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Para cientista, saída é injetar tecnologia nos países pobres
Segundo Ogunlade Davidson, os mecanismos limpos precisam chamar mais a atenção dos grandes investidores
De acordo com um dos
coordenadores do IPCC,
mitigação do aquecimento
global não vai diminuir o
número de empregos
DO ENVIADO A BANCOC
O relatório do IPCC pode não
fazer recomendações de políticas públicas aos governos. Mas
seu co-coordenador, Ogunlade
Davidson, tem uma idéia muito
clara de o que o acordo substituto do Protocolo de Kyoto deve fazer para funcionar: injetar
maciçamente tecnologia e dinheiro nos países pobres, onde
está o maior potencial de redução de emissões de carbono.
Davidson, professor de engenharia da Universidade de Serra Leoa, advoga uma expansão
do MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo) -um
artifício do acordo de Kyoto
por meio do qual os países ricos
ganham créditos de carbono
com projetos que reduzam
emissões nos países pobres, onde a mitigação é mais barata.
O sumário executivo do Grupo 3 do IPCC, que Davidson
coordenou, mostra que mais de
60% do potencial de redução de
emissões futuras se encontra
nos países pobres.
O MDL pode aproveitar esse
potencial. Mas "ele não é bem
desenhado hoje", disse à Folha
Davidson, que critica a falta de
capacidade do mecanismo de
atrair grandes investimentos.
Leia a entrevista.
(CA)
FOLHA - Antes de tudo, gostaria de
perguntar: um custo de até 3% do
PIB mundial é muito ou pouco?
OGUNLADE DAVIDSON - Isso deve
ser visto num contexto específico. É muito dinheiro se você
pensar em termos nacionais.
Mas não é muito se você pensar
em termos globais. Você sempre gasta uma fração significativa do PIB em coisas que são
completamente inúteis, como
vazamentos de óleo e conflitos.
Há muito desperdício no sistema global. Então, 2% a 3% do
PIB num mundo com tanto
desperdício é algo que nós podemos bancar.
FOLHA - O texto do IPCC não fala
dos custos da inação, enquanto o
Relatório Stern prevê que até 20%
do PIB possa ser perdido com o
aquecimento. Por que a omissão?
DAVIDSON - Nós procuramos
satisfazer um objetivo. Nós só
analisamos a literatura. E a literatura sobre os custos da inação é muito fraca. O Relatório
Stern foi encomendado por um
governo, com o objetivo específico. Ele é uma boa indicação do
que seria o custo, e de que seria
alto, especialmente para os países pobres. Ele ainda ajuda a
pôr o custo da mitigação em
perspectiva. A maior parte do
custo do carbono discutido na
mitigação era muito baixa.
Quando o MDL começou, os
preços eram de US$ 3 a US$ 4
por tonelada. Você não vai ajudar os países a escapar do prejuízo que eles vão sofrer com a
mudança climática com um
carbono a esse preço. Um dos
benefícios do Relatório Stern,
feito pelo Reino Unido, realmente é ajudar as pessoas a melhorar o entendimento do custo da inação. E também estimula a realização de pesquisas melhores (risos)!
FOLHA - Não entendi uma coisa: o
sr. disse que um preço alto para o
carbono pode ser uma virtude?
DAVIDSON - Não diria preço alto, mas um preço maior do que
o que tem sido praticado pode
ser benéfico para os países pobres, que mais sofrerão com a
mudança climática. O único benefício de um preço baixo é pagar o
que foi investido,
recuperar o carbono a um custo
pequeno. Hoje
acho que nós deveríamos falar de
US$ 20 a US$ 25
por tonelada. Se o
preço é baixo demais, cria-se um
desequilíbrio na
economia. Se é alto demais, ninguém faz nada.
FOLHA - Do ponto
de vista político, esse
relatório bate um prego no caixão
do argumento usado por alguns países de que o combate ao aquecimento global ameaça os empregos?
DAVIDSON - Veja: se você aumenta a automação de um setor da economia, por exemplo,
você corta empregos, mas se
desenvolve. Os empregos que
você perderá, você perderia de
qualquer jeito, por causa da estrutura normal da economia.
Se você muda para energias renováveis, você pode até empregar mais gente. Então, acho que
o argumento não é válido. O
que pode acontecer é uma
transferência dos empregos
entre setores.
FOLHA - Como o sr. acha que as negociações de um acordo substituto
ao Protocolo de Kyoto serão influenciadas por esse relatório? Haverá
uma pressão maior para que os países pobres adotem metas obrigatórias de redução?
DAVIDSON - Não acho que haverá uma pressão maior que a
existente hoje. A pressão sobre
os pobres existe porque as pessoas querem dividir os prejuízos, e isso é aceitável num processo de negociação. Mas o relatório não influencia a negociação, ele dá mais informação
para negociar. Ele dá informação para implementar as atividades socioeconômicas necessárias. E diz quais são as dificuldades. O problema com as metas para os países pobres é que o
acordo original de Kyoto dizia
que os países ricos deveriam
cortar suas emissões abaixo do
nível de 1990, e eles não conseguiram. E os países pobres
acham difícil agir quando países mais equipados que eles
não conseguiram. O texto mostra que você pode fazer várias
coisas interessantes. Mas para
isso é necessário vontade política, algo que está fora do escopo do relatório.
FOLHA - O sr. imagina algo como os
países ricos usando transferência de
tecnologia para aproveitar o potencial de mitigação dos países pobres,
que é bem maior?
DAVIDSON - Bem, é isso o que o
MDL é! E o MDL pode ser bom,
se for bem desenhado. Não
acho que ele seja bem desenhado hoje. Você tem de ter parte
do MDL que atraia grandes investimentos, e hoje o MDL trabalha com pequenos investimentos, por causa do preço do
carbono. Outra coisa é que o
custo de transação de um projeto de MDL é muito alto, mais
do que em um projeto normal.
E, quando você tem custos altos, os grandes investidores fogem. Nós deveríamos tentar fazer um MDL expandido.
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