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Emissão precisa cair pela metade
As negociações entre países ricos e pobres para tentar desacelerar o aquecimento global podem ficar mais complicadas do que se esperava
RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL
Deter o aquecimento global
vai ser difícil, os resultados vão
demorar a aparecer e vai ser
preciso negociar muito para
que o potencial de redução na
emissão de gases-estufa nos
países em desenvolvimento
possa ser aproveitado. Segundo
o IPCC, o maior volume das
oportunidades mais fáceis para
tentar frear a mudança climática está nas nações pobres.
Os números divulgados ontem indicam que para evitar o
pior cenário possível em 2100
-um aumento maior que 4,5C
na temperatura média global-,
a humanidade teria de cortar
pela metade a emissão de gás
carbônico prevista para esse século. Um desafio e tanto.
"Se quisermos limitar o
aquecimento a 2C, podemos
jogar "apenas" 750 bilhões de
toneladas de CO2 na atmosfera
neste século", disse à Folha
Meinrat Andreae, climatologista do Instituto Max Planck
de Química, da Alemanha. Se
não fizermos nada, emitiremos
no fim do século até 1,4 trilhão
de toneladas.
Impossível? "Não há um momento a partir do qual a coisa
se torna impossível, mas ela fica mais difícil à medida que o
tempo passa", diz Andreae.
Para ter uma idéia do tamanho do problema que é evitar a
emissão de 650 bilhões de toneladas de CO2, basta saber que
o Protocolo de Kyoto -tratado
assinado em 1997 para cortes
de emissão- previa conter só 5
bilhões em emissões até 2012.
Para traçar um panorama
maior de mitigação (medidas
para reduzir o gás carbônico na
atmosfera), o chamado Grupo
de Trabalho 3 do IPCC prepara
um relatório para maio. Uma
versão preliminar do trabalho
obtida pela Folha mostra que
os cientistas já estimam como
evitar a emissão de até 40 bilhões de toneladas de CO2 até
2030 (veja quadro acima).
O trabalho do Grupo 3 está
deixando três idéias claras.
A primeira delas é que não
vai adiantar tentar concentrar
mudanças apenas na política
de geração de energia. A indústria e a agricultura têm uma
grande contribuição a dar. "E o
relatório está mostrando que o
potencial na parte de edificações [residências e comércio] é
absurdamente grande", diz Roberto Schaeffer, economista da
UFRJ que integra o grupo.
A segunda é uma das poucas
boas notícias relativa a mitigação e se refere aos custos para
cortar emissões.
Uma boa parte do trabalho
pode se feita por meio de investimentos que retornam, resultando em custo zero ao final
"Em geral são melhorias em
eficiência energética", diz
Schaeffer. Para simplificar,
basta pensar que economizar
energia significa economizar
dinheiro também. "Existem inclusive medidas que têm custo
negativo [ou seja, dão lucro]."
O terceiro e mais complicado
aspecto apontado pelo relatório provisório, porém, é uma
constatação que já estava esboçada pelo Protocolo de Kyoto:
as melhores oportunidades para cortar emissões estão nos
países em desenvolvimento.
"A razão desse potencial, de
maneira geral, é que a infra-estrutura desses países ainda não
foi totalmente construída", diz
Schaeffer."Quem ainda está
por fazer usinas e indústrias
ainda tem a opção de escolher
tecnologias mais limpas", explica. "Para quem já tem tudo
instalado, fica mais difícil."
Diante desse cenário, os países industrializados poderiam
tentar empurrar a responsabilidade para os pobres, exceto
por uma razão. "A responsabilidade histórica dos países desenvolvidos é muito maior do
que a nossa, e hoje eles emitem
muito mais", diz Suzana Kahn
Ribeiro, também da UFRJ e do
Grupo 3 do IPCC.
Kyoto desobrigou os pobres
de reduzir de emissões, mas a
pressão para que isso ocorra no
futuro é cada vez maior.
Há uma corrente de acadêmicos que é contra isso. "Impor
metas do tipo "Kyoto" a um país
como o Brasil não funcionaria,
porque o governo não tem tanto controle sobre o desmatamento da Amazônia, que é a
nossa maior fonte de emissão",
diz o físico Luiz Gylvan Meira
Filho, da USP.
Como, então, criar um incentivo para que nações pobres
aproveitem seu potencial?
Meira Filho foi um dos artífices
chamado Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL),
ferramenta do acordo de Kyoto
que gerou um mercado no qual
países ricos podem bancar medidas de mitigação para os pobres em troca de abatimento
nas suas cotas de redução.
"Com todo esse potencial nos
países em desenvolvimento,
com as opções mais baratas
aqui, nossos projetos de mitigação são muito mais atraentes",
diz Khan Ribeiro. "O problema
é que se todos esses projetos forem feitos gerando créditos para países desenvolvidos, eles
bancarão apenas a parte mais
fácil da solução."
Se os países em desenvolvimento tiverem de assumir metas, a parte mais fácil do trabalho já vai ter entrado na conta
das nações ricas, raciocina Ribeiro. "Aí só nos restariam as
opções mais caras". O problema seria contornável se a mitigação nos países pobres fosse
bancada por fundos internacionais. Desatar esse nó demandará muita discussão na formulação de um acordo pós-Kyoto (o
protocolo expira em 2012).
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