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São Paulo, sábado, 31 de maio de 2003

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Lula fala contra fome em passarela de Rolls Royce

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A LAUSANNE

Fome, o tema que o presidente Lula traz ao chamado "diálogo ampliado" do G8 com 12 países emergentes, não é exatamente uma palavra que combine com o cenário em que o mandatário brasileiro se instala hoje.
Quase em frente à porta de entrada do Hotel Beau Rivage Palace, na cidade suíça de Lausanne, há uma revendedora de veículos Bentley e Rolls Royce, carros usados em geral pelos sucessores da rainha (Maria Antonieta) que mandou comer brioches quem tivesse fome, mas não tivesse pão.
Ao lado, uma segunda revendedora anuncia Mercedes-Benz, de resto um carro de abundante circulação nesta cidadezinha de 130 mil habitantes que assiste entre fascinada e irritada ao monumental esquema de segurança montado para o encontro de cúpula.
Pelo menos a segurança trará uma palavra familiar ao presidente brasileiro: seu nome em código é "colibri", delicado pássaro que não combina nem um pouco com a montanha de arame farpado estendida em volta do Beau Rivage, até junto ao lago Léman, que forma a outra vista para os hóspedes do hotel não interessados em Rolls Royces.
A diária na suíte do hotel em que Lula e os demais mandatários se hospedarão custa 2.413, algo em torno de R$ 8.600. Para quem pode pagar, vale o preço.
O hotel, inaugurado em 1861, fica em um parque de quatro hectares, com vista para as mansas águas do Léman, e hospeda celebridades desde que a memória alcança, de Charles Chaplin a Mel Gibson, do ditador italiano Benito Mussolini ao demolidor da União Soviética, Mikhail Gorbatchov, para não mencionar quase todas as famílias reais do planeta.
Não por acaso, nove anos após a inauguração, o hotel virou local de exílio para as famílias que iam sendo destronadas na Europa, a começar de Napoleão 3º.
Alguns colunistas suíços não gostaram de a cidade ter sido escolhida como uma espécie de retaguarda para o G8, cuja cúpula propriamente dita se dará na França, na cidadezinha de Evian, do outro lado do lago Léman.
Parte do público também não gostou, como sempre acontece quando o movimento de autoridades força alterações drásticas no cotidiano do cidadão comum.
Toda a área em torno do hotel foi interditada; foi desviada a circulação dos ônibus que sobem a Avenue d'Ouchy, a que desce do centro da cidade até o lago; e desapareceu sobre uma montanha de cercas de ferro e arame farpado o píer da Place de la Navigation, uma espécie de Ipanema lacustre para o pessoal de Lausanne.
O esquema de segurança contrasta fortemente com o dia bucólico que Lausanne vivia ontem, de um calor que já antecipa o verão que chega em três semanas.
Nos bares e restaurantes junto à Place de la Navigation, a frenética atividade dos policiais e soldados era uma atração turística para senhores e senhoras com jeito de aposentados e mesmo para jovens que desfilavam de patinete pelo asfalto liberado de veículos pelo bloqueio da segurança.
Alguns jovens ainda exibiam camisetas com a palavra "peace" ou "pace" (paz), uma espécie de uniforme dos grupos que protestam contra as reuniões do G8.
"Em Davos como em Evian, nada de fóruns para os tiranos", grita cartaz de um dos incontáveis grupos "altermondialistes", como chama a mídia da Suíça francesa os manifestantes que se opõem à globalização com predomínio do capital financeiro.
Por que se opõem? Porque "o G8 pretende desempenhar o papel de governo de fato do mundo, embora não tenha recebido mandato para tanto dos povos do mundo. É pois uma instância ilegítima e, no entanto, impõe suas preferências e orienta a marcha do planeta", diz o texto de convocação da cúpula alternativa.
Chama-se "Cúpula para um outro mundo", eco do slogan "Outro mundo é possível", que embalou as reuniões do Fórum Social Mundial realizadas em Porto Alegre, exatamente como contraponto aos encontros do Fórum Econômico Mundial em Davos, que seria o "fórum para os tiranos".
Luiz Inácio Lula da Silva foi a Porto Alegre, foi a Davos, chega hoje a Lausanne para participar domingo do diálogo dos "tiranos" com líderes do mundo em desenvolvimento.
Ao amparo da "Operação Colibri", terá mais chances de ver Rolls Royces e Bentleys do que de ouvir os gritos dos antigos companheiros de viagem do PT.


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