São Paulo, terça-feira, 07 de outubro de 2008

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Comitê do prêmio excluiu americano rival de francês

Gallo disputou com Montagnier a patente do teste de HIV, que ficou repartida

Grupo de Maryland foi investigado por acusação de usar amostra roubada em Paris; adversários trocaram elogios públicos ontem

Intituto Pasteur/France Presse
Imagem de microscópio mostra HIV se conectando à superfície de uma célula do sistema imune

IGOR ZOLNERKEVIC
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

O comitê que escolheu a descoberta do HIV como um feito merecedor do Prêmio Nobel de Medicina ontem deixou de fora da lista o americano Robert Gallo, da Universidade de Maryland. A decisão deve encerrar uma antiga polêmica, já que Gallo, considerado por alguns cientistas um co-descobridor do vírus, chegou a ser acusado de se apropriar do trabalho de Luc Montagnier, um dos ganhadores da honraria.
O trabalho do americano usou uma amostra de vírus que teria sido retirada do laboratório do francês, no Instituto Pasteur, de Paris. O desvio nunca foi provado, mas um teste mostrou que o material usado por Gallo era geneticamente similar ao de Montagnier.
Da disputa acadêmica derivou um conflito entre ambos pela patente do teste de HIV, pedida por Montagnier e negada nos EUA (que a concederam a Gallo). O impasse foi resolvida por um anúncio conjunto entre o então premiê francês, Jacques Chirac, e Ronald Reagan, presidente dos EUA em 1987. Ambos os cientistas ficaram com os nomes na patente.
Ontem, o chefe do comitê de Medicina do Nobel, Jan Andersson, disse que a demora de 25 anos em dar o prêmio à descoberta do HIV se deveu em parte às dúvidas sobre primazia, já que Gallo publicou seu trabalho depois do rival. "Não nos baseamos só em publicações. Usamos outras fontes para dissecar quem fez o trabalho", declarou Andersson.
Montagnier, hoje presidente da Fundação Mundial para Pesquisa e Prevenção da Aids, recebeu a notícia do prêmio na Costa do Marfim, onde participa de um congresso. Disse que desejava que o prêmio tivesse ido para Gallo também. "Ele mereceu tanto quanto nós."
Gallo disse ontem de manhã ter ficado "desapontado". Mais tarde, emitiu um comunicado se declarando feliz por seu "amigo de longa data, o dr. Luc Montagnier". "Fiquei grato por ler o gentil comentário do dr. Montangier nesta manhã expressando que eu seria igualmente merecedor [do Nobel]."
Em entrevista concedida a Folha, em novembro de 2007, Gallo reconheceu que a equipe do Instituto Pasteur foi a primeira a descobrir o HIV, mas que teria usado idéias e técnicas desenvolvidas por ele.

"Biopirataria"
"Se o Gallo tivesse ganho [o Nobel], eu ficaria desiludido", comentou o virólogo Paolo Zanotto, da USP. "A comissão do Nobel fez muito bem em não premiar um biopirata."
Munido de informações de bastidor, Zanotto acredita que Gallo tenha recorrido a um estudante seu em estágio no Pasteur para roubar amostras. Os testes genéticos bastam, para ele, como prova da apropriação.
"O HIV sofre mutações muito rápido. O vírus já é diferente dentro de um indivíduo, imagine em lugares diferentes do mundo", explica Zanotto.
Segundo o jornalista John Crewdson, que investigou a disputa acadêmica para seu livro "Science Fictions" (2002), falhas no trabalho de Gallo custaram vidas. O teste criado inicialmente por Gallo, diz o livro, não era confiável. Sangue saudável para doação acabou descartado como material contaminado, diz, e pessoas infectadas receberam alta.


Com agências internacionais


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