São Paulo, domingo, 31 de outubro de 2004

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ELIO GASPARI

A cobiça do baronato sindical

O Ministério Público e a Justiça Federal estão salvando a patuléia de uma tunga das centrais sindicais, em parceria com o governo. Trata-se de impedir que os sindicatos continuem avançando no bolso dos trabalhadores para cobrar taxas compulsórias e arbitrárias. Uma liminar da 21ª Vara Federal suspendeu a cobrança desse ervanário, equivalente a uns R$ 1 bilhão anuais.
Pela lei, o trabalhador formal trabalha um dia por ano para o seu sindicato. Isso equivale a 0,3% da sua folha e rende cerca de R$ 400 milhões anuais. Tanto faz se ele é sindicalizado ou não. De cada dez trabalhadores, só dois são sindicalizados. Há caso de sindicato com 85 sócios numa categoria de 10 mil trabalhadores, assim como há sindicato dirigido por diretoria com mandato de 12 anos, mas isso é muito mais exemplo de mamata do que amostra do movimento. (As mamatas do sindicalismo dos empregados são menores do que as do corporativismo patronal, iluminado pelas verbas do $i$tema $.)
Durante os últimos 20 anos muitos sindicatos engordaram suas receitas cobrando taxas. Há sindicato tungando quatro, além da mensalidade e do imposto. Elas se destinam a remunerar atividades sociais e até mesmo as negociações com os patrões. Pode-se discutir se elas são bem ou mal administradas. O problema está na maneira como são arrecadadas. O senso comum sugere que se o sindicato quer cobrar uma taxa, só os seus sócios devem pagá-la. Valendo-se de meias-leis e meias-decisões, armou-se um esquema pelo qual o trabalhador paga, mesmo que não seja sindicalizado. O desconto vem no contracheque. O dilema é o seguinte:
A cobrança só deve ser feita se trabalhador aderir ao desconto? Nesse caso, o sindicato só pode cobrar de quem autorize.
A cobrança deve ser feita a todos os trabalhadores, cabendo a cada um deles pedir que o sindicato o desobrigue? Nesse caso, ele precisa mandar uma carta ao sindicato, pedindo a suspensão da cobrança.
As centrais sindicais entendem que a cobrança deve ser genérica. O ministério do Trabalho (por apenas 17 dias, em abril passado) e a Justiça Federal (numa liminar) entenderam o contrário. Só deve pagar quem autorizou a cobrança, por escrito.
Diante da liminar, três centrais sindicais (Força, CGT e SDS) ensaiaram um rompimento com o governo e abandonaram o Fórum Nacional do Trabalho. Logo esse Fórum, onde se cozinha, em conluio com o governo e a CUT, a institucionalização da tunga. Os barões e os comissários querem substituir o imposto de um dia de trabalho anual por uma taxa cujo teto, a ser aprovado numa assembléia de cada sindicato, será de três dias de trabalho por ano. A cobrança, é obvio, será feita em cima de toda a categoria de trabalhadores.
Caso raro de pressão sobre o Judiciário por meio de uma ato de hostilidade do Executivo.
Serviço: Saiu em agosto um ótimo livro sobre essa questão, com idéias opostas ao que se leu aí em cima. Chama-se "A reforma sindical e trabalhista do governo Lula" e foi organizado por Altamiro Borges.

O artigo está em inglês? Então está certo

Há duas semanas saiu na revista americana "Science" um artigo intitulado "O quebra-cabeças nuclear brasileiro". Seus autores, Liz Palmer e Gary Milholin, integram uma organização pacifista que rastreia e combate a proliferação de armas nucleares. Ela se chama "Wisconsin Project" e mora em Washington. O texto do artigo suspeita (com dúvidas) que por trás dos painéis da usina de enriquecimento de urânio de Resende existe um projeto de construção de bombas atômicas. Seis, no palpite.
Salvo o péssimo prontuário nacional em matéria nuclear, com um projeto militar perdulário, inepto e clandestino conduzido no governo do general Figueiredo (1979-1985), nada leva a crer que o atual governo mente quando diz que as instalações de Resende são de paz. O artigo da "Science" foi recebido como produto do rigoroso trabalho de cientistas. Pena, por mais puras que sejam as preocupações do "Wisconsin Project", seu prestígio já foi manipulado pela máquina de propaganda do governo americano. O professor Milholin, seu diretor, foi um incentivador e entusiasta da invasão do Iraque. Pior: associou seu nome a documentos falsos, que continham lorotas. Em 2001, Milholin e o Wisconsin foram usados para lavar um documento onde contava-se que em 1987 o Iraque explodira um artefato nuclear. Uma bomba imunda, com alto grau de radiação. Tinha 3,5 metros e pesava mais de uma tonelada. "Isso mostra quem é esse sujeito", disse Milholin ao "The New York Times", referindo-se a Saddam Hussein.
No chute, os governantes brasileiros já detonaram algo entre US$ 3 bilhões e US$ 6 bilhões em projetos de bombas e mísseis. Como todos os projetos secretos de Brasília explodiram o orçamento nacional. Só.
Sempre que trata dos programas brasileiros, o Wisconsin Project sataniza planos que contrariam o governo americano. Em 1990, ele assegurava que o Brasil estava a um passo de fabricar mísseis capazes de lançar ogivas nucleares. Nessa mesma ocasião a moçada do Wisconsin disse que, de acordo com fontes do governo americano, a Aeronáutica estava enriquecendo urânio com a pureza necessária para a montagem de bombas. Falso. Se esse projeto existiu, estourou a bolsa da Viúva, nada mais.
Em muitos casos o Wisconsin Project ajuda o governo americano a defender os interesses dos Estados Unidos. Tudo bem. O que não faz sentido, é que os brasileiros pensem com a cabeça dos americanos.

Uma boa briga no mundo da soja

Vem aí uma boa negociação, a dos produtores de soja do Rio Grande do Sul com a Monsanto. A empresa resolveu cobrar R$ 1,20 por cada saca de 60 quilos colhida de soja fortalecida pela sua tecnologia Round-Up. Um aumento de 100% sobre o valor cobrado na última safra. A empresa sustenta que no ano passado firmou 330 contratos com cooperativas e clientes estabelecendo que esse seria o custo dos direitos autorais da sua soja transgênica. Teria cobrado só 0,60 por conta de um desconto contratual. A entidades dos produtores sustentam que não fizeram acordo nenhum e dizem que a empresa quer cobrar o dobro pela sua tecnologia, numa safra em que a soja perdeu um terço do valor.
A soja da Monsanto dá ao produtor um ganho de 40 dólares por hectare. Grosseiramente, cobrando R$ 1,20 pela saca colhida, a empresa fica com a metade do benefício. Ela quer cobrar ao plantador brasileiro menos da metade do que cobra ao americano.
A briga é boa porque os produtores gaúchos reconhecem que devem pagar direitos autorais pela soja da Monsanto. Mesmo assim, não querem pagar o dobro do que pagaram no ano passado. Parece certo que haverá um acordo.
Em benefício dos plantadores, fica a maldição dos comunistas chatos e catastrofistas. Eles diziam que trustes (a palavra era essa) entram nos mercados oferecendo preços baixos. Uma vez conseguido o controle de um pedaço da freguesia, dobram a tabela.

Lavando, passa
Hoje à noite, muita gente boa que acordou eleita, dormirá derrotada. A partir de amanhã, aparecerão explicações inteligentes e condutas originais para cada desafortunado do voto. Contribuindo para melhorar a qualidade do esperneio, aqui vão dois modelos de respostas para quem estiver sem cabeça para pensar coisa melhor:
Para explicar a causa da derrota, numa construção de 1974, quando o MDB elegeu senadores em 16 dos 22 Estados. Seu autor foi Heitor Ferreira, secretário particular do presidente Ernesto Geisel:
"O MDB ganhou porque os eleitores foram às urnas, cada um depositou uma cédula. Quando essas cédulas foram contadas, havia mais votos para os candidatos do MDB".
Para dar compostura ao derrotado, na construção do candidato democrata Adlai Stevenson, batido na eleição presidencial americana de 1956 pelo general Dwight Eisenhower:
"Estou muito velho para chorar, mas dói o suficiente para que não possa rir".

Sem capuz
Qualquer dia desses um pesquisador americano consegue divulgar mais um pedaço do depoimento secreto a respeito da ditadura brasileira, prestado em 1971 pelo chefe da CIA, Richard Helms. Ele falou a uma comissão do Senado americano. O palavrório durou 2h20m. Quando a comissão divulgou seus trabalhos, a fala de Helms resumiu-se a dois "boa tarde". Em 1987 o governo americano liberou dois terços das notas taquigráficas.
Lá, pode-se ler o que ele achava das organizações armadas esquerdistas: "Esse terrorismo não ameaçou a estabilidade dos governos".
Basta requerer ao governo americano uma nova leitura do depoimento e, sabe-se lá, mais coisas aparecem.
Nesses casos a liberação (ou a censura, com trechos mascarados) é feita por um funcionário que assina o nome e data a decisão. Não se trata de abrir ou fechar arquivos. Trata-se de assumir funcionalmente a responsabilidade pelo que se censura ou se libera.

Fome Curupira
Com seus cabelos vermelhos e pés voltados para trás, o anão Curupira encostou no ministro da Fome, Patrus Ananias.
Depois de ter comido dois fomólogos (José Graziano e Benedita da Silva), ele acredita que antes do Carnaval janta o ex-prefeito de Belo Horizonte.
No governo de FFHH o Curupira comia ministros do Desenvolvimento.

Erro
Estava errada a informação aqui publicada segundo a qual a empresa Balanço Social, alavancada pela Comissão de Minas e Energia, cobrava R$ 70 mil a empresas que participassem de um seminário, dando como contrapartidas um livro de R$ 5 mil e crachás de R$ 1,5 mil.
O cota custava R$ 70 mil, mas não se ofereciam cifras. Tratava-se de quantidades: cinco mil livros e 1,5 mil crachás.

Os çábios do BC
O Banco Central tem oito diretores e um presidente. Três vieram da banca. Quatro passaram por universidades americanas.
Eles sabem o que aconteceria se o Federal Reserve Bank divulgasse uma ata sugerindo a necessidade de mudança nos preços dos combustíveis. Isso provocaria uma oscilação no valor das ações das empresas de petróleo e eles seriam processados. Arriscavam perder o patrimônio. Exagerando, a liberdade.
O que diriam os konsultores do mercado se uma lambança desse tamanho saísse do BNDES?

Vale ler de novo
As vezes é preferível copiar o que os outros escreveram a tentar dizer a mesma coisa, em piores palavras. Mexendo no caldeirão de empulhações da ekipekonômica, a professora Eliana Cardoso ensina o seguinte:
"O aumento da Selic (...) condena a economia ao círculo vicioso dos juros altos e crescimento baixo. E mente quem diz que a prioridade do Banco Central é baixar os juros ao consumidor. (...)
O Conselho de Política Monetária (Copom) é refém, não do mercado financeiro, mas de um governo gastador. Com o aumento da Selic, o Banco Central cumpre seu papel de esfriar a demanda privada para o governo continuar gastando.
Ganhamos nós que temos emprego e dinheiro nos fundos de investimento. O resto da sociedade continua na chuva, ao deus-dará, esperando o Bolsa-Família."

Peres 2006
O senador Jefferson Péres (PDT-AM) é candidato à presidência da República.
Se os comissários José Dirceu e Delúbio Soares não tomarem jeito, corre-se o risco de ver o companheiro Lula fazendo campanha pela eleição da figura intransigente e sarcástica do senador.
Nos palanques de Peres, Lula poderá dizer tudo o que disse ao longo da vida, sem constranger aliados nem colaboradores.

Mau negócio
Um dos laboratórios do Instituto de Física da USP (sustentado pela Viúva) importou equipamentos que estão trancados na alfândega do aeroporto de Brasília. Isso porque a compra veio pelo CNPq (um conselho da Viúva) que deve ao ministério da Fazenda (da Viúva), que nega certidão negativa ao caloteiro. Por conta disso, a Receita (da Viúva) não libera os equipamentos e a a Infraero (da Viúva) fatura os custos da armazenagem do material científico.
Receber os 67,6 milhões de dólares que a Varig deve aos poderosos aerotecas, nem pensar. Isso para não falar em outro espeto da empresa, de 1 bilhão de dólares em impostos, taxas e contribuições. Os mecenas que mimaram Lula presenteando-o com o principal programa habitacional do PT-Federal (a reforma do Alvorada), devem à Companheira mil vezes mais que o CNPq.


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