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Esoterismo quântico
Novo livro do cientista Victor Stenger ataca os gurus que mistificam conceitos da física para dar verniz de ciência a suas crenças
PABLO NOGUEIRA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Tanto os fãs ardorosos
dos documentários
"Quem somos nós" e
"O Segredo" quanto
os espectadores que
consideraram esses filmes um
desfile de bobagens requentadas do movimento Nova Era
podem tirar algum proveito do
novo livro do físico americano
Victor Stenger. "Quantum
Gods" (Deuses Quânticos) se
destina justamente a atacar a
crença de que as modernas teorias cientificas são perfeitamente compatíveis com toda
forma de prática esotérica.
O livro é uma resposta direta
a ambos documentários, nos
quais cientistas, médicos, religiosos e gurus de auto-ajuda
recorrem a conceitos da mecânica quântica -ramo da física
que explica o comportamento
da matéria a níveis muito pequenos- e de outras ciências
para abordar temas místicos
como poder do pensamento,
carma, vida após a morte etc.
Desde o fim dos anos 1980,
Stenger tem militado na corrente neoateísta que tem no
biólogo Richard Dawkins e no
filósofo Daniel Dennett suas
faces mais conhecidas. Seu novo livro começa fazendo um
breve e irônico levantamento
das idéias defendidas pela nova
onda de gurus quânticos.
Stenger dá destaque a Amit
Goswami, físico indiano bastante popular no Brasil, tendo
sido entrevistado duas vezes no
programa Roda Viva, da TV
Cultura. Mas até o Dalai Lama
é citado, devido a seu livro "O
Universo num Só Átomo". O líder tibetano, porém, é abordado de forma respeitosa.
Já o fundador da meditação
transcedental, o físico e guru
indiano Maharishi Yogi (1917-2008) recebe chumbo pesado.
David Bohm e Fritjof Capra,
cientistas que não aparecem
nos filmes, mas que são pioneiros do encontro da Mecânica
Quântica com a Nova Era, também não escapam ilesos.
Divulgador experiente, Stenger inclui no livro seções que
formam uma curta mas substanciosa história da ciência. Isso permite a um leigo tomar pé
do debate sobre problemas teóricos complexos, mas deixa
passar a chance de desmontar
detalhadamente afirmações
supostamente científicas com
as quais o espectador se depara
em "Quem somos nós".
Em vez de tentar negar, por
exemplo, a afirmação de Goswami de que a consciência é o
fundamento do Universo, ele
prefere repassar a história da
criação da física de partículas.
Em vez de contestar os experimentos de Masaru Emoto, que
afirma que as moléculas de
água podem ser alteradas pela
força do pensamento, ele descreve os fracassos obtidos em
testes de parapsicologia.
É como se Stenger acreditasse que uma apresentação criteriosa de conceitos complicados, como o emaranhamento
quântico, será o suficiente para
que os leitores possam, por si
só, perceber os pontos em que
Capra, Goswami e companhia
estão "forçando a barra".
Em benefício da dúvida
Só que o mais provável é que
o leitor leigo se sinta incapaz de
chegar a uma conclusão por
conta própria. Neste caso, provavelmente a leitura apenas terá colaborado para aumentar
suas dúvidas. Porém, isso, por
si só, já pode ser algo positivo.
Afinal, uma das maiores objeções que se pode fazer a "Quem
somos nós" é que o filme não
avisa aos espectadores que as
posições ali apresentadas são,
no mínimo dos mínimos, controversas, e que não são endossadas pela imensa maioria da
comunidade cientifica.
Stenger oferece aos leitores a
visão acadêmica destes mesmos temas, numa linguagem
acessível. Saber que existe uma
outra visão (na verdade várias)
da mecânica quântica pode ser
uma grande novidade para
muitos dos fãs de "Quem somos nós", que fizeram dele o
quinto documentário mais lucrativo da história dos EUA.
O livro analisa também as
idéias de outros grupos que,
volta e meia, recorrem à mecânica quântica para sustentar
suas idéias. Ilya Prigogine, prêmio Nobel de química de 1977 e
herói da corrente acadêmica
conhecida como transdiciplinaridade, é diretamente contestado. Prigogine afirma que
os processos termodinâmicos
não podem ser abordados através do tradicional reducionismo metodológico tão caro à
ciência moderna pois, neste caso, esses processos não seriam
reversíveis no tempo.
Stengers afirma que, por
princípio, todos os processos físicos são reversíveis temporalmente, e que Prigogine "está
completamente errado, mesmo tendo ganho um prêmio
Nobel". Também sobram críticas para a parapsicologia e para
os teólogos que investigam o
mundo microscópico em busca
de sinais da ação do Deus cristão, ou de algo próximo a ele.
Sobrecarga
Ao mirar em tantos objetivos
diferentes, o autor sofre do
ônus de ter poucas páginas para
devassar temas muito variados
e complexos. Sem o espaço necessário para uma exposição
mais adequada, sua argumentação soa, em vários momentos, concisa demais. Mas há um
motivo para isso: em livros anteriores ele já investiu diretamente contra criacionistas,
adeptos do Design Inteligente,
da parapsicologia etc. Aqui, em
certos momentos onde seria
necessário um maior aprofundamento, ele se limita a se referir a sua própria obra.
No final do livro, Stenger argumenta diretamente contra a
existência de qualquer tipo de
divindade. Sua visão do fenômeno religioso lembra um pouco a de Dawkins, restringindo-se a análise de certos estereótipos. Nada disso, porém, chega a
comprometer a consistência do
livro. Stenger tem o conhecimento científico e a expertise
literária necessários para apresentar um bom contra-ponto à
febre de física Nova Era que
continua circulando pelo planeta, Brasil inclusive.
LIVRO - "Quantum Gods"
Victor Stenger; Prometheus Books,
292 págs., US$ 27,00
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