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Lula fala contra fome em passarela de Rolls Royce
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A LAUSANNE
Fome, o tema que o presidente
Lula traz ao chamado "diálogo
ampliado" do G8 com 12 países
emergentes, não é exatamente
uma palavra que combine com o
cenário em que o mandatário brasileiro se instala hoje.
Quase em frente à porta de entrada do Hotel Beau Rivage Palace, na cidade suíça de Lausanne,
há uma revendedora de veículos
Bentley e Rolls Royce, carros usados em geral pelos sucessores da
rainha (Maria Antonieta) que
mandou comer brioches quem tivesse fome, mas não tivesse pão.
Ao lado, uma segunda revendedora anuncia Mercedes-Benz, de
resto um carro de abundante circulação nesta cidadezinha de 130
mil habitantes que assiste entre
fascinada e irritada ao monumental esquema de segurança montado para o encontro de cúpula.
Pelo menos a segurança trará
uma palavra familiar ao presidente brasileiro: seu nome em código
é "colibri", delicado pássaro que
não combina nem um pouco com
a montanha de arame farpado estendida em volta do Beau Rivage,
até junto ao lago Léman, que forma a outra vista para os hóspedes
do hotel não interessados em
Rolls Royces.
A diária na suíte do hotel em
que Lula e os demais mandatários
se hospedarão custa 2.413, algo
em torno de R$ 8.600. Para quem
pode pagar, vale o preço.
O hotel, inaugurado em 1861, fica em um parque de quatro hectares, com vista para as mansas
águas do Léman, e hospeda celebridades desde que a memória alcança, de Charles Chaplin a Mel
Gibson, do ditador italiano Benito
Mussolini ao demolidor da União
Soviética, Mikhail Gorbatchov,
para não mencionar quase todas
as famílias reais do planeta.
Não por acaso, nove anos após a
inauguração, o hotel virou local
de exílio para as famílias que iam
sendo destronadas na Europa, a
começar de Napoleão 3º.
Alguns colunistas suíços não
gostaram de a cidade ter sido escolhida como uma espécie de retaguarda para o G8, cuja cúpula
propriamente dita se dará na
França, na cidadezinha de Evian,
do outro lado do lago Léman.
Parte do público também não
gostou, como sempre acontece
quando o movimento de autoridades força alterações drásticas
no cotidiano do cidadão comum.
Toda a área em torno do hotel
foi interditada; foi desviada a circulação dos ônibus que sobem a
Avenue d'Ouchy, a que desce do
centro da cidade até o lago; e desapareceu sobre uma montanha de
cercas de ferro e arame farpado o
píer da Place de la Navigation,
uma espécie de Ipanema lacustre
para o pessoal de Lausanne.
O esquema de segurança contrasta fortemente com o dia bucólico que Lausanne vivia ontem, de
um calor que já antecipa o verão
que chega em três semanas.
Nos bares e restaurantes junto à
Place de la Navigation, a frenética
atividade dos policiais e soldados
era uma atração turística para senhores e senhoras com jeito de
aposentados e mesmo para jovens que desfilavam de patinete
pelo asfalto liberado de veículos
pelo bloqueio da segurança.
Alguns jovens ainda exibiam
camisetas com a palavra "peace"
ou "pace" (paz), uma espécie de
uniforme dos grupos que protestam contra as reuniões do G8.
"Em Davos como em Evian, nada de fóruns para os tiranos", grita cartaz de um dos incontáveis
grupos "altermondialistes", como
chama a mídia da Suíça francesa
os manifestantes que se opõem à
globalização com predomínio do
capital financeiro.
Por que se opõem? Porque "o
G8 pretende desempenhar o papel de governo de fato do mundo,
embora não tenha recebido mandato para tanto dos povos do
mundo. É pois uma instância ilegítima e, no entanto, impõe suas
preferências e orienta a marcha
do planeta", diz o texto de convocação da cúpula alternativa.
Chama-se "Cúpula para um outro mundo", eco do slogan "Outro mundo é possível", que embalou as reuniões do Fórum Social
Mundial realizadas em Porto Alegre, exatamente como contraponto aos encontros do Fórum Econômico Mundial em Davos, que
seria o "fórum para os tiranos".
Luiz Inácio Lula da Silva foi a
Porto Alegre, foi a Davos, chega
hoje a Lausanne para participar
domingo do diálogo dos "tiranos" com líderes do mundo em
desenvolvimento.
Ao amparo da "Operação Colibri", terá mais chances de ver
Rolls Royces e Bentleys do que de
ouvir os gritos dos antigos companheiros de viagem do PT.
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