São Paulo, quinta-feira, 22 de março de 2001

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PALEOANTROPOLOGIA

Descoberta acrescenta um ramo à genealogia humana

Achado novo fóssil de hominídeo

CLAUDIO ANGELO
DA REPORTAGEM LOCAL

Descobertas paleontológicas geralmente servem para esclarecer coisas sobre o passado. Mas um crânio fossilizado de hominídeo de 3,5 milhões de anos descoberto no Quênia está atraindo atenção dos cientistas justamente pelo motivo oposto: ele acaba de bagunçar ainda mais a história evolutiva da espécie humana.
O fóssil, descrito na edição de hoje da revista científica "Nature" (www.nature.com), foi batizado de Kenyanthropus platyops ("homem do Quênia de cabeça chata", a partir do grego). É tão diferente de outros ancestrais do homem que sua principal descobridora, a paleontóloga Meave Leakey (leia texto abaixo) acredita tratar-se de um gênero inteiramente novo.
E aí começam os problemas. Até agora, os antropólogos tinham como mais ou menos certo que a árvore genealógica humana estava dividida em três grandes "clãs", ou gêneros: o Homo (do Homo sapiens), o extinto Parantropus e o Australopithecus, que viveu há cerca de 3,2 milhões de anos e originou os outros dois.
"O quadro foi completamente despedaçado, porque agora se descobriu que havia um outro gênero vivendo ao mesmo tempo que o australopiteco", disse à Folha Fred Spoor, do University College de Londres, Reino Unido, co-autor da pesquisa. Grosso modo, isso equivale a descobrir que um avô tinha um irmão bastardo. Pior, que esse irmão pode ter deixado herdeiros por aí.

Diversidade
A descoberta também significa que os hominídeos eram muito mais diversificados e adaptados do que se imaginava. O K. platyops, que habitou a margem oeste do lago Turkana, provavelmente tinha uma dieta muito distinta de seu contemporâneo australopiteco. Vivendo numa região de florestas no passado, o formato de seu crânio e de seus dentes sugere uma dieta à base de frutas.
O australopiteco, por sua vez, tinha dentes mais robustos -provavelmente comia raízes- e habitava um ambiente mais seco.
"Havia várias espécies de hominídeos convivendo sem competir por recursos", disse Spoor. Segundo ele, os hominídeos eram mais comuns naquela época do que grandes primatas não-humanos (como o gorila) são hoje.
O argumento não é inteiramente novo. Ele já havia sido proposto na década de 30 por Louis Leakey, sogro de Meave. Leakey derrubou a visão tradicional de que a linhagem humana havia se originado de um único gênero.
Nos anos 70, seu filho Richard retomou a tese, propondo que várias espécies de australopitecos tenham coexistido, cerca de 3 milhões de anos atrás. Agora Meave, mulher de Richard, e Louise, filha mais velha do casal, mostram que a diversidade já era grande há 3,5 milhões de anos -e poderia ser grande também antes disso.
"Se o Kenyanthropus é um gênero novo, provavelmente ele surgiu de um ancestral diferente, digamos, 4 milhões de anos atrás", disse Spoor. Isso torna mais difícil estabelecer relações de descendência, como saber quem originou o homem moderno.
"As pessoas me perguntam onde esse sujeito (o novo fóssil) iria cair se traçássemos uma linha reta na evolução humana", disse Spoor. "Isso é errar inteiramente o alvo: provavelmente não há uma linha reta. O que aconteceu foi uma sucessão de linhagens das quais, por pura sorte, nós somos os únicos sobreviventes."


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