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Pressão não mudou voto, diz Lewandowski
Ministro do STF confirma ter sentido "faca no pescoço" ao julgar mensalão, mas diz que resultado se deve ao "voto vertical" do relator
Magistrado se compara a personagem kafkiano e critica mídia: "Imprensa não é o único árbitro do que separa público e privado"
VERA MAGALHÃES
DO PAINEL, EM BRASÍLIA
SILVANA DE FREITAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski, 59, confirmou que se
sentiu com a "faca no pescoço"
com a intensa pressão da imprensa sobre o julgamento que
decidiu pela abertura de ação
penal contra os 40 acusados no
mensalão. Disse, porém, que isso não influenciou seu voto ou
o resultado do julgamento.
Lewandowski confirmou o
teor de sua conversa telefônica
testemunhada pela Folha na
noite de terça e publicada na
edição de ontem. Nela, dizia
que o "Supremo votou com a
faca no pescoço". Disse que
conversava com o irmão, Marcelo, e que se sentiu "atingido"
com a divulgação do telefonema e da troca de mensagens
on-line entre ele e a colega Cármen Lúcia, na semana passada.
Lewandowski afirmou que a
pressão da mídia não pode afetar a "tranqüilidade" dos magistrados para julgar.
Comparou sua situação com
a do protagonista do livro "O
Processo", de Franz Kafka, que
é processado sem saber a razão.
Também usou a obra "1984",
de George Orwell, que trata de
uma sociedade totalitária em
que os cidadãos são monitorados por um líder onipresente, o
"Grande Irmão", para criticar o
papel da imprensa. "A imprensa não pode ser o único árbitro
do tênue limite que separa o
público e o privado."
FOLHA - Sua conversa telefônica
reflete a sua opinião sobre o julgamento? O sr. acha que os ministros
se curvaram à pressão da imprensa?
ENRIQUE RICARDO LEWANDOWSKI -
Não, os ministros são absolutamente independentes. Os debates foram públicos, duraram
cinco dias. A nação brasileira
viu o alto nível técnico deles.
Não houve nenhuma interlocução espúria, escusa, de bastidores. Os ministros expuseram o
seu ponto de vista. Eu apliquei
15 anos de magistratura. Na
questão da quadrilha, dei um
voto calcado em bases técnicas.
FOLHA - Então qual foi o contexto
da conversa telefônica?
LEWANDOWSKI - Foi um desabafo com o meu irmão Marcelo,
que me ligou prestando solidariedade e discordando de algumas posições, me cobrando, como cidadão. Eu votei com absoluta independência. Não tenho
compromisso com ninguém. O
que eu senti é que o STF foi
submetido a uma pressão violentíssima da mídia. Flashes espocando, jornalistas na porta
da minha casa. O juiz precisa
ter tranqüilidade para julgar.
FOLHA - Na troca de mensagens,
trata-se de conversa de dois ministros do STF em sessão de julgamento a que a imprensa tinha acesso.
LEWANDOWSKI - Eu acho que a
imprensa presta um papel relevantíssimo, fundamental para
a democracia. Sem imprensa livre, absolutamente sem peias,
não existe Estado democrático.
No caso da minha comunicação
com a ministra Cármen Lúcia,
esse é um instrumento de trabalho, interno. Nessa nossa intranet, é comum fazermos
brincadeiras com os colegas.
[No restaurante em que dei o
telefonema] eu estava com a
minha esposa, com quem sou
casado há 30 anos. Nunca vi o
Kakay [advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, dono do
restaurante, que estava presente]. Informar o vinho que eu tomei, o que eu comi...
FOLHA - O sr. pensa que o julgamento era tão importante a ponto
de suscitar um acordo?
LEWANDOWSKI - Não, não. Acho
que o julgamento era importante a ponto de as pessoas refletirem, mudarem de posição.
Acho que as pessoas estavam
extraordinariamente submetidas à mídia. Conheço o Eros
Grau há 30 anos. Tenho o
maior apreço e admiração por
ele. Conheço a isenção dele.
FOLHA - Nesse julgamento, o STF
contrariou a doutrina e a jurisprudência predominantes?
LEWANDOWSKI - Não, eu acho
que o voto do ministro Joaquim Barbosa foi tão técnico,
tão vertical, tão satisfativo, que
a sustentação oral do procurador-geral da República foi tão
contundente que acabou afastando os argumentos dos advogados. Portanto os ministros
com a liberdade que têm, acharam que a jurisprudência não
se aplicava no caso.
FOLHA - O que o sr. quis dizer quando afirmou que os ministros votaram "com a faca no pescoço"?
LEWANDOWSKI - Falei com relação a mim e falei com meu irmão, na intimidade. Por isso
posso ter usado um termo não
apropriado. Eu me senti com a
faca no pescoço. Eu me mantive firme, dei um voto técnico na
questão da quadrilha. Com relação a Delúbio, Silvio Pereira e
outros, acatei a questão da quadrilha. Com relação à corrupção ativa de José Dirceu, acatei.
Com relação a lavagem de dinheiro, peculato, eu acatei tudo, ponto a ponto, e justifiquei
o meu ponto de vista.
FOLHA - O sr. acha que havia uma
dúvida maior em relação ao enquadramento do ex-ministro José Dirceu, já que o sr. disse que a tendência era "amaciar"?
LEWANDOWSKI - Primeiro, eu
não sei se usei a palavra "amaciar". Mas eu acho que amaciar
é no sentido de que, pela avaliação que eu tinha, eu achei que
determinados pontos da denúncia cairiam pela inconsistência. Prevaleceu a opinião soberana de cada ministro.
FOLHA - O sr. acha que o resultado
foi alterado pela divulgação das
mensagens?
LEWANDOWSKI - Não. Achei que
o julgamento ficou mais tenso,
os ministros justificaram suas
posições com mais detalhamento. A imprensa me critica
porque fiquei isolado num voto
em que tive convicção. Se eu
não puder fazer isso, por Deus
do céu, prefiro ir embora.
Leia a íntegra da entrevista com Lewandowski
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