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São Paulo, domingo, 30 de novembro de 2003

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GOVERNO NO DIVÃ

Parte da equipe de Lula defende ação rápida para que atual gestão se diferencie de FHC e não arrisque reeleição

Falta de projeto de governo causa desconforto

VALDO CRUZ
DIRETOR-EXECUTIVO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Às vésperas de completar o primeiro ano no poder, uma parte da equipe de Luiz Inácio Lula da Silva avalia que não tem muito tempo a mais para aprender a governar. É preciso deixar de lado o estilo reativo, marca dessa primeira fase da gestão petista, e adotar uma linha mais propositiva, definindo um projeto de governo.
A autocrítica desse grupo de ministros vai mais longe: a virada precisa vir com a reforma ministerial, imprimindo um novo ritmo à administração. Caso contrário, Lula dificilmente conseguirá se distinguir de uma continuação dos governos de Fernando Henrique Cardoso e arriscará o projeto de ficar oito anos no Planalto.
A preocupação já chegou aos ouvidos do presidente da República, é objeto de documentos que circulam reservadamente na equipe de Lula, mas os críticos se queixam da falta de espaço para levar adiante a discussão. O núcleo duro, grupo de ministros que despacha diariamente com Lula, não estaria aberto a esse debate, absorvido que está em gerenciar as crises do governo.
Na reunião "secreta" dos ministros petistas, convocada por Lula para o sábado da semana passada na Granja do Torto, o assunto até que foi arranhado, mas não debatido com profundidade.
Entre os que sentem desconforto pela falta de um projeto de governo, a avaliação é que Lula conseguiu se firmar na área externa com uma negociação arrojada da Alca (Área de Livre Comércio das Américas) e enfrentou com sucesso a ameaça de volta da inflação. Mas falhou em outras áreas, deixando surgir crises ou postergando decisões diante das dificuldades em conciliar os diversos interesses envolvidos. Entram nessa lista a unificação dos programas sociais, a política industrial e a polêmica dos transgênicos.
O maior problema para deixar de apenas reagir ao cotidiano de crises e imprimir um novo projeto ao país é exatamente a falta de um projeto -e até mesmo de alguém que o formule. Na equipe principal de Lula, ninguém se encaixa no perfil de formulador.
Na área econômica, quem dá a linha geral é o secretário do Tesouro, Joaquim Levy, a expressão mais viva da continuidade do governo Fernando Henrique Cardoso. Ele é visto como a grande muralha da equipe econômica, preservando a linha adotada, mas está colecionando inimigos na Esplanada dos Ministérios.
O Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, comandado pelo ministro Tarso Genro, tenta promover um novo pacto entre trabalhadores e empresários para um modelo de desenvolvimento, mas o resultado ainda parece longe da realidade. Um outro grupo, comandado pelo ministro Luiz Gushiken (Comunicação de Governo e Gestão Estratégica), está pensando em temas de longo prazo.
O resultado é que ninguém no governo sabe responder quando vai terminar a transição entre a continuidade da era tucana e o verdadeiro governo petista. Um auxiliar de Lula resume essa angústia na seguinte frase: "Até agora não foi colocado no papel o projeto de governo Lula".
Alguns documentos até que foram lançados, como os divulgados pela equipe do ministro Antonio Palocci (Fazenda). Mas eles estão longe de representar um consenso dentro do governo. E dificilmente vão se materializar, como o que propõe mudanças no ensino superior gratuito no país.
Essa discussão, presente nos bastidores do governo e que deve ganhar força no próximo ano, acaba dando razão à principal crítica da oposição: o PT tinha e tem um projeto de poder, mas não um projeto de governo.


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