São Paulo, segunda-feira, 31 de março de 2008

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ENTREVISTA DA 2ª
LUÍS ALBERTO MORENO


América Latina tem que ampliar projetos em infra-estrutura

"Não é só questão de dinheiro, mas de boas parcerias", diz o presidente do BID, principal órgão investidor da região DE CADA quatro dólares que saírem dos cofres do Banco Interamericano de Desenvolvimento em 2008, um irá para o Brasil. O BID, principal banco de investimento da América Latina, elevou em 42% o dinheiro destinado ao país, um dos 26 sócios da instituição. A idéia, contou à Folha o presidente da entidade, Luís Alberto Moreno, é afrouxar o gargalo de infra-estrutura que ameaça não só o país mas todas as economias emergentes. A região investe hoje 2% de seu PIB no setor, ante 9% da China.

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

O colombiano falou à reportagem com exclusividade por meia hora na sexta-feira, em seu escritório na sede do BID, no número 1.300 da avenida New York, em Washington.
Abriu a porta do gabinete de meias, um costume que se diverte em manter, o que empresta uma aura de excentricidade a esse diplomata e jornalista de 55 anos que muitos na capital norte-americana gostariam de ver como sucessor de Álvaro Uribe, quando esse deixar a presidência da Colômbia, em 2010. Indagado sobre o assunto, ele se sai com a resposta clássica: "Meu único plano político é fazer o melhor trabalho possível aqui no BID, toda minha energia vem para cá".
Sobre o problema da infra-estrutura brasileira, defende que a resposta está nas parcerias público-privadas (PPP). "Não é só questão de dinheiro, mas de boas parcerias." Leia a seguir as perguntas e as respostas, reagrupadas por temas.

 

FOLHA - Como conseguir arrancar mais dinheiro do BID?
LUÍS ALBERTO MORENO
- Em 2008, estamos investindo 27% do total de dinheiro disponível do banco no Brasil. É um salto em relação aos 19% de 2007. E é o maior destino entre os 26 países-membros do BID. Não há falta de dinheiro para investir em bons projetos brasileiros de infra-estrutura. Tenho começado a ver muitos investidores de portfólio procurando projetos desse tipo no país. E não há falta de projetos. O que há é muito projeto pequeno, no qual não podemos investir, por ser uma estrada com pouco tráfico, coisas assim.

FOLHA - A infra-estrutura é um dos maiores problemas brasileiros. Qual pode ser o papel do BID nessa crise?
MORENO
- A infra-estrutura é um dos maiores problemas em todas as economias emergentes. É claro que economias que crescem na taxa a que o Brasil vem crescendo terão pressão muito grande nesse setor. O PAC [Programa de Aceleração de Crescimento] é uma boa resposta para lidar com muitos desses problemas, e temos apoiado alguns desses programas. Estamos, por exemplo, no trem rápido entre Rio de Janeiro e São Paulo. Mas a América Latina precisa fazer muito mais pela infra-estrutura do que vem fazendo. Como porcentagem do PIB, o continente provavelmente está investindo 2% do PIB no setor. A China investe 9% do PIB. Além disso, não é só dinheiro, mas boas parcerias, projetos bem feitos e contratos bem-feitos do ponto de vista legal, que permitam as parcerias.

FOLHA - Quando o sr. olha para um país como o Brasil, qual a dificuldade principal que vê?
MORENO
- Não diria dificuldade. Nosso desafio é entender melhor que nossos novos clientes são cada vez mais os governos estaduais brasileiros, das maiores cidades, e certamente o setor privado. O governo federal brasileiro tem aliviado a margem de manobra fiscal de alguns Estados, no sentido de que eles agora podem se endividar mais, então eles se tornaram clientes muito importantes do banco. Mas, de todos os lugares a que vou na região, o Brasil é a maior história de sucesso da América Latina.

FOLHA - Mesmo com os problemas de infra-estrutura?
MORENO
- Isso não significa que o país não tem desafios, problemas. Tem problemas imensos porque é um país imenso. Mas eu prefiro ter o tipo de problema que o Brasil tem hoje do que o de outros países da região. Eu prefiro ter todo o petróleo que o Brasil tem hoje, os alimentos que pode produzir, o imenso mercado doméstico, a água.

FOLHA - O sr. é otimista...
MORENO
- Sim, e eu amo o Brasil.

FOLHA - Quanto a crise econômica nos EUA ameaça a região?
MORENO
- A América Latina não está no centro dessa crise, como estava no passado. Está vendo tudo à distância. Está mais bem preparada do que antes para lidar com os efeitos.
Mas é claro que ninguém sabe quão profunda essa crise vai ser. E, se for muito profunda, é claro que vai afetar todos os países. Mas afetará de maneira diferente. Se você é um país que importa energia, que importa comida e que depende muito de remessas de imigrantes, então você terá um problema de inflação e de distribuição. Mas aí você tem um país como o Brasil, um grande exportador, que pode produzir tudo, que está com nível de reservas recorde, então há menos impacto. Agora, a liquidez é outro problema diferente. Um exemplo desse problema é a Vale não finalizar a aquisição da Xstrata por conta da volatilidade dos mercados, da falta de liquidez.
Ou, por exemplo, em São Paulo, a privatização da Cesp, com os mercados tornando difícil conseguir o preço desejado... Essa é a situação até agora da região. Mas nunca se sabe. Entramos num território novo, é muito difícil julgar. Certamente, o secretário Paulson [do Tesouro americano] sabe mais do que nós e deve anunciar o que sabe nos próximos dias.

FOLHA - Uma recessão?
MORENO
- Não sou partidário dos que acham que se falarmos a palavra "recessão" vezes o suficiente entraremos em uma, como parece indicar o frenesi da mídia. Tecnicamente falando, uma recessão são dois trimestres de crescimento econômico negativo. Mas suponha que o crescimento da economia norte-americana não seja negativo: só o fato de que os EUA estejam crescendo em ritmo menor do que o esperado ou desejável não é boa notícia.

FOLHA - O sr. é um dos três diretores da Comissão Interamericana de Etanol. Como responde à reportagem de capa da revista "Time" de hoje [sexta], segundo a qual o biocombustível é um mito? Não é a primeira crítica que se faz à corrida da energia limpa em detrimento dos alimentos e do ambiente.
MORENO
- É preciso fazer várias distinções. A primeira é a matéria-prima: é muito mais eficiente fazer etanol de cana do que de milho, com isso todo o mundo concorda. Segundo, depende do país. No Brasil, só 5% da terra arável é destinada ao etanol. Se você não destruir a Amazônia para plantar açúcar, ao contrário, se fizer em áreas em que não há produção nenhuma, não há problema.
O que está claro é que o etanol de milho é o mais ineficaz. Francamente, dada a chance de escolher, é de questionar por que incentivar o etanol de milho, como fazem os EUA, mas isso os EUA têm de responder. Por outro lado, o que está aumentando o preço dos alimentos? É a alta do preço do petróleo, que responde por 30% do preço dos alimentos. Há também um aumento da demanda por commodities em geral e, sim, pode haver um aumento de demanda por biocombustíveis, mas não acho que sejam os problemas principais.

FOLHA - Recentemente, o presidente Lula defendeu a criação de um órgão de defesa da América do Sul, por conta do incidente entre Colômbia e Equador e a tensão com a Venezuela. O que acha da idéia?
MORENO
- Seria como uma Otan da América do Sul? Do ponto de vista de um colombiano, acho que é sempre complicado lidar com questões de segurança quando se fala de grupos como as Farc, que são terroristas e não respeitam fronteiras nem soberania. Então, a criação do órgão de defesa dependerá muito da boa cooperação entre os governos. Nesse sentido, eu não discordo do presidente Lula, acho que é uma boa idéia. Mas, como todas as boas idéias, é difícil de colocar em prática.

FOLHA - Houve uma mudança de guarda em Cuba. Pode significar o começo de uma relação com o BID?
MORENO
- Infelizmente, Cuba ainda não faz parte do sistema interamericano. E, enquanto não fizerem parte, não podemos lidar diretamente com eles. [O repórter insiste em saber se há contato de bastidores com o novo governo] Só vou dizer que, até que façam parte, há pouco o que podemos fazer.

FOLHA - O que é melhor para a América Latina, um novo presidente democrata ou republicano?
MORENO
- Coloquemos assim: não falo sobre política em respeito ao meu colega José Miguel Insulza [secretário-geral da Organização dos Estados Americanos, OEA], e ele não me dá conselhos econômicos. E assim vamos muito bem [risos].


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