São Paulo, terça-feira, 07 de outubro de 2008

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Teimosia de alemão levou a descoberta

DA REDAÇÃO

A história da descoberta da ligação entre o papilomavírus humano e o câncer de colo de útero é uma história de sucesso na medicina como poucas. Mas ela só aconteceu por conta da teimosia do alemão Harald zur Hausen.
Nos anos 1970, ele ousou desafiar seus pares ao propor que o HPV, causador de verrugas, era o agente do tumor cervical. Até então, achava-se que o causador desse tipo de câncer fosse sexualmente transmitido, mas a suspeita recaía sobre o vírus do herpes. Mas Zur Hausen achava o DNA desse vírus nas amostras de câncer que estudava em seu laboratório.
A aposta do cientista no HPV como agente causal parecia maluquice. Primeiro, porque os tumores não produziam partículas de vírus, como as células normais fazem. Depois, o HPV não modifica as células como o vírus do herpes faz. "Parecia que não havia nada ali. Parecia que ele estava procurando um fantasma", disse à Folha a médica Luísa Villa, do Instituto Ludwig de São Paulo, especialista em epidemiologia de HPV. Ela e seus colegas esperam "há tempos" o Nobel para essa área.
Nos primeiros cinco anos, de fato, Zur Hausen não achou nenhuma amostra de tumor positiva para HPV.
Com paciência e insistência germânicas, o pesquisador resolveu pescar. Zur Hausen raciocinou que os genes do HPV se integravam ao DNA da célula cancerosa, portanto era preciso criar uma ferramenta para tirá-los dali de dentro.
Usando as técnicas recém-criadas de DNA recombinante, ele purificou "sondas" de DNA de HPV extraídas de verrugas de pé e testou-as em amostras de DNA extraído de células tumorais. Se as fitas de DNA grudassem uma na outra, era sinal de que havia genes de HPV no câncer.
A pescaria genética funcionou, mas Zur Hausen descobriu que não havia um só tipo de HPV, e sim diversas variedades desse vírus.
O primeiro que ele isolou em associação com tumor cervical foi o HPV-16, em 1983. "O segundo foi o HPV-18, isolado de uma amostra [biópsia] que veio de uma brasileira de Recife", diz Villa. Juntos, esses dois tipos de vírus causam 70% dos tumores de colo de útero.
A descoberta desencadeou uma série de estudos epidemiológicos mundo afora, que acabaram por confirmar o elo causal. "Com as vacinas profiláticas veio a demonstração definitiva", diz Villa. "Agora, esperamos viver para ver a incidência do HPV ir diminuindo na população, nos próximos anos." (CA)


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