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ENTREVISTA DA 2ª
LUÍS ALBERTO MORENO
América Latina tem que ampliar projetos em infra-estrutura
"Não é só questão de dinheiro, mas de boas parcerias", diz o presidente do BID, principal órgão investidor da região
DE CADA quatro dólares que saírem
dos cofres do Banco Interamericano de Desenvolvimento em 2008,
um irá para o Brasil. O BID, principal banco de investimento da América Latina,
elevou em 42% o dinheiro destinado ao país,
um dos 26 sócios da instituição. A idéia, contou
à Folha o presidente da entidade, Luís Alberto Moreno, é afrouxar o gargalo de infra-estrutura que ameaça não só o país mas todas as
economias emergentes. A região investe hoje
2% de seu PIB no setor, ante 9% da China.
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
O colombiano falou à reportagem com exclusividade por
meia hora na sexta-feira, em
seu escritório na sede do BID,
no número 1.300 da avenida
New York, em Washington.
Abriu a porta do gabinete de
meias, um costume que se diverte em manter, o que empresta uma aura de excentricidade a esse diplomata e jornalista de 55 anos que muitos na
capital norte-americana gostariam de ver como sucessor de
Álvaro Uribe, quando esse deixar a presidência da Colômbia,
em 2010. Indagado sobre o assunto, ele se sai com a resposta
clássica: "Meu único plano político é fazer o melhor trabalho
possível aqui no BID, toda minha energia vem para cá".
Sobre o problema da infra-estrutura brasileira, defende
que a resposta está nas parcerias público-privadas (PPP).
"Não é só questão de dinheiro,
mas de boas parcerias." Leia a
seguir as perguntas e as respostas, reagrupadas por temas.
FOLHA - Como conseguir arrancar
mais dinheiro do BID?
LUÍS ALBERTO MORENO - Em 2008,
estamos investindo 27% do total de dinheiro disponível do
banco no Brasil. É um salto em
relação aos 19% de 2007. E é o
maior destino entre os 26 países-membros do BID. Não há
falta de dinheiro para investir
em bons projetos brasileiros de
infra-estrutura. Tenho começado a ver muitos investidores
de portfólio procurando projetos desse tipo no país. E não há
falta de projetos. O que há é
muito projeto pequeno, no qual
não podemos investir, por ser
uma estrada com pouco tráfico,
coisas assim.
FOLHA - A infra-estrutura é um dos
maiores problemas brasileiros. Qual
pode ser o papel do BID nessa crise?
MORENO - A infra-estrutura é
um dos maiores problemas em
todas as economias emergentes. É claro que economias que
crescem na taxa a que o Brasil
vem crescendo terão pressão
muito grande nesse setor. O
PAC [Programa de Aceleração
de Crescimento] é uma boa resposta para lidar com muitos
desses problemas, e temos
apoiado alguns desses programas. Estamos, por exemplo, no
trem rápido entre Rio de Janeiro e São Paulo.
Mas a América Latina precisa fazer muito mais pela infra-estrutura do que vem fazendo.
Como porcentagem do PIB, o
continente provavelmente está
investindo 2% do PIB no setor.
A China investe 9% do PIB.
Além disso, não é só dinheiro,
mas boas parcerias, projetos
bem feitos e contratos bem-feitos do ponto de vista legal, que
permitam as parcerias.
FOLHA - Quando o sr. olha para um
país como o Brasil, qual a dificuldade principal que vê?
MORENO - Não diria dificuldade. Nosso desafio é entender
melhor que nossos novos clientes são cada vez mais os governos estaduais brasileiros, das
maiores cidades, e certamente
o setor privado. O governo federal brasileiro tem aliviado a
margem de manobra fiscal de
alguns Estados, no sentido de
que eles agora podem se endividar mais, então eles se tornaram clientes muito importantes do banco. Mas, de todos os
lugares a que vou na região, o
Brasil é a maior história de sucesso da América Latina.
FOLHA - Mesmo com os problemas
de infra-estrutura?
MORENO - Isso não significa
que o país não tem desafios,
problemas. Tem problemas
imensos porque é um país
imenso. Mas eu prefiro ter o tipo de problema que o Brasil
tem hoje do que o de outros países da região. Eu prefiro ter todo o petróleo que o Brasil tem
hoje, os alimentos que pode
produzir, o imenso mercado
doméstico, a água.
FOLHA - O sr. é otimista...
MORENO - Sim, e eu amo o Brasil.
FOLHA - Quanto a crise econômica
nos EUA ameaça a região?
MORENO - A América Latina
não está no centro dessa crise,
como estava no passado. Está
vendo tudo à distância. Está
mais bem preparada do que antes para lidar com os efeitos.
Mas é claro que ninguém sabe
quão profunda essa crise vai
ser. E, se for muito profunda, é
claro que vai afetar todos os
países. Mas afetará de maneira
diferente. Se você é um país que
importa energia, que importa
comida e que depende muito de
remessas de imigrantes, então
você terá um problema de inflação e de distribuição.
Mas aí você tem um país como o Brasil, um grande exportador, que pode produzir tudo,
que está com nível de reservas
recorde, então há menos impacto. Agora, a liquidez é outro
problema diferente. Um exemplo desse problema é a Vale não
finalizar a aquisição da Xstrata
por conta da volatilidade dos
mercados, da falta de liquidez.
Ou, por exemplo, em São Paulo,
a privatização da Cesp, com os
mercados tornando difícil conseguir o preço desejado...
Essa é a situação até agora da
região. Mas nunca se sabe. Entramos num território novo, é
muito difícil julgar. Certamente, o secretário Paulson [do Tesouro americano] sabe mais do
que nós e deve anunciar o que
sabe nos próximos dias.
FOLHA - Uma recessão?
MORENO - Não sou partidário
dos que acham que se falarmos
a palavra "recessão" vezes o suficiente entraremos em uma,
como parece indicar o frenesi
da mídia. Tecnicamente falando, uma recessão são dois trimestres de crescimento econômico negativo. Mas suponha
que o crescimento da economia
norte-americana não seja negativo: só o fato de que os EUA
estejam crescendo em ritmo
menor do que o esperado ou
desejável não é boa notícia.
FOLHA - O sr. é um dos três diretores da Comissão Interamericana de
Etanol. Como responde à reportagem de capa da revista "Time" de
hoje [sexta], segundo a qual o biocombustível é um mito? Não é a primeira crítica que se faz à corrida da
energia limpa em detrimento dos
alimentos e do ambiente.
MORENO - É preciso fazer várias distinções. A primeira é a
matéria-prima: é muito mais
eficiente fazer etanol de cana
do que de milho, com isso todo
o mundo concorda. Segundo,
depende do país. No Brasil, só
5% da terra arável é destinada
ao etanol. Se você não destruir
a Amazônia para plantar açúcar, ao contrário, se fizer em
áreas em que não há produção
nenhuma, não há problema.
O que está claro é que o etanol de milho é o mais ineficaz.
Francamente, dada a chance de
escolher, é de questionar por
que incentivar o etanol de milho, como fazem os EUA, mas
isso os EUA têm de responder.
Por outro lado, o que está aumentando o preço dos alimentos? É a alta do preço do petróleo, que responde por 30% do
preço dos alimentos. Há também um aumento da demanda
por commodities em geral e,
sim, pode haver um aumento
de demanda por biocombustíveis, mas não acho que sejam os
problemas principais.
FOLHA - Recentemente, o presidente Lula defendeu a criação de um
órgão de defesa da América do Sul,
por conta do incidente entre Colômbia e Equador e a tensão com a Venezuela. O que acha da idéia?
MORENO - Seria como uma
Otan da América do Sul? Do
ponto de vista de um colombiano, acho que é sempre complicado lidar com questões de segurança quando se fala de grupos como as Farc, que são terroristas e não respeitam fronteiras nem soberania. Então, a
criação do órgão de defesa dependerá muito da boa cooperação entre os governos. Nesse
sentido, eu não discordo do
presidente Lula, acho que é
uma boa idéia. Mas, como todas
as boas idéias, é difícil de colocar em prática.
FOLHA - Houve uma mudança de
guarda em Cuba. Pode significar o
começo de uma relação com o BID?
MORENO - Infelizmente, Cuba
ainda não faz parte do sistema
interamericano. E, enquanto
não fizerem parte, não podemos lidar diretamente com
eles. [O repórter insiste em saber se há contato de bastidores
com o novo governo] Só vou dizer que, até que façam parte, há
pouco o que podemos fazer.
FOLHA - O que é melhor para a
América Latina, um novo presidente
democrata ou republicano?
MORENO - Coloquemos assim:
não falo sobre política em respeito ao meu colega José Miguel Insulza [secretário-geral
da Organização dos Estados
Americanos, OEA], e ele não
me dá conselhos econômicos. E
assim vamos muito bem [risos].
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