São Paulo, terça-feira, 30 de novembro de 2004

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JANIO DE FREITAS

A sagração da direita

A nova palavra da política brasileira tem, a par do sentido com que foi lançada, um significado mais abrangente e de implicações mais densas. Na sua acepção mais superficial, adotada na mídia desde que usada por Lula na semana passada, "despetização" refere-se a um formalismo político, caracterizado pela diminuição da presença petista no ministério, em benefício de mais alianças. No sentido mais rico, a palavra exprime a consolidação definitiva da guinada feita pelo PT/governo à direita, com a consagração do populismo caritativo como alicerce para a política econômica conservadora.
Em termos funcionais, a "despetização" não busca reduzir a presença do PT no dispositivo superior da administração federal, mas, isso sim, a de um certo tipo de integrantes da equipe que não se desfizeram, plenamente, dos propósitos que os identificaram como petistas e os levaram ao governo. O que está em curso sob as aparências de rearrumação de pessoas e funções na cúpula é, a rigor, uma depuração de finalidade conservadora. Ou, consideradas a fisionomia política passada dos hoje governantes, de finalidade direitista.
Por depuração não se entenda a imposição de demissões, embora não faltem também, como no caso inacreditável de Ana Fonseca pelo ministro do inexistente Desenvolvimento Social, Patrus Ananias. Mas os que estão saindo por saudade de casa, "para cuidar da vida" ou por outras causas de igual relevância, são os mesmos que por nada deixariam o governo que estivesse batalhando pelos compromissos empolgantes de Lula e do PT. O punhado dos petistas e lulistas que saem está, porém, incompleto. Por indução ou por vontade própria, outras despedidas estão em preparo.
A expectativa dos mais atentos para o que se passa na cúpula governamental volta-se para José Dirceu. Com a decisão de Lula de consolidar o conservadorismo do governo, aproxima-se o momento em que José Dirceu terá, forçosamente, de responder à sua própria incógnita. O único, sem dúvida, dotado de visão estratégica no grupo central, Dirceu fez até hoje um jogo duplo, de críticas insinuadas e apoios sucintos ao continuismo adotado pelo governo desde o começo. Com isso, fosse ou não uma intenção política, transmitiu às imagens do governo e mesmo a Lula uma ambiguidade que se prestou aos necessitados de esperança a todo custo. Quando, no entanto, o governo se desfaz de quadros ainda ligados aos propósitos passados, e sepulta de vez qualquer mudança prometida (Lula: "a política vai ser essa e não muda"), José Dirceu terá que mostrar de vez quem é José Dirceu, se o da biografia ou um travestido mais discreto que os demais. E, com saída de José Dirceu do armário, a de vários outros que ainda não se mostraram como versões políticas da Isabelita dos Patins em beijos com o malufismo.


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