São Paulo, sexta-feira, 31 de agosto de 2007

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Pressão não mudou voto, diz Lewandowski

Ministro do STF confirma ter sentido "faca no pescoço" ao julgar mensalão, mas diz que resultado se deve ao "voto vertical" do relator

Magistrado se compara a personagem kafkiano e critica mídia: "Imprensa não é o único árbitro do que separa público e privado"

VERA MAGALHÃES
DO PAINEL, EM BRASÍLIA

SILVANA DE FREITAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski, 59, confirmou que se sentiu com a "faca no pescoço" com a intensa pressão da imprensa sobre o julgamento que decidiu pela abertura de ação penal contra os 40 acusados no mensalão. Disse, porém, que isso não influenciou seu voto ou o resultado do julgamento.
Lewandowski confirmou o teor de sua conversa telefônica testemunhada pela Folha na noite de terça e publicada na edição de ontem. Nela, dizia que o "Supremo votou com a faca no pescoço". Disse que conversava com o irmão, Marcelo, e que se sentiu "atingido" com a divulgação do telefonema e da troca de mensagens on-line entre ele e a colega Cármen Lúcia, na semana passada.
Lewandowski afirmou que a pressão da mídia não pode afetar a "tranqüilidade" dos magistrados para julgar. Comparou sua situação com a do protagonista do livro "O Processo", de Franz Kafka, que é processado sem saber a razão.
Também usou a obra "1984", de George Orwell, que trata de uma sociedade totalitária em que os cidadãos são monitorados por um líder onipresente, o "Grande Irmão", para criticar o papel da imprensa. "A imprensa não pode ser o único árbitro do tênue limite que separa o público e o privado."

 

FOLHA - Sua conversa telefônica reflete a sua opinião sobre o julgamento? O sr. acha que os ministros se curvaram à pressão da imprensa?
ENRIQUE RICARDO LEWANDOWSKI -
Não, os ministros são absolutamente independentes. Os debates foram públicos, duraram cinco dias. A nação brasileira viu o alto nível técnico deles. Não houve nenhuma interlocução espúria, escusa, de bastidores. Os ministros expuseram o seu ponto de vista. Eu apliquei 15 anos de magistratura. Na questão da quadrilha, dei um voto calcado em bases técnicas.

FOLHA - Então qual foi o contexto da conversa telefônica?
LEWANDOWSKI -
Foi um desabafo com o meu irmão Marcelo, que me ligou prestando solidariedade e discordando de algumas posições, me cobrando, como cidadão. Eu votei com absoluta independência. Não tenho compromisso com ninguém. O que eu senti é que o STF foi submetido a uma pressão violentíssima da mídia. Flashes espocando, jornalistas na porta da minha casa. O juiz precisa ter tranqüilidade para julgar.

FOLHA - Na troca de mensagens, trata-se de conversa de dois ministros do STF em sessão de julgamento a que a imprensa tinha acesso.
LEWANDOWSKI -
Eu acho que a imprensa presta um papel relevantíssimo, fundamental para a democracia. Sem imprensa livre, absolutamente sem peias, não existe Estado democrático. No caso da minha comunicação com a ministra Cármen Lúcia, esse é um instrumento de trabalho, interno. Nessa nossa intranet, é comum fazermos brincadeiras com os colegas. [No restaurante em que dei o telefonema] eu estava com a minha esposa, com quem sou casado há 30 anos. Nunca vi o Kakay [advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, dono do restaurante, que estava presente]. Informar o vinho que eu tomei, o que eu comi...

FOLHA - O sr. pensa que o julgamento era tão importante a ponto de suscitar um acordo?
LEWANDOWSKI -
Não, não. Acho que o julgamento era importante a ponto de as pessoas refletirem, mudarem de posição. Acho que as pessoas estavam extraordinariamente submetidas à mídia. Conheço o Eros Grau há 30 anos. Tenho o maior apreço e admiração por ele. Conheço a isenção dele.

FOLHA - Nesse julgamento, o STF contrariou a doutrina e a jurisprudência predominantes?
LEWANDOWSKI -
Não, eu acho que o voto do ministro Joaquim Barbosa foi tão técnico, tão vertical, tão satisfativo, que a sustentação oral do procurador-geral da República foi tão contundente que acabou afastando os argumentos dos advogados. Portanto os ministros com a liberdade que têm, acharam que a jurisprudência não se aplicava no caso.

FOLHA - O que o sr. quis dizer quando afirmou que os ministros votaram "com a faca no pescoço"?
LEWANDOWSKI -
Falei com relação a mim e falei com meu irmão, na intimidade. Por isso posso ter usado um termo não apropriado. Eu me senti com a faca no pescoço. Eu me mantive firme, dei um voto técnico na questão da quadrilha. Com relação a Delúbio, Silvio Pereira e outros, acatei a questão da quadrilha. Com relação à corrupção ativa de José Dirceu, acatei. Com relação a lavagem de dinheiro, peculato, eu acatei tudo, ponto a ponto, e justifiquei o meu ponto de vista.

FOLHA - O sr. acha que havia uma dúvida maior em relação ao enquadramento do ex-ministro José Dirceu, já que o sr. disse que a tendência era "amaciar"?
LEWANDOWSKI -
Primeiro, eu não sei se usei a palavra "amaciar". Mas eu acho que amaciar é no sentido de que, pela avaliação que eu tinha, eu achei que determinados pontos da denúncia cairiam pela inconsistência. Prevaleceu a opinião soberana de cada ministro.

FOLHA - O sr. acha que o resultado foi alterado pela divulgação das mensagens?
LEWANDOWSKI -
Não. Achei que o julgamento ficou mais tenso, os ministros justificaram suas posições com mais detalhamento. A imprensa me critica porque fiquei isolado num voto em que tive convicção. Se eu não puder fazer isso, por Deus do céu, prefiro ir embora.


Leia a íntegra da entrevista com Lewandowski

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