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Micro/Macro
Mais um planeta?
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
No dia 16 de março, um time de astrônomos liderados por Michael E.
Brown, do Instituto de Tecnologia da
Califórnia, anunciou a descoberta de um
novo membro do Sistema Solar, o "pequeno planeta 2003 VB12, cujo nome popular é Sedna". Sedna é uma deusa dos
esquimós que vive em uma caverna gelada no fundo do oceano Ártico.
A descoberta iniciou um acirrado debate entre os astrônomos. Sedna é o décimo planeta, ou apenas um grande asteróide? A resposta depende de como se
define planeta. E essa definição não é nada trivial. Dependendo do que for decidido pela União Astronômica Mundial, e
isso pode demorar mais de uma década,
mesmo Plutão pode perder o seu status
de planeta. (Pouco provável.)
Pode-se dizer que planeta é um corpo
esférico que gira em torno do Sol em órbitas aproximadamente circulares. Todos os nove planetas são aproximadamente esféricos. Sedna também é, o que
pode ajudar em seus status de planeta.
Mas alguns grandes asteróides também
são esféricos e não são considerados planetas. São necessários outros critérios.
"Órbitas aproximadamente circulares" porque órbitas não são circulares,
mas elípticas. O alongamento de uma
elipse, sua distorção em relação a um círculo perfeito, é chamado de excentricidade. Portanto, um círculo tem excentricidade nula, enquanto órbitas de cometas podem ter excentricidades muito
grandes, refletindo suas órbitas alongadas em torno do Sol.
Em termos de excentricidade, Mercúrio e Plutão são já bem diferentes dos outros planetas. Há quem diga que ambos
têm excentricidades muito grandes para
serem considerados planetas. A excentricidade de Plutão é quase 28 vezes
maior que a de seu vizinho Netuno.
Outro problema é a inclinação com relação ao plano eclíptico. Esse plano vem
do fato de o Sistema Solar estar arranjado feito uma pizza: os planetas giram em
torno do Sol em um plano achatado. Novamente, Mercúrio e Plutão são os rebeldes: Mercúrio está a 7 de inclinação em
relação ao plano, enquanto Plutão está a
17,2. Alguns acham que isso deveria expulsar Plutão do time dos planetas.
Sedna é ainda mais controverso. Sua
distância da Terra é hoje de mais de 13 bilhões de quilômetros, três vezes maior
do que a de Plutão. Astrônomos estimam que Sedna tenha 3/4 do tamanho
de Plutão. Considerando que o raio de
Plutão é 18% do raio da Terra, Sedna é
bem pequeno. Ainda assim, é o maior integrante do Sistema Solar após Plutão, o
que ajuda em seu status de planeta.
Sua órbita é incrivelmente excêntrica:
em seu ponto de maior proximidade do
Sol, Sedna está 76 vezes mais distante do
que a Terra. Plutão está 30 vezes. Em seu
ponto de maior distância do Sol, está 880
vezes mais distante do que a Terra. Plutão está 49,3 vezes. Ou seja, julgando pela
sua excentricidade, Sedna tem mais cara
de cometa do que de planeta. Ele demora
10.500 anos para completar uma órbita
em torno do Sol. Plutão demora 248.
Cometa ele não é. Sua superfície, ao
contrário da dos cometas, não está coberta por materiais gelados típicos de cometas, como amônia, hidrogênio, água e
metano. Aliás, sua superfície é quase tão
vermelha quanto a de Marte, algo bem
misterioso. Astrônomos ainda não conseguiram analisar sua composição química para determinar de onde vem essa
cor vermelha.
Outro problema é como Sedna foi parar em sua estranha órbita, tão longe do
Sol quando comparada com a de outros
planetas, mas tão perto quando comparada com a de cometas de órbita alongada. Isso porque cometas são provenientes de duas regiões do Sistema Solar, espécies de berçários de cometas. Uma, o
cinturão de Kuiper, fica um pouco além
da órbita de Netuno. Outra, a nuvem de
Oort, fica bem mais longe, o berçário dos
cometas de órbita alongada, a mais de 10
mil vezes a distância entre Sol e Terra.
Sedna fica no meio. Uma hipótese é
que ele tenha sido posto nessa órbita por
uma estrela vizinha ao Sol, durante a formação do Sistema Solar. Qualquer que
seja a explicação ou o status final de Sedna, fica a lição: quem acha que ciência tira o mistério da natureza, veja como, ao
contrário, é ela que nos apresenta sempre novas questões e desafios que ampliam a compreensão do Universo em
que vivemos.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do
Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do
livro "O Fim da Terra e do Céu"
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