São Paulo, quarta-feira, 30 de novembro de 2005

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RETRATO DO BRASIL/ANÁLISE

Antigamente as coisas eram piores, mas foram piorando

VINICIUS TORRES FREIRE
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO

O presidente da República está feliz com a pesquisa anual do IBGE sobre a situação econômica e social do país, a Pnad: "Não tem um dado que não seja positivo".
Assim como no governo tucano, os conservadores costumam olhar os números de modo a tudo parecer sempre melhor. Tucanos ou petistas quase nada fizeram para mudar a estrutura econômica que produz desigualdade.
Na Pnad lê-se que a renda dos mais miseráveis em 2004 era quase a metade do que havia sido em 1996. Bom? Mas desigualdade e miséria não caíram? É tudo verdade, ou não, a depender do período da comparação. Antigamente, as coisas eram piores, mas foram piorando, poderia dizer cinicamente Paulo Mendes Campos.

Ricos mais pobres
De dez anos para cá a desigualdade caiu (pouco) e houve (mais) renda para os mais pobres nos anos de menos inflação, mais salário mínimo e crescimento alto do real forte. Os picos de renda ocorreram entre 1996 e 1998. Não era uma situação duradoura: a economia funcionava à base de artifícios insustentáveis, como enfim se viu na crise de 1999.
Um ano mais razoável para fazer comparações é 2000, talvez o menos anormal da economia desde 1995: crescimento de uns 4%, juros e inflação no patamar mais baixo, câmbio livre. Mas não teve Pnad em 2000. Numa aproximação razoável, a renda média dos 50% mais pobres deve ter caído uns 5% desde então. A dos 10% mais ricos caiu mais que o dobro. Os ricos ficaram mais pobres. Diminuiu a desigualdade. E daí?
Reduções da desigualdade de renda são relevantes no médio prazo (uns cinco anos) e se ocorrem mudanças de estrutura na distribuição de renda (mais assistência social "sustentável" e mais emprego para os pobres). A desigualdade caiu de 2003 para 2004 com perdas mínimas de renda para ricos e altas mínimas de renda para os pobres. Mas um ano é irrelevante nessa conta. O governo fará propaganda, a oposição, pirraça. Ambos enganam o público.

Esmola e miséria
A renda dos indigentes e pobres tem melhorado desde 1996. Melhora porque a Constituição de 1988 mandou (dando mais dinheiro de assistência e previdência) e por pressão social (criação de fundos contra a pobreza no Congresso, de bolsas sociais, como as de FHC e agora as de Lula).
Renda de trabalho mesmo não é o que melhora a vida dessas pessoas. A economia real, o mercado, as políticas econômicas que o regulam não têm feito quase nada por essa gente (afora inflação menor). Estão fora do mercado ou nos trabalhos mais precários.
Um número que indica a eficácia, inclusive social, de uma economia é o desemprego. O desemprego está caindo sob o governo Lula. No ano passado, já foi menor que em todo segundo governo FHC. Este ano, deve ser menor que o dos piores anos do primeiro FHC (7,8% em 1997, 9% em 1998). Mas mesmo esse aumento de emprego (melhor que nada, claro) se fez ao custo de achatamento salarial. A renda média não era tão baixa desde o Real, em 1994.
Mas não há menos miséria? Pode ser. Há vários modos de medir miséria em termos de renda: quem ganha um dólar por dia, meio salário mínimo por mês, quem não ganha o bastante para consumir "x" calorias por dia.
Como há mais assistência sociais e a comida ficou mais barata nos últimos dez anos, a miséria deve ter caído: bolsas e previdência dão de 30% a 35% da renda dos pobres. Mas miséria também é medida por acesso a água, médico, escola, segurança, à Justiça, ao poder. A evolução dos serviços públicos é lentíssima.

Causas
De novo, e daí? O pior ano da desigualdade da "década do real" foi 1995: os 10% mais ricos ficaram com 48,2% da renda, os 50% mais pobres com 13%. Desemprego: 6,1%. Renda média mensal dos 20% mais pobres (os miseráveis): R$ 147. No ano passado, a menor desigualdade da década, os mais ricos ainda tinham 45,4%, os mais pobres 15,2%. O desemprego era de 9% e a renda média dos miseráveis era de R$ 118. Piorou ou melhorou? Há mais condições de melhora. Apenas.
As causas da estagnação social valem livros de debates. As mais imediatas, porém, são evidentes.
Menos desigualdade com mais renda só quando o país cresce muito (a partir de 4%) com inflação baixa. O Brasil de FHC cresceu mais que a América Latina; o de Lula, menos. Mas vai melhor que FHC. O crescimento não passa, nos dois, de 3%, por ora.
O Estado transfere muita renda para os ricos. A conta de juros de 2004 foi equivalente a tudo o que os 50% mais pobres receberam de renda no ano. A Previdência privilegia os mais ricos. Há subsídios indevidos para empresas e para a classe média (saúde e educação).
Não se cria trabalho para miserável, quem não tem escola, como em construção civil de casa popular, esgoto e água limpa.
Afora as mudanças que tornaram a economia mais eficiente e a inflação mais baixa, pouco se mexeu na estrutura da distribuição de renda, que se faz via mercado (renda do trabalho e lucros) e transferências sociais (impostos para pagar bolsas sociais e previdência). A educação (quantidade) melhorou? O efeito virá no futuro.
Por ora, a assistência social compensa os danos causados pela tendência inercial da economia brasileira de concentrar renda. Lula aprofundou a tendência de FHC de minorar a produção da injustiça com bolsas.


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