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+ Marcelo Gleiser
Luz estranha
Marie Curie
amava o brilho
dos minerais radioativos
H
enri Becquerel era um homem
que respeitava a tradição familiar. Tal qual seu avô e seu pai,
dedicou a vida investigando a enigmática luminescência, o fenômeno em
que um objeto emite luz sem ser aquecido. Um vaga-lume, por exemplo, pisca sem produzir calor.
Materiais fluorescentes, como telas
antigas de TV, produzem luz quando
irradiados e deixam de brilhar na ausência de irradiação. Já os materiais
fosforescentes continuam brilhando
mesmo sem serem irradiados, como
por mágica.
A diferença é enorme: objetos fosforescentes produzem sua própria radiação, enquanto os fluorescentes
apenas convertem a radiação que recebem em luz visível.
O que Becquerel e o resto do mundo
em 1896 ainda não sabiam é que existem dois tipos de materiais fosforescentes. Os mais comuns brilham durante um tempo após serem irradiados por luz, feito as estrelinhas que
crianças usam para decorar o teto de
seus quartos.
Essa é uma fosforescência de origem química. Mas existe uma outra
fosforescência que é bem mais misteriosa. Foi essa que Becquerel descobriu e que ficou conhecida pelo nome
de radioatividade.
Becquerel suspeitava que a fosforescência tinha algo a ver com a luz do
Sol. Para testar sua hipótese, pretendia deixar uma amostra de um mineral pegar um pouco de Sol, pô-la sobre
uma placa fotográfica e embrulhar
ambas com papel opaco. Se o mineral
emitisse alguma forma de radiação,
seria registrada na placa fotográfica.
Num dia ensolarado, Becquerel executou seu teste. Ao revelar a placa fotográfica, achou que tinha comprovado sua hipótese: viu a silhueta do mineral impressa sobre a placa, como se
ele tivesse mesmo emitido radiação
após ser exposto ao Sol.
Felizmente para a ciência, o clima
nublado de Paris complicou as coisas.
Becquerel quis testar uma variação do
experimento, onde punha uma cruz
de metal entre a placa fotográfica e o
mineral. A idéia era ver se a radiação
emitida pelo mineral fosforescente
podia atravessar metais. Com as nuvens, seu experimento não pôde ser
executado. Frustrado, Becquerel resolveu pôr o embrulho com a cruz entre o mineral e a placa numa gaveta.
Qual não foi a sua surpresa quando,
após alguns dias, resolveu, ninguém
sabe exatamente por quê, revelar a
placa fotográfica após tirá-la da gaveta. A região coberta pela cruz era a
única da placa que não tinha recebido
nenhuma radiação!
Ou seja, o mineral emitia radiação
por si só, sem precisar ser irradiado
pelo Sol. Mais ainda, a radiação não
atravessava o metal da cruz.
Como a amostra mineral era rica
em urânio, Becquerel chamou a radiação de "raios urânicos": havia descoberto a radioatividade natural, na qual
a radiação é emitida espontaneamente pelos núcleos de átomos pesados. O
átomo urânio, por exemplo, tem 92
prótons em seu núcleo.
A descoberta empolgou Pierre e
Marie Curie, um casal jovem que trabalhava na Universidade Sorbonne,
em Paris. Logo mostraram que outros
elementos também eram radioativos:
o tório, conhecido desde 1828, e dois
outros que eles descobriram, o polônio e o rádio. Estes eram muito mais
radioativos do que o urânio.
Madame Curie amava a luz verde-azulada que alguns minerais radioativos emitiam, essa luz estranha que
vem do coração da matéria.
Em 1903, Becquerel e os Curie receberam o Prêmio Nobel de Física. Mas
a explicação da radioatividade demoraria um pouco mais, até que as propriedades do núcleo atômico fossem
exploradas por Ernest Rutherford e
outros cientistas.
MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do livro "A Harmonia do Mundo"
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