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+ Marcelo Leite
Proteção aos animais
Parece sensato proteger de modo diferenciado animais com maior capacidade de sofrer e angustiar-se
Parlamentares do Congresso Nacional sabem proteger os seus,
como deixaram patente as manifestações de solidariedade ao tucano Ronaldo Cunha Lima, que renunciou ao mandato de deputado para escapar de julgamento agendado no Supremo Tribunal Federal. Há 14 anos, o
paraibano havia dado um tiro na cara
do rival Tarcísio Burity, sem conseguir matá-lo (Burity só morreria anos
depois, em 2003).
No que respeita a animais de verdade, contudo, o Congresso demonstra
desprezo, na melhor das hipóteses.
Nunca se deu ao trabalho de aprovar
legislação que de fato discipline o uso
de animais em pesquisa. A lei em vigor
(nº 6.638), sancionada em 1979 pelo
nada saudoso general João Figueiredo, carece até hoje de regulamentação. Vale dizer: não pegou.
Não que alguns parlamentares não
tenham tentado. Em 1995 -12 anos
atrás, portanto- o deputado e médico
sanitarista Sérgio Arouca (PPS-RJ,
morto também em 2003) apresentou
um projeto de lei (nº 1.153) razoável.
A proposta de Arouca criava um Sistema Nacional de Controle de Animais de Laboratório (Sinalab), sob a
égide do Ministério do Meio Ambiente. Fixava normas para a responsabilização administrativa, civil e penal na
experimentação e vivissecção de animais, mas só daqueles do filo Chordata, ou cordados, bichos com pelo menos um rascunho de coluna vertebral.
De fato, não há muito sentido em
criar regras para dissecar minhocas,
como fazia a inesquecível professora
Zulmira, do Colégio Bandeirantes, em
1970. Defensores mais extremados
dos direitos dos animais podem não
concordar, mas parece sensato proteger de modo diferenciado aqueles animais com maior capacidade de sofrer
e angustiar-se -mais parecidos conosco, enfim.
Chamar essa premissa de "especismo" não resolve a questão. Animais
não-humanos nunca serão iguais a
animais humanos. O problema é que
eles tampouco são tão diferentes
quanto se considerava poucas décadas
atrás, a ponto de justificar-se seu uso
como coisas.
Pois bem: após alguma discussão
com a comunidade científica, em 1997
o governo FHC encaminhou ao Congresso um projeto de lei reformulado
(nº 3.964). Em lugar de um Sinalab
agora se propõe um Concea (Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal), abrigado já no Ministério da Ciência e Tecnologia, não
mais no Meio Ambiente. Em lugar de
cordados, só protege vertebrados.
Oito das 14 cadeiras ficam reservadas para entidades científicas, hegemonia que pode vir a ser questionada.
Ela permite supor que, entre o interesse dos pesquisadores e o dos animais, o Concea fique com o primeiro.
Além disso, seria bem-vinda uma
menção mais explícita, no projeto, à
obrigação de só realizar experimentos
que não possam ser substituídos por
métodos alternativos.
Apesar disso, é outra proposta razoável, que tiraria os animais do limbo
legal que o Brasil lhes reserva, na contramão da maioria dos países civilizados. É sobre esse par de propostas, ora
em tramitação conjunta na Câmara
dos Deputados, que a Federação de
Sociedades de Biologia Experimental
(Fesbe) pede decisão num abaixo-assinado que na quinta-feira já contava
com 2.359 apoios. Até agora, em vão.
O tucano Cunha Lima afirmou, em
sua carta de renúncia, que preferia ser
julgado na Justiça comum. "Como um
igual que sempre fui", escreveu. Como
também diziam os porcos de "Revolução dos Bichos", clássico de George
Orwell, todos os animais são iguais
-mas alguns animais são mais iguais
que outros.
MARCELO LEITE é autor de "Promessas do Genoma" (Editora da Unesp, 2007) e de "Clones Demais" e "O Resgate das Cobaias", da série de ficção infanto-juvenil Ciência em
Dia (Editora Ática, 2007). Blog: Ciência em Dia (www.cienciaemdia.zip.net). E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
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