São Paulo, sábado, 30 de novembro de 2002

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Visitas visam criar relação pessoal

DO COLUNISTA DA FOLHA

Como ainda não é presidente em exercício, o objetivo básico da viagem do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, será criar uma relação pessoal de confiança que "lhe permita pegar o telefone e falar diretamente com Lagos" (o presidente do Chile, Ricardo Lagos), imagina Ricardo Ffrench-Davis, um dos mais respeitados economistas chilenos, hoje na Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, da ONU).
A Folha ouviu idêntico raciocínio no núcleo do novo governo brasileiro, mas em relação ao presidente norte-americano, George W. Bush.
Há, no entanto, uma poderosa diferença entre Bush e Lagos: o presidente chileno, relembra Ffrench-Davis, tinha relacionamento pessoal e próximo com caciques do tucanato como Paulo Renato Souza, ministro da Educação, José Serra, candidato presidencial derrotado, e com o próprio presidente Fernando Henrique Cardoso (todos eles viveram no Chile).
"Com a gente de Lula, há muito menos intimidade", depõe o economista chileno.
Já do lado norte-americano, não que haja intimidade entre Lula e Bush, mas a cúpula petista ouviu avaliações bastante positivas a respeito do relativamente breve contato telefônico entre os dois, logo após a vitória eleitoral do brasileiro.
Com Fernando Henrique Cardoso, ao contrário, a relação de Bush foi fria, até hostil -de parte a parte, aliás.
Em todos os três países que Lula visitará (Argentina, Chile e EUA), a pauta é aberta e haverá conversas isoladas com os mandatários e discursos escritos para não haver equívoco algum a respeito das mensagens que o novo presidente brasileiro quer enviar.
No Chile, há duas questões que aflorarão com certeza: a experiência local com a previdência privada, introduzida para todos ainda durante a ditadura Pinochet (1973/89), e as negociações Chile/ EUA para um acordo de livre comércio.
Sobre o modelo chileno de Previdência Privada, Heraldo Muñoz diz ser "uma boa experiência, mas que tem muitos aspectos a aprimorar".
Sobre as negociações com os Estados Unidos, Lula certamente vai ouvir que é uma tarefa complexa e árdua (já faz oito anos que um acordo é anunciado para dentro de poucos dias ou semanas, mas ainda não saiu).
Agora, a nova data é "até o fim do ano", mas o embaixador Muñoz admite que há problemas nas discussões sobre dois pontos: a vinculação entre comércio e cláusulas trabalhistas e ambientais.
É uma lição importante para o PT, porque o partido quer discutir com os dirigentes do Mercosul a hipótese de o bloco sulista negociar um acordo diretamente com os EUA, sem esperar pela Alca.
Sindicatos e entidades da sociedade civil tradicionalmente associadas ao PT sempre foram a favor de cláusulas trabalhistas e ambientais em acordos comerciais.
Significam, por exemplo, que determinadas importações podem ser vetadas por Washington se para produzir os bens envolvidos entrarem condições desumanas de trabalho ou depredação ambiental.
Para o governo brasileiro, trata-se de mero protecionismo disfarçado.
Agora que se prepara para ser governo, o PT vai ter de decidir se fica com as teses das ONGs e sindicatos a ele ligados ou com os interesses comerciais brasileiros, supostamente prejudicados por tais cláusulas. (CLÓVIS ROSSI)


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