São Paulo, terça-feira, 31 de outubro de 2006

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Desenvolvimentismo vira mais retórica e menos conteúdo

GUSTAVO PATU
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Anunciado por seus adeptos no governo como diretriz para o segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, o desenvolvimentismo se mantém como um discurso com apelo no meio político, mas seu conteúdo se dilui a cada eleição.
Em 1998, as promessas tucanas de nova orientação para o segundo mandato ficaram na criação do Ministério do Desenvolvimento. Em 2002, a campanha petista ainda falava em substituição de importações e política industrial, dois dos pilares do pensamento e da prática desenvolvimentista que predominou no país entre as décadas de 30 e 80 do século passado. Hoje, a palavra não significa muito mais do que o desejo declarado de acelerar o crescimento econômico.
Nem os assim chamados desenvolvimentistas, encontrados sob diversas formas tanto no PT como no PSDB, têm mais a expectativa de retornar aos tempos em que o país mantinha sua economia fechada ao resto do mundo, a cotação do dólar era tabelada, estatais eram criadas para suprir a carência de investimentos privados e ninguém se importava se o déficit público era coberto por emissão de moeda.
A partir dos anos 50, quando ganhou status de quase ideologia, até 1980, quando iniciou sua crise terminal, esse modelo baseado nas idéias da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina, agência da ONU) levou o país a crescer a uma média de 7,4% ao ano e a deixar de ser uma economia essencialmente agrícola.
Sua substituta, a agenda liberal recomendada internacionalmente para os países latino-americanos, não conseguiu mais do que uma taxa média anual de crescimento de 2,1% entre 1990 e o ano passado -o que ajuda a explicar a sobrevivência, ao menos na retórica, do desenvolvimentismo.

Só reação
Embora tenham se mantido influentes no debate político, os desenvolvimentistas não conseguiram, no período, mais do que ajudar a conter a velocidade do avanço da ortodoxia liberal. Acusaram de excessivos, por exemplo, a abertura comercial e financeira e os apertos fiscal e monetário. Estiveram longe, porém, de ditar a pauta dos governos FHC e Lula.
Nos oito anos de tucanato, a corrente teve como principais representantes os ministros Luiz Carlos Bresser-Pereira (Administração e Ciência e Tecnologia) e José Serra (Planejamento e Saúde). Sob o petista, destacaram-se Carlos Lessa, que deixou o BNDES atacando a política econômica, e Guido Mantega, que deixou o banco de fomento para assumir o Ministério da Fazenda.
Primeiro desenvolvimentista no posto em 20 anos, Mantega ainda batalha para se manter em um segundo mandato. Até aqui, guiou-se pela moderação, limitando-se a conduzir um alívio calculado e eleitoralmente conveniente da política fiscal. Para o futuro, acena com uma aceleração do corte dos juros do Banco Central.
Sua pretensão esbarra, porém, no maior trunfo popular do modelo liberal sob FHC e Lula -a queda da inflação herdada, justamente, do colapso do desenvolvimentismo e, por extensão, a queda da desigualdade social desde 1994.

Hipóteses
Apenas três hipóteses permitem apostar numa redução mais radical dos juros: 1) a política atual do Banco Central está equivocada e pratica juros desnecessariamente altos; 2) o governo petista aceitará uma inflação bem maior que a meta de 4,5% ao ano; 3) o próprio BC entende que já afastou os riscos inflacionários.
Os dois primeiros casos significariam uma ruptura de Lula com o pensamento que norteou seu primeiro mandato e deu resultados decisivos para sua reeleição. Na terceira e improvável possibilidade, trata-se de continuidade da política anterior, não da adoção de um novo modelo.
Especulação à parte, o próprio Mantega diz que o governo já pratica hoje o desenvolvimentismo, em oposição ao "neoliberalismo" de Fernando Henrique Cardoso -o que mostra como os termos se tornaram adaptáveis às conveniências políticas.


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