São Paulo, domingo, 10 de julho de 2005

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Ciência em Dia

A explosão fria do DNA

MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA

Se fosse um sítio em português na internet, seria o quarto ou o quinto colocado em audiência. Se a linguagem dos 24 milhões de páginas consultadas por dia fosse verbal, seria compreendida por todos os organismos da Terra. Se a visitação pudesse ser usada como indicador de produtividade científica, o Brasil apareceria em nono lugar no mundo, com 1,7% das consultas, e não no 24º que hoje ocupa. Se fosse uma biblioteca com livros de papel e tinta, seria 19 vezes maior que a do Congresso dos Estados Unidos, a maior do planeta.
Bem-vindo ao banco de dados genômicos do NCBI, Centro Nacional de Informação em Biotecnologia (www. ncbi.nlm.nih.gov). Ele está fisicamente nos EUA, mas foi invadido por biólogos-internautas do mundo inteiro, que enviam por mês cerca de meio milhão de seqüências de DNA -transcrições de genes, pedaços de genes e outras migalhas de cromossomo sem função conhecida. É a maior base de dados científicos já acumulados pela humanidade, 45 milhões de palavras incluídas desde 1988 e soletradas com apenas quatro caracteres, A, C, T e G, o alfabeto módico da genética.
Já são quase 50 bilhões de letras armazenadas, das quais 11 bilhões contêm detalhes do genoma humano. Dariam para encher uns 5 milhões de páginas de jornal como esta. A quantidade de dados dobra a cada período de 15 meses. Mais de 2 milhões de consultas on-line são feitas todos os dias.


É a maior base de dados científicos já acumulados pela humanidade, 45 milhões de "palavras" incluídas desde 1988

De certo modo, é uma biblioteca, ou fica numa -a Biblioteca Nacional de Medicina, no campus dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) em Bethesda, vizinha de Washington. O prédio 38A é um dos menos imponentes. O controle de segurança, surpreendentemente leve, para um estabelecimento do governo americano que inclui a rubrica "biotecnologia" no nome. Explosão, aqui, só de dados.
Parece uma repartição pública, mas é a Meca virtual dos biólogos moleculares. David Wheeler, um biólogo-gerente destacado para apresentar os vários serviços à disposição dessa comunidade global, parece saído de Woodstock: barba espessa, pulôver puído no cotovelo, fala mansa. Tem dificuldade para indicar recursos do NCBI para o público leigo. Aos "muito curiosos", recomenda o livro "Genes and Disease" (genes e doença, www .ncbi.nlm.nih.gov/books/bv. fcgi ?rid=gnd) -entre as quase 40 obras da estante virtual, de minar água na boca de estudantes de biologia.
Depois de uma escala na saleta de Ilene Mizrachi, que chefia um grupo de 20 biólogos-curadores para as 30 mil a 50 mil seqüências de DNA depositadas por mês, o tour prossegue para a de Dennis Benson, do suporte informático. Ele conduz o visitante à "Fazenda", um salão refrigerado no subsolo em que zunem mais de uma centena de microcomputadores, ligados em rede e empilhados em estantes, apelidados de "caixas de pizza", pelo formato e tamanho. Todos rodam com o sistema operacional de código aberto Linux.
Não há viva alma na Fazenda. Na semi-penumbra, a única ação vem de luzinhas azuis e laranja piscando na face estreita das caixas de pizza. No seio mundial da informação tecnobiológica, explode a calma fria e inquietante: dá para ouvir a própria respiração.

@ - cienciaemdia@uol.com.br
cienciaemdia.zip.net


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