São Paulo, domingo, 31 de dezembro de 2006

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Desafios ao Ministro da Justiça

ISABEL LUSTOSA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O SEGUNDO GOVERNO Lula se prenuncia mais fácil -pelo menos para o seu titular- do que o primeiro. Sem perspectivas de uma nova eleição majoritária e não tendo no cenário político nenhum herdeiro com chances de empolgar o eleitorado nacional, Lula deixa de ser o alvo preferencial da oposição.
O mesmo não se pode dizer de seu partido. Muitas coisas se esfrangalharam durante esses últimos quatro anos. A mais importante foi o sonho de um partido diferente dos outros.
Durante os quase 25 anos em que o PT competiu e não elegeu para cargos majoritários, seus filiados e simpatizantes alimentaram a ilusão de que, quando isto acontecesse, tudo seria diferente. Não foi.
Se o PT não esteve no centro do maior caso de corrupção da história, como quis crer a oposição, o fato é que, obrigado ou não pelas circunstancias, se valeu dos mesmos métodos dos partidos tradicionais. Sujou-se por pouco.
Não é o caso de se recomendar como fez aquele personagem de Machado de Assis: "Quer sujar-se? Suje-se gordo". Mas de lembrar que é obrigação do PT, durante esse novo mandato, resgatar sua imagem, trabalhando para que o sistema não leve obrigatoriamente o político a sujar-se.
O espetáculo do primeiro governo Lula que mais empolgou o eleitorado -ao lado dos programas sociais- foi o das ações da Polícia Federal, pondo na prisão corruptos de grosso calibre. Foram essas ações que elevaram o prestígio da corporação e do governo que a abrigava. Matérias publicadas nos jornais mostrando como a justiça tinha posto rapidamente na rua boa parte dos presos levaram o cidadão a cobrar da boa imprensa investigativa que se ocupe da caixa preta do Judiciário, arrolando aqueles magistrados que mais deram sentenças favoráveis a notórios criminosos.
Por isso merece que seja decidida com todo o cuidado a substituição do ministro Márcio Thomas Bastos. Esse ministro marcou sua passagem pelo governo por uma elegante, correta e equilibrada atividade, estabelecendo eficiente cooperação com o diretor-geral da Polícia Federal, Paulo Lacerda.
Destaque merecem seus esforços nas crises que envolveram a PF durante a campanha eleitoral, procurando e pedindo aos políticos da oposição que não desmoralizassem aquela corporação. Esforços que revelam consciência da importância do chamado "moral da tropa", ou seja: o sentimento de auto-estima necessário para o bom desempenho de qualquer ofício.
Esse advogado rico, chique, um tanto esnobe, sem atividade política anterior conhecida, que declarou ao assumir que aceitara ser ministro apenas por vaidade, revelou-se o melhor quadro do governo que ora finda. Tomara que o seu sucessor tenha o bom senso e a modéstia de reconhecer a qualidade de suas realizações, conservando-as. E que siga seu exemplo, não usando o cargo como trampolim para coisas supostamente maiores, considerando suficiente para sua vaidade ter feito o melhor no honrado e prestigiado posto de Ministro da Justiça da República Federativa do Brasil.


ISABEL LUSTOSA é cientista política, historiadora da Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro, e autora de "D. Pedro I - Um Herói Sem Nenhum Caráter" (2006, Companhia das Letras) e de "As Trapaças da Sorte" (2004, UFMG)

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