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ARQUEOLOGIA
Extração de ouro em área indígena leva arqueólogos a oficina de artefatos de pedra dos primeiros amazônicos
Garimpo revela tesouro pré-histórico no PA
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
Um grupo de garimpeiros que
extraía ouro dentro de uma reserva indígena no Pará pode ter acidentalmente esbarrado em um
dos sítios arqueológicos mais antigos da América. Ali, na semana
passada, uma equipe de cientistas
dos Estados Unidos e do Brasil
identificou um ateliê onde homens amazônicos pré-históricos
fabricavam instrumentos de pedra há até 10.500 anos.
A descoberta do sítio, hoje submerso no meio do rio Curuá,
afluente do Xingu, é um exemplo
de como a atividades predatórias
e no mais das vezes ilegais são tão
disseminadas na Amazônia que
às vezes acabam produzindo benefícios inesperados -ao menos
para a ciência. Ela foi feita há dois
anos, quando um grupo de garimpeiros dragava o Curuá dentro da área dos índios caiapós, na
região sul do Estado.
Segundo a arqueóloga americana Anna Roosevelt, que faz pesquisas na área e chegou ao novo
sítio por meio de informações dos
próprios garimpeiros, uma ponta
de projétil de quartzo de 11 centímetros de comprimento literalmente caiu na mão de um deles
durante a dragagem. O objeto foi
vendido na cidade de Altamira,
mas, de acordo com a pesquisadora da Universidade de Illinois
em Chicago, pôde ser localizado
posteriormente e entregue aos índios -depois de ter sido fotografado e analisado pela equipe.
"Essa ponta é um dos objetos
mais importantes do legado cultural antigo indígena já encontrado na Amazônia", diz Roosevelt.
No final de novembro, ela e sua
equipe estiveram no local e confirmaram a presença de centenas
de lascas de quartzo no meio do
entulho da mina. Como não tem
autorização do Iphan (Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) para escavar no local, no entanto, Roosevelt só registrou as coordenadas do sítio.
Avós dos índios
A pesquisadora americana diz
apostar, dada a quantidade de lascas, que o local seja uma antiga
oficina de fabricação de pontas de
projétil. Se confirmada a suspeita,
será a primeira do gênero identificada a céu aberto na Amazônia
-possivelmente um local de pesca farta para os primeiros amazônicos. Uma outra "fábrica" semelhante havia sido descoberta também por Roosevelt no abrigo da
Pedra Pintada, no município de
Monte Alegre (na bacia do rio Tapajós), em 1992.
A Pedra Pintada é um dos sítios
mais antigos das Américas, datado em 10.500 anos atrás. A caverna corresponde ao período da
chamada ocupação paleoíndia, a
mais antiga do continente, e vai
de pelo menos 11 mil anos atrás
(os arqueólogos ainda debatem a
idade da chegada dos primeiros
seres humanos à América) até
8.000 anos atrás.
Figura legendária na arqueologia sul-americana e famosa por
suas teorias sobre o desenvolvimento de sociedades complexas
na bacia amazônica, Roosevelt,
62, disse à Folha que a ponta descoberta pelos garimpeiros no rio
Curuá provavelmente data do
mesmo período que o abrigo de
Monte Alegre. "O estilo e o método de fabricação são semelhantes", afirmou. "Além do mais, não
existem pontas de projétil desse
tipo em sítios mais recentes."
O arqueólogo Eduardo Góes
Neves, do MAE (Museu de Arqueologia e Etnografia) da USP
diz que a descoberta pode ser importante. "Pontas bifaciais são raras na Amazônia", afirma. Mas
pede cautela na atribuição de idade: "A Anna acha que elas são
bem antigas, eu penso que talvez
não. No sítio Dona Stella [no
Amazonas] nós achamos até agora a única em contexto [ou seja,
escavada no local original] na
Amazônia e as datas não são tão
antigas quanto a Anna sugere".
Hipóteses
Se a americana estiver certa, no
entanto, a ponta de cristal do rio
Curuá poderá revelar aos cientistas um manancial de informações
sobre os paleoíndios. Roosevelt
aposta, por exemplo, que os primeiros habitantes da Amazônia
fossem muito mais móveis e ocupassem uma área muito maior do
que o que se imagina.
"Eles andavam um bocado por
aí. Achava-se que áreas rochosas
[como a região do Curuá] fossem
barreiras aos paleoíndios. Mas os
solos da região são muito férteis.
A idéia que se fazia dos recursos
da floresta [para sustentar populações indígenas] antigamente era
muito nebulosa."
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