São Paulo, domingo, 31 de dezembro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

SEGUNDO MANDATO EM DEBATE

Expectativas minguadas

EDUARDO GIANNETTI
ESPECIAL PARA A FOLHA

O QUE ESPERAR do segundo mandato de Lula? A ambigüidade do verbo "esperar" em nossa língua recomenda desdobrar a pergunta em duas. A primeira remete ao universo do desejável: o que esperaríamos, no melhor cenário, de um novo governo? A segunda é um exercício de previsão fria: o que é realista esperar de Lula-2 no cenário mais provável? O esperar desejoso, pai da esperança, inspira respostas que o esperar preditivo, filho da razão, não autoriza.
O fosso é enorme. Acelerar o crescimento e reduzir a desigualdade de modo permanente são os principais desafios do país. O problema é que para enfrentá-los o novo governo precisaria não só de um diagnóstico correto dos obstáculos como de ousadia e liderança para implementar um espinhoso conjunto de reformas. Por mais que me esforce em procurar sinais de que Lula-2 estará à altura desses desafios, não sou capaz de detectá-los. Como brasileiro, profissional da esperança, torço sinceramente para estar enganado. Como analista, entretanto, duvido que esteja.
Lula-1 prometeu o "espetáculo do crescimento". Lula-2 anuncia "meta" de 5% em 2007. Será diferente agora? O crescimento não é algo que se possa fabricar com decretos, alvarás e ordens régias. Ele resulta do esforço de poupança e investimento da sociedade -setores privado e público- visando um futuro melhor. O nome desse jogo é acumulação de capital: físico e humano.
O Brasil cresce pouco porque: 1) o Estado drena cerca de 40% do valor criado pelo trabalho dos brasileiros e faz um uso desastroso desses recursos e 2) o nosso ambiente de negócios é um dos piores do planeta para a abertura, gestão e fechamento de empresas. Um país no qual 52,8% da mão-de-obra ocupada não tem uma situação regular de emprego está mais para a selva do que para o livre-mercado. O Brasil figura na última posição, entre 175 países, no quesito tempo gasto pelas empresas para pagar tributos (2,6 mil horas/ano contra 68 na Suíça e 76 na Irlanda) -haja neoliberalismo! Pacotes de desoneração e subsídios, na velha tradição mercantilista, não dão conta do desafio.
Além das reformas pró-emprego e crescimento (trabalhista, previdenciária e tributária), a educação deveria ser o ponto de honra de um governo comprometido com a redução da pobreza. Salário mínimo e programas assistenciais trazem alívio (e votos), mas não tocam na raiz do problema. Nossos alunos ficam nas últimas colocações sempre que participam de testes internacionais. Dos adolescentes, 55% estão em série atrasada na escola. O Brasil clama por um "Juscelino do capital humano" -um presidente capaz de romper o marasmo e incendiar a sociedade com seu entusiasmo pelo ensino fundamental e médio de qualidade.
Estará Lula-2 à altura? Podia ser pior. O populismo anda em alta, não só na América Latina -o leste europeu vai pela mesma senda. Lula é uma versão branda do fenômeno. Um segundo mandato não possui o impulso de mudança e ímpeto renovador do primeiro. O mais provável? Mais do mesmo: estabilidade macro, baixo crescimento, assistencialismo analgésico. Difícil esperar mais.


EDUARDO GIANNETTI DA FONSECA é economista, cientista social e professor do Ibmec-SP. É autor, entre outros livros, de "O Valor do Amanhã" (2005), "Auto-Engano" (1997) e "Vícios Privados, Benefícios Públicos" (1993), todos da Companhia das Letras

Texto Anterior: Em discurso, Lula dirá que segurança será prioridade
Próximo Texto: Desafios ao Ministro da Justiça
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.