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Em busca do Kyoto perdido
Jornalista ataca acordo do clima e propõe, em livro, solução radical de estabilização do gás carbônico na atmosfera
MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA
A maior falha de mercado que o mundo
já viu." Nos dias de
hoje, quem lê a frase famosa de sir Nicholas Stern, que já foi economista-chefe do Banco Mundial
e conselheiro de Gordon
Brown, então ministro das Finanças britânico, poderá concluir que ele se referia à mãe de
todas as crises financeiras. Antes fosse.
Na realidade, trata-se de coisa muito mais grave, como se
dedica a expor "Kyoto 2", do
jornalista Oliver Tickell. O subtítulo do livro explica de que se
trata: "Como administrar a estufa global".
O sistema planetário é maior
que a economia mundial, que
faz parte dele. Esta vive uma
crise aguda, que pode ou não
ser superada no curto prazo. Já
aquele padece de uma doença
crônica, que no longo prazo pode levar à morte.
Em ambas as situações, o público assiste, impotente, à erosão de um bem comum. A confiança que subjaz ao mercado
financeiro, num caso. No outro, a capacidade do planeta de
absorver o excesso de carbono
que lançamos em sua atmosfera. Só o preço de evitar o apocalipse é parecido: coisa de US$ 1
trilhão, ou 1,5% do PIB mundial, para mais.
Tickell só tem solução pronta e acabada para o segundo
problema. Ela tem seus méritos e um charme radical, mas o
jornalista escolheu mal o nome
da proposta e do livro. Como
seu alvo principal é demolir as
bases do Protocolo de Kyoto
para começar a enfrentar de fato o aquecimento global, não
parece boa idéia batizá-los como "Kyoto 2".
Superado o obstáculo do nome, cabe enveredar pelos argumentos. O melhor do volume
está na desconstrução de Kyoto. A acusação mais séria ao
tratado adotado na cidade japonesa em 1997, por assim dizer para regulamentar a Convenção sobre Mudança do Clima de 1992, é de ineficiência.
Tickell fornece uma medida
convincente da inoperância de
Kyoto comparando-o com o
Protocolo de Montréal. Adotado uma década antes para combater outro problema da atmosfera, o buraco na camada
de ozônio estratosférico, Montréal acabou contribuindo quatro vezes mais do que Kyoto
para mitigar o aquecimento
global, pois alguns dos gases
que atacam o ozônio são também gases do efeito estufa.
A receita de Tickell é abandonar por completo o caminho
de Kyoto. Não apenas adotando metas muito mais ambiciosas, mas dispositivos inteiramente diferentes. Para o autor,
o protocolo não funcionou por
força de dois defeitos principais: estabelecer metas por países, quando o problema a resolver é planetário, e pretender
que governos nacionais ao
mesmo tempo usufruam e fiscalizem os mecanismos de
mercado desenhados para incentivar a redução de emissões
de gases do efeito estufa.
Na alça de mira do livro estão
os famigerados créditos de carbono, a alma de Kyoto. Uma gigantesca nomenclatura foi
montada para pô-los em prática, mas, como resultado, colheu-se uma série impressionante de distorções.
Basta dizer que o mercado de
carbono mais festejado, o chamado Esquema Europeu de
Comércio de Emissões (Euets,
em inglês), transformou-se numa espécie de sifão para desviar bilhões de euros dos consumidores para empresas de
energia. Negócio de fazer inveja aos derivativos de hipotecas
"subprime", nos bons tempos
de Alan Greenspan.
Tickell propõe uma guinada
completa. Em lugar de metas
arbitrárias de redução de emissões por país, ele quer que o
mundo como um todo adote
um teto de concentração de
carbono na atmosfera: 350
ppm (partes por milhão) de
CO2. Abaixo, portanto, do que
já alcançamos (383 ppm). Seria
uma garantia de que o aumento
de temperatura não ultrapassará os 2C considerados "perigosos", algo que a Convenção
do Clima manda prevenir.
Segundo a proposta, a partir
desse teto-alvo seriam calculadas as emissões possíveis, que
por sua vez seriam transformadas em permissões para emitir.
Estas seriam então leiloadas
por um consórcio de bancos
centrais (hum...) entre os setores mais próximos da origem
das emissões: refinarias, processadoras de carvão mineral,
cimenteiras, fábricas de fertilizantes à base de nitrogênio, de
gases para refrigeração etc.
Tickell só não explica como
chegar lá, com a urgência que
não se cansa de exagerar, sem
criar um governo mundial. Como tal coisa não surgirá nos
próximos 14 meses, prazo para
finalizar e adotar na conferência de Copenhague o tratado
sucessor de Kyoto, que expira
em 2012, a leitura de seu "Kyoto 2" resulta num exercício deprimente, mas nem por isso
menos necessário.<
LIVRO - "Kyoto 2 - How to Manage
the Global Greenhouse"
Oliver Tickell; Zed Books. US$
20,95. 293 págs.
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