São Paulo, sábado, 05 de maio de 2007

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Para cientista, saída é injetar tecnologia nos países pobres

Segundo Ogunlade Davidson, os mecanismos limpos precisam chamar mais a atenção dos grandes investidores

De acordo com um dos coordenadores do IPCC, mitigação do aquecimento global não vai diminuir o número de empregos

DO ENVIADO A BANCOC

O relatório do IPCC pode não fazer recomendações de políticas públicas aos governos. Mas seu co-coordenador, Ogunlade Davidson, tem uma idéia muito clara de o que o acordo substituto do Protocolo de Kyoto deve fazer para funcionar: injetar maciçamente tecnologia e dinheiro nos países pobres, onde está o maior potencial de redução de emissões de carbono. Davidson, professor de engenharia da Universidade de Serra Leoa, advoga uma expansão do MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo) -um artifício do acordo de Kyoto por meio do qual os países ricos ganham créditos de carbono com projetos que reduzam emissões nos países pobres, onde a mitigação é mais barata.
O sumário executivo do Grupo 3 do IPCC, que Davidson coordenou, mostra que mais de 60% do potencial de redução de emissões futuras se encontra nos países pobres. O MDL pode aproveitar esse potencial. Mas "ele não é bem desenhado hoje", disse à Folha Davidson, que critica a falta de capacidade do mecanismo de atrair grandes investimentos. Leia a entrevista. (CA)

 

FOLHA - Antes de tudo, gostaria de perguntar: um custo de até 3% do PIB mundial é muito ou pouco?
OGUNLADE DAVIDSON
- Isso deve ser visto num contexto específico. É muito dinheiro se você pensar em termos nacionais. Mas não é muito se você pensar em termos globais. Você sempre gasta uma fração significativa do PIB em coisas que são completamente inúteis, como vazamentos de óleo e conflitos.
Há muito desperdício no sistema global. Então, 2% a 3% do PIB num mundo com tanto desperdício é algo que nós podemos bancar.

FOLHA - O texto do IPCC não fala dos custos da inação, enquanto o Relatório Stern prevê que até 20% do PIB possa ser perdido com o aquecimento. Por que a omissão?
DAVIDSON
- Nós procuramos satisfazer um objetivo. Nós só analisamos a literatura. E a literatura sobre os custos da inação é muito fraca. O Relatório Stern foi encomendado por um governo, com o objetivo específico. Ele é uma boa indicação do que seria o custo, e de que seria alto, especialmente para os países pobres. Ele ainda ajuda a pôr o custo da mitigação em perspectiva. A maior parte do custo do carbono discutido na mitigação era muito baixa.
Quando o MDL começou, os preços eram de US$ 3 a US$ 4 por tonelada. Você não vai ajudar os países a escapar do prejuízo que eles vão sofrer com a mudança climática com um carbono a esse preço. Um dos benefícios do Relatório Stern, feito pelo Reino Unido, realmente é ajudar as pessoas a melhorar o entendimento do custo da inação. E também estimula a realização de pesquisas melhores (risos)!

FOLHA - Não entendi uma coisa: o sr. disse que um preço alto para o carbono pode ser uma virtude?
DAVIDSON
- Não diria preço alto, mas um preço maior do que o que tem sido praticado pode ser benéfico para os países pobres, que mais sofrerão com a mudança climática. O único benefício de um preço baixo é pagar o que foi investido, recuperar o carbono a um custo pequeno. Hoje acho que nós deveríamos falar de US$ 20 a US$ 25 por tonelada. Se o preço é baixo demais, cria-se um desequilíbrio na economia. Se é alto demais, ninguém faz nada.

FOLHA - Do ponto de vista político, esse relatório bate um prego no caixão do argumento usado por alguns países de que o combate ao aquecimento global ameaça os empregos?
DAVIDSON
- Veja: se você aumenta a automação de um setor da economia, por exemplo, você corta empregos, mas se desenvolve. Os empregos que você perderá, você perderia de qualquer jeito, por causa da estrutura normal da economia. Se você muda para energias renováveis, você pode até empregar mais gente. Então, acho que o argumento não é válido. O que pode acontecer é uma transferência dos empregos entre setores.

FOLHA - Como o sr. acha que as negociações de um acordo substituto ao Protocolo de Kyoto serão influenciadas por esse relatório? Haverá uma pressão maior para que os países pobres adotem metas obrigatórias de redução?
DAVIDSON
- Não acho que haverá uma pressão maior que a existente hoje. A pressão sobre os pobres existe porque as pessoas querem dividir os prejuízos, e isso é aceitável num processo de negociação. Mas o relatório não influencia a negociação, ele dá mais informação para negociar. Ele dá informação para implementar as atividades socioeconômicas necessárias. E diz quais são as dificuldades. O problema com as metas para os países pobres é que o acordo original de Kyoto dizia que os países ricos deveriam cortar suas emissões abaixo do nível de 1990, e eles não conseguiram. E os países pobres acham difícil agir quando países mais equipados que eles não conseguiram. O texto mostra que você pode fazer várias coisas interessantes. Mas para isso é necessário vontade política, algo que está fora do escopo do relatório.

FOLHA - O sr. imagina algo como os países ricos usando transferência de tecnologia para aproveitar o potencial de mitigação dos países pobres, que é bem maior?
DAVIDSON
- Bem, é isso o que o MDL é! E o MDL pode ser bom, se for bem desenhado. Não acho que ele seja bem desenhado hoje. Você tem de ter parte do MDL que atraia grandes investimentos, e hoje o MDL trabalha com pequenos investimentos, por causa do preço do carbono. Outra coisa é que o custo de transação de um projeto de MDL é muito alto, mais do que em um projeto normal. E, quando você tem custos altos, os grandes investidores fogem. Nós deveríamos tentar fazer um MDL expandido.


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