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RETRATO DO BRASIL/ANÁLISE
Antigamente as coisas eram piores, mas foram piorando
VINICIUS TORRES FREIRE
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO
O presidente da República está
feliz com a pesquisa anual do IBGE sobre a situação econômica e
social do país, a Pnad: "Não tem
um dado que não seja positivo".
Assim como no governo tucano,
os conservadores costumam
olhar os números de modo a tudo
parecer sempre melhor. Tucanos
ou petistas quase nada fizeram para mudar a estrutura econômica
que produz desigualdade.
Na Pnad lê-se que a renda dos
mais miseráveis em 2004 era quase a metade do que havia sido em
1996. Bom? Mas desigualdade e
miséria não caíram? É tudo verdade, ou não, a depender do período
da comparação. Antigamente, as
coisas eram piores, mas foram
piorando, poderia dizer cinicamente Paulo Mendes Campos.
Ricos mais pobres
De dez anos para cá a desigualdade caiu (pouco) e houve (mais)
renda para os mais pobres nos
anos de menos inflação, mais salário mínimo e crescimento alto do
real forte. Os picos de renda ocorreram entre 1996 e 1998. Não era
uma situação duradoura: a economia funcionava à base de artifícios
insustentáveis, como enfim se viu
na crise de 1999.
Um ano mais razoável para fazer comparações é 2000, talvez o
menos anormal da economia desde 1995: crescimento de uns 4%,
juros e inflação no patamar mais
baixo, câmbio livre. Mas não teve
Pnad em 2000. Numa aproximação razoável, a renda média dos
50% mais pobres deve ter caído
uns 5% desde então. A dos 10%
mais ricos caiu mais que o dobro.
Os ricos ficaram mais pobres. Diminuiu a desigualdade. E daí?
Reduções da desigualdade de
renda são relevantes no médio
prazo (uns cinco anos) e se ocorrem mudanças de estrutura na
distribuição de renda (mais assistência social "sustentável" e mais
emprego para os pobres). A desigualdade caiu de 2003 para 2004
com perdas mínimas de renda para ricos e altas mínimas de renda
para os pobres. Mas um ano é irrelevante nessa conta. O governo fará propaganda, a oposição, pirraça. Ambos enganam o público.
Esmola e miséria
A renda dos indigentes e pobres
tem melhorado desde 1996. Melhora porque a Constituição de
1988 mandou (dando mais dinheiro de assistência e previdência) e por pressão social (criação
de fundos contra a pobreza no
Congresso, de bolsas sociais, como as de FHC e agora as de Lula).
Renda de trabalho mesmo não é
o que melhora a vida dessas pessoas. A economia real, o mercado,
as políticas econômicas que o regulam não têm feito quase nada
por essa gente (afora inflação menor). Estão fora do mercado ou
nos trabalhos mais precários.
Um número que indica a eficácia, inclusive social, de uma economia é o desemprego. O desemprego está caindo sob o governo
Lula. No ano passado, já foi menor que em todo segundo governo FHC. Este ano, deve ser menor
que o dos piores anos do primeiro
FHC (7,8% em 1997, 9% em 1998).
Mas mesmo esse aumento de emprego (melhor que nada, claro) se
fez ao custo de achatamento salarial. A renda média não era tão
baixa desde o Real, em 1994.
Mas não há menos miséria? Pode ser. Há vários modos de medir
miséria em termos de renda:
quem ganha um dólar por dia,
meio salário mínimo por mês,
quem não ganha o bastante para
consumir "x" calorias por dia.
Como há mais assistência sociais e a comida ficou mais barata
nos últimos dez anos, a miséria
deve ter caído: bolsas e previdência dão de 30% a 35% da renda
dos pobres. Mas miséria também
é medida por acesso a água, médico, escola, segurança, à Justiça, ao
poder. A evolução dos serviços
públicos é lentíssima.
Causas
De novo, e daí? O pior ano da desigualdade da "década do real" foi
1995: os 10% mais ricos ficaram
com 48,2% da renda, os 50% mais
pobres com 13%. Desemprego:
6,1%. Renda média mensal dos
20% mais pobres (os miseráveis):
R$ 147. No ano passado, a menor
desigualdade da década, os mais
ricos ainda tinham 45,4%, os mais
pobres 15,2%. O desemprego era
de 9% e a renda média dos miseráveis era de R$ 118. Piorou ou
melhorou? Há mais condições de
melhora. Apenas.
As causas da estagnação social
valem livros de debates. As mais
imediatas, porém, são evidentes.
Menos desigualdade com mais
renda só quando o país cresce
muito (a partir de 4%) com inflação baixa. O Brasil de FHC cresceu
mais que a América Latina; o de
Lula, menos. Mas vai melhor que
FHC. O crescimento não passa,
nos dois, de 3%, por ora.
O Estado transfere muita renda
para os ricos. A conta de juros de
2004 foi equivalente a tudo o que
os 50% mais pobres receberam de
renda no ano. A Previdência privilegia os mais ricos. Há subsídios
indevidos para empresas e para a
classe média (saúde e educação).
Não se cria trabalho para miserável, quem não tem escola, como
em construção civil de casa popular, esgoto e água limpa.
Afora as mudanças que tornaram a economia mais eficiente e a
inflação mais baixa, pouco se mexeu na estrutura da distribuição
de renda, que se faz via mercado
(renda do trabalho e lucros) e
transferências sociais (impostos
para pagar bolsas sociais e previdência). A educação (quantidade)
melhorou? O efeito virá no futuro.
Por ora, a assistência social
compensa os danos causados pela
tendência inercial da economia
brasileira de concentrar renda.
Lula aprofundou a tendência de
FHC de minorar a produção da
injustiça com bolsas.
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