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+ Marcelo Gleiser
Definindo vida
Metabolismo e reprodução são propriedades essenciais
A vida é uma dessas coisas mais
fáceis de identificar do que de
definir. É incrível que, passados tantos séculos desde que começamos a pensar cientificamente sobre o
mundo, ainda não tenhamos uma definição universalmente aceita sobre o
que é a vida.
Por exemplo, sabemos que uma pedra não está viva. E por quê? Uma pedra não come, não bebe, não se reproduz. Comer e beber significa que atribuímos aos seres vivos a necessidade
de se alimentar e de transformar alimentos em energia.
Ou seja, seres vivos exibem alguma
forma de metabolismo. A reprodução,
a capacidade de fazer cópias de si mesmo, é outra característica fundamental dos seres vivos. A espécie que não
se reproduz desaparece. Portanto,
metabolismo e reprodução são as
duas propriedades mais importantes
da vida. Qualquer definição do que seja vida tem que incluí-las.
Mas e o fogo? Se alimenta também,
consumindo oxigênio e a matéria que
entra em combustão. E se reproduz,
espalhando-se por onde pode. Porém,
todos concordam que o fogo não é
considerado um ser vivo.
Estrelas, também, podem confundir. Por meio da fusão nuclear, consomem o hidrogênio em seu interior,
transformando-o no elemento hélio,
um processo que libera enormes
quantidades de radiação. Numa espécie de autofagia, as estrelas se alimentam da própria matéria. De certa forma, estrelas também se reproduzem:
quando uma "morre", explode com
enorme violência, espalhando sua matéria pelo espaço. Se essa matéria colidir com uma nuvem de hidrogênio,
causará instabilidades que fazem com
que a nuvem entre em colapso e se
transforme, caso tenha matéria suficiente, numa nova estrela.
Dentre outras coisas, a diferença
entre o fogo ou uma estrela e uma
ameba ou uma mariposa está na composição química: seres vivos são formados por compostos orgânicos, moléculas complexas que incluem proteínas e ácidos nucléicos, o RNA e
DNA usados na reprodução.
Vemos na insistência de uma definição da vida uma limitação da linguagem. Não é que não saibamos como
definir a vida; talvez a vida seja indefinível, ao menos de forma precisa e
universal. Talvez tenhamos que nos
contentar com uma definição operacional: a vida é um sistema de reações
químicas autossustentáveis capazes
de extrair energia do ambiente e de se
replicar. Mesmo que essa definição
não mencione compostos orgânicos, é
difícil incluir o fogo e as estrelas nela.
Em discussões sobre o que é a vida,
sempre se fala nos vírus e nos príons
como casos limite. Os vírus só se reproduzem em contato com uma célula
viva, e os príons nem material genético têm. Por não terem autonomia,
ambos são considerados "replicadores" em vez de seres vivos. Essas distinções e definições não são apenas
questões de interesse acadêmico.
Com a exploração de outros planetas e luas, é cada vez mais importante
compreendermos as várias facetas da
vida. Mesmo que limitados no momento pelo que estudamos aqui na
Terra, nossas definições precisam ser
gerais o suficiente para englobar formas de vida inesperadas. É difícil prever em detalhe o que nos espera em
outros mundos. Talvez nada, ao menos a julgar pelo que encontramos até
agora. Contudo, como dizia Carl Sagan, a ausência de evidência não é evidência de ausência. (Aliás, essa definição funciona também para fadas,
duendes, Deus...)
Devemos manter a cabeça aberta e
nossas definições amplas, para englobar o desconhecido. Seja o que for, se
estiver vivo precisará de energia e terá
de se reproduzir. Com relação a isso,
não temos do que duvidar.
MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "A Harmonia do Mundo"
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