São Paulo, sexta-feira, 03 de setembro de 2010

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ANÁLISE

Incrível mesmo seria se a ciência usasse fé como explicação

HÉLIO SCHWARTSMAN
ARTICULISTA DA FOLHA

Incrível mesmo seria se Hawking tivesse encontrado um Deus oculto entre supercordas e multiversos. Pelo menos desde Laplace (1749-1827), para quem o Criador era uma "hipótese desnecessária", o trabalho dos físicos consiste justamente em encontrar explicações naturalistas para as coisas.
A intenção de Hawking de trazer Deus para o debate, porém, é revelada desde o título de seu novo livro: "The Grand Design". O exercício é legítimo como provocação e deve ajudar nas vendas, mas acrescenta pouco em termos epistemológicos.
Na verdade, uma teoria que dependesse de uma inteligência infinita para parar em pé é que seria excomungada "latae sententiae" da ciência, pois incorreria no pecado de multiplicar desnecessariamente as entidades explicativas, violando o princípio da navalha de Occam.
Daí não decorre que ciência e religião não possam dialogar e, como muitas vezes ocorre, brigar uma com a outra. Só que é preciso ser mais específico e não se devem esperar nocautes triunfantes.
Não conseguimos demonstrar para além de qualquer dúvida seja a existência ou a inexistência de um ente supremo. Mas podemos levar a sério algumas teses religiosas, convertê-las em hipóteses e testá-las cientificamente. Isso nos permite descartar, por exemplo, a ideia de que a Terra tem menos de 10 mil anos de idade, como querem os criacionistas bíblicos.
De modo análogo, podemos estimar como remotas as chances de um nascimento virginal no século 1º a.C. ou de pessoas mortas, às vezes há milhares de anos, voltarem à vida no futuro.
O alcance desses testes, contudo, é limitado, uma vez que os crentes sempre podem recorrer à noção de que Deus tem, por definição, o poder de suspender quando quiser as leis da natureza.
Assim, desde que evitem juízos verificáveis sobre o presente ou o passado, religiões podem sobreviver sem feridas fatais ao escrutínio da ciência. Cérebros selecionados durante milhares de anos para crer não precisam de muito mais do que isso.


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