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NO PLANALTO
Esquerda ressurge em livro de Tarso Genro
JOSIAS DE SOUZA
COLUNISTA DA FOLHA
Difícil distinguir hoje em
dia esquerdistas de direitistas. Faltam referenciais. A
mansidão do ex-PT no poder pôs
em xeque a velha lenda de que esquerdistas comiam criancinhas.
A barba também já não serve
de parâmetro. A rama que pende
do rosto de Enéas Carneiro (Prona) humilha o bem-aparado feixe
de fios que orna a face de Lula.
O guarda-roupa tampouco ajuda. Ao tradicional figurino bicho-grilo, a petista Marta Suplicy contrapôs modelitos Ives St. Laurent.
Agora adornados com broches
que trazem a estampa de Maluf.
De resto, a experiência comprova que, lançados ao mar do neoliberalismo, esquerdistas e direitistas nadam sincronizadamente. E
morrem na mesma praia privativa do capital financeiro.
Num instante em que parecia
impossível discernir Lula dos antecessores, chega às livrarias um
livro revelador: "Esquerda em
Progresso" (Editora Vozes). Escreveu-o o ministro Tarso Genro
(Educação), ideólogo do ex-PT.
Embora fina (125 páginas), a
obra é ambiciosa. Propõe-se a traçar rumos para a "nova esquerda". Lendo-a descobre-se por que
o desempenho do ex-PT no governo aproximou o partido de seus
opostos. Genro declara-se simpático à tese de que "é necessário rebaixar o programa estratégico da
emancipação, para colocar no
centro da práxis a luta imediata
por inclusão [...] e distribuição de
renda".
No governo, diz Genro, o ex-PT
privilegia a "segurança". Recusa-se a encarnar o papel de "vanguardista do tipo bolchevique".
Almeja "um acordo com sentido
policlassista". A exacerbação da
"luta de classes" fragilizaria o governo. Diz o ministro: "Não há
nenhum exemplo histórico de políticas transformadoras que não
tenham combinado realismo e
utopismo. Lênin, Rooselvelt, Mao,
Deng, Getúlio Vargas, Lázaro
Cárdenas, Kennedy, todos foram
realistas e utópicos ao mesmo
tempo." Para Genro, no "centro"
do desafio da esquerda está o enfrentamento ao "processo de globalização financeira". Ditado
"pelos Estados Unidos", produziu
"uma ampliação desmesurada do
sistema financeiro internacional,
alienado da produção [...]".
No Brasil, escreve Genro, "as
políticas sociais e o projeto econômico que começaram a ser implementados pelo governo Collor foram seguidas pelos governos de
FHC". O tucanato "rapidamente
deu efetividade ao projeto político
do grande capital". Pior: "Sua base parlamentar, articulada fisiologicamente e reunindo as velhas
e novas oligarquias, garantiu-lhe
a inviabilização do projeto social
contido na Constituição de 1988".
O ministro se exime de lembrar
que o governo a que serve também toma a bênção ao "grande
capital", come na mão da mesma
"base parlamentar" fisiológica e
rende homenagens aos oligarcas
de sempre, Sarney entre eles.
Genro afirma que "a inserção
subordinada do Brasil no sistema
global" levou à "afirmação de um
modelo econômico baseado no
neo-rentismo especulativo". Propõe uma "ruptura com a globalização financeira". Silencia sobre
o banquete que o companheiro
Palocci serve aos neo-rentistas.
O ministro defende o "fechamento" da economia "em níveis
que possam ser sustentados por
novas alianças políticas internacionais". Ele é taxativo: "Não há a
menor possibilidade de pensar-se
em qualquer transformação [...]
que tenha um caráter socializante ou socialista -do poder e da
riqueza- sem que o país tenha
uma ambição nacional que se
materialize em um projeto nacional". Na arena política, Genro
identifica a falência do modelo de
representação. Abraça a "democracia direta". Que passa pela
"exacerbação da consulta, do referendo, do plebiscito e de outras
formas de participação".
Fala de uma "reengenharia institucional nos diversos níveis da
federação". O modelo ideal contemplaria "uma estrutura parlamentar unicameral". Seus integrantes estariam sujeitos à cassação do mandato por "recall".
Também o presidente da República teria de reconfirmar o próprio mandato em consultas
anuais ao eleitorado.
Genro condiciona o sucesso do
"controle democrático do Estado"
a um ataque frontal ao "monopólio das comunicações". Acha que
é preciso "desconstituir" o poder
da mídia. A "manipulação da informação", diz ele, "tem sido fundamental para a implantação do
projeto neoliberal [...]."
Recomenda a criação de "uma
estrutura estatal de caráter político-administrativo", para regular
a "liberdade de informação e de
opinião, hoje totalmente comprometidas pela verdadeira ocupação que as elites fizeram dos
meios de comunicação mais potentes e incidentes sobre a vida
cotidiana". Haveria "um conselho permanente de democratização da informação, formado por
representantes designados pelos
três poderes e pelos partidos políticos, mas cuja composição majoritária seria formada por membros eleitos nos Estados".
A finalidade do conselho seria
"regrar e vigiar a aplicação de regras que permitam liberdade de
informação, livre trânsito de opiniões, obstrução de qualquer monopólio na área, bem como a elevação dos padrões éticos e culturais dos meios de comunicação".
Em resumo: o modelo petista
exposto por Genro passa por um
"realismo" que impõe ao brasileiro comum, eterno figurante de
sua história, um novo período de
espera antes de entrar em cena. E
desemboca na "utopia" de um regime submetido a meios de comunicação subjugados.
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