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+ Marcelo Gleiser
A assinatura da natureza
Einstein montou um mundo estranho, mas verdadeiro
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Como os cientistas constroem
suas teorias? Tudo começa com
uma ou mais hipóteses ou princípios, os arcabouços que sustentam o
resto. Se um princípio que serve de
base para uma teoria é incorreto, a
teoria desaba, como um prédio sem
fundação. Einstein era o rei dos princípios. Sua teoria da relatividade especial, de 1905, é baseada em dois: as leis da física são as mesmas para observadores em movimento com velocidade
constante; e a velocidade da luz é sempre a mesma, independente do movimento de sua fonte ou do observador.
O primeiro princípio não era novidade, conhecido já desde o século 17.
O da velocidade da luz, porém, era novo e ousado. Com ele, Einstein propôs
que a luz fosse diferente do que conhecemos. Afinal, se você está num
carro a 60 km/h e joga uma bola para a
frente a 20 km/h, uma pessoa na calçada vê a bola a 80 km/h (60+20=80),
descontando a resistência do ar, naturalmente. Com a luz é diferente: substituindo a bola por uma lanterna, a luz tem a mesma velocidade para você no
carro ou alguém na calçada: 300 mil
quilômetros por segundo.
Estranho mundo esse que Einstein
construiu. Estranho, mas verdadeiro.
Porém, algo que ele não abordou é o
valor da velocidade da luz. Os 300.000
km/s equivalem, aproximadamente, à
velocidade da luz no vácuo. (O valor é
ligeiramente menor, mas não importa.) Por que não 230.000 km/s, ou
400.000.000 km/s? O que determina
o valor da velocidade da luz? Ninguém
sabe. O valor é usado na construção da
teoria e tudo depende dele. Ele é uma
"constante da natureza", um número
medido mas não explicado, com um
papel fundamental na descrição dos
fenômenos naturais.
A velocidade da luz não é a única
constante da natureza. Longe disso.
Como ela, existem outras que aparecem em teoria diferentes. Às vezes,
várias constantes aparecem na mesma fórmula. Cada uma delas contém
informações sobre aspectos diferentes da física do sistema. Por exemplo,
a velocidade da luz é importante
quando as velocidade são muito altas,
mas ela não aparece na descrição dos
movimentos de baixa velocidade, os
do nosso dia-a-dia. Outra constante
importante é a constante gravitacional de Newton, que determina a intensidade da atração gravitacional entre duas massas, sejam elas duas bolas
de futebol ou o Sol e a Terra. Como é
de esperar, essa constante só é relevante em situações nas quais a força
gravitacional atua.
Viajando ao mundo dos átomos,
moléculas e partículas subatômicas,
outras constantes vão aparecendo, determinando a intensidade das interações entre os constituintes fundamentais da matéria. Dois elétrons sofrem uma repulsão controlada pelo
valor de sua carga elétrica, outra constante fundamental da natureza. Ninguém sabe por que o elétron tem a carga que tem, mas seu valor é essencial na descrição dos átomos, estabelecendo as propriedades de vários materiais ou então de reações químicas.
As constantes da natureza são como
as impressões digitais do Universo onde vivemos. Caso mudem, mudam
também as características físicas do
mundo: átomos ficam instáveis; estrelas, planetas e pessoas, inviáveis.
Algumas teorias sugerem que nosso
Universo é muito particular -outros
universos existiriam e suas constantes teriam valores que proibiriam a
formação de estruturas complexas.
Difícil saber.
Outras teorias afirmam que todas as
constantes são, em princípio, calculáveis a partir de uma só, a "mãe" de todas as constantes. Pode ser.
No meio tempo, o desafio permanece. Será que
um dia explicaremos por que a velocidade da luz é 300.000 km/s?
MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do livro "A Harmonia do Mundo"
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