|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
PALEOANTROPOLOGIA
Descoberta acrescenta um ramo à genealogia humana
Achado novo fóssil de hominídeo
CLAUDIO ANGELO
DA REPORTAGEM LOCAL
Descobertas paleontológicas geralmente servem para esclarecer
coisas sobre o passado. Mas um
crânio fossilizado de hominídeo
de 3,5 milhões de anos descoberto
no Quênia está atraindo atenção
dos cientistas justamente pelo
motivo oposto: ele acaba de bagunçar ainda mais a história evolutiva da espécie humana.
O fóssil, descrito na edição de
hoje da revista científica "Nature"
(www.nature.com), foi batizado
de Kenyanthropus platyops ("homem do Quênia de cabeça chata",
a partir do grego). É tão diferente
de outros ancestrais do homem
que sua principal descobridora, a
paleontóloga Meave Leakey (leia
texto abaixo) acredita tratar-se de
um gênero inteiramente novo.
E aí começam os problemas.
Até agora, os antropólogos tinham como mais ou menos certo
que a árvore genealógica humana
estava dividida em três grandes
"clãs", ou gêneros: o Homo (do
Homo sapiens), o extinto Parantropus e o Australopithecus, que
viveu há cerca de 3,2 milhões de
anos e originou os outros dois.
"O quadro foi completamente
despedaçado, porque agora se
descobriu que havia um outro gênero vivendo ao mesmo tempo
que o australopiteco", disse à Folha Fred Spoor, do University College de Londres, Reino Unido,
co-autor da pesquisa. Grosso modo, isso equivale a descobrir que
um avô tinha um irmão bastardo.
Pior, que esse irmão pode ter deixado herdeiros por aí.
Diversidade
A descoberta também significa
que os hominídeos eram muito
mais diversificados e adaptados
do que se imaginava. O K. platyops, que habitou a margem oeste
do lago Turkana, provavelmente
tinha uma dieta muito distinta de
seu contemporâneo australopiteco. Vivendo numa região de florestas no passado, o formato de
seu crânio e de seus dentes sugere
uma dieta à base de frutas.
O australopiteco, por sua vez, tinha dentes mais robustos -provavelmente comia raízes- e habitava um ambiente mais seco.
"Havia várias espécies de hominídeos convivendo sem competir
por recursos", disse Spoor. Segundo ele, os hominídeos eram
mais comuns naquela época do
que grandes primatas não-humanos (como o gorila) são hoje.
O argumento não é inteiramente novo. Ele já havia sido proposto na década de 30 por Louis Leakey, sogro de Meave. Leakey derrubou a visão tradicional de que a
linhagem humana havia se originado de um único gênero.
Nos anos 70, seu filho Richard
retomou a tese, propondo que várias espécies de australopitecos
tenham coexistido, cerca de 3 milhões de anos atrás. Agora Meave,
mulher de Richard, e Louise, filha
mais velha do casal, mostram que
a diversidade já era grande há 3,5
milhões de anos -e poderia ser
grande também antes disso.
"Se o Kenyanthropus é um gênero novo, provavelmente ele
surgiu de um ancestral diferente,
digamos, 4 milhões de anos
atrás", disse Spoor. Isso torna
mais difícil estabelecer relações de
descendência, como saber quem
originou o homem moderno.
"As pessoas me perguntam onde esse sujeito (o novo fóssil) iria
cair se traçássemos uma linha reta
na evolução humana", disse
Spoor. "Isso é errar inteiramente
o alvo: provavelmente não há
uma linha reta. O que aconteceu
foi uma sucessão de linhagens das
quais, por pura sorte, nós somos
os únicos sobreviventes."
Texto Anterior: Ambiente: Amazônia absorve gás carbônico, diz estudo Próximo Texto: Família domina pesquisas há três gerações Índice
|