança de Mercadante é a de que Washington sintonize a mesma onda e "entenda que o êxito do governo Lula é o êxito de uma política de esquerda democrática, o melhor caminho para a região".


Texto Anterior: Situação do campo é "escandalosa", diz Graziano
Próximo Texto: Petista aceita convite de Fox e irá ao México
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.