São Paulo, sexta-feira, 23 de março de 2001

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ASTRONOMIA

Pesquisa diz que parte da "matéria escura" é feita de estrelas velhas

Cientistas acham massa "invisível"

SALVADOR NOGUEIRA
FREE-LANCE PARA A FOLHA

A matéria escura, nome dado à misteriosa substância que responde por mais de 90% da massa do Universo, pode não ser tão escura, afinal. Um grupo de cientistas dos Estados Unidos e do Reino Unido acaba de anunciar a primeira observação direta, aqui mesmo na Via Láctea, de parte da massa que faltava para que a cosmologia fizesse sentido.
A idéia da matéria escura surgiu quando os astrônomos perceberam que havia muito mais força gravitacional envolvida na evolução do Universo do que a matéria visível poderia gerar. A massa conhecida só respondia por um décimo dos efeitos observados.
Diante disso, não restava alternativa senão recorrer à lógica de Sherlock Holmes. Uma das célebres citações do detetive criado por Arthur Conan Doyle sugere: "Quando se elimina o impossível, o que quer que sobre, embora improvável, deve ser a verdade". Dessa lógica veio a hipótese de que haveria um tipo de matéria exótica para completar o Universo, embora não haja nenhuma evidência direta de sua existência.
O grupo liderado por Ben Oppenheimer, da Universidade da Califórnia em Berkeley, acaba de lançar mais lenha nessa fogueira: ele diz ter visto matéria escura. Pior: ela nada teria de invisível.
Trata-se de anãs brancas superfrias, estrelas que têm até oito vezes a massa do Sol, em estágio terminal. Após queimarem seu combustível, elas ficam tão apagadas que é difícil observá-las. "Sim, pela primeira vez realmente vimos uma fração da matéria escura. Agora sabemos que ao menos 3% dessa matéria é composta de anãs brancas", conta Oppenheimer.
A fração da matéria escura explicada por essas anãs brancas -estrelas tão velhas quanto a Via Láctea, localizadas na borda do disco galáctico- parece pequena, mas o líder da pesquisa aposta que isso vai aumentar. "Quando pudermos precisar a população de anãs brancas, veremos esse número subir. Pode chegar a 35%", disse, em entrevista à Folha.

Mera coincidência
Sua descoberta é bombástica, mas o cientista diz não ter parentesco algum com Julius Robert Oppenheimer, o físico que coordenou a montagem da primeira bomba atômica -"embora ele tenha crescido a apenas alguns quarteirões de onde eu cresci, em Manhattan, Nova York".
Assim como o outro Oppenheimer, Ben não sabia muito bem com o que estava lidando, até concluir o estudo. "A pesquisa era mais sobre química e física atmosférica de anãs brancas. A parte de matéria escura veio depois."
Embora a matéria observada pelo grupo não tenha nada de exótica, o cientista não acredita que o mistério cosmológico esteja perto de ser resolvido. "Eu não acho que toda a matéria escura esteja na forma de matéria normal, ou bariônica. As teorias que nos dão a cosmologia do Big Bang parecem claramente mostrar que deve haver também outras formas de matéria escura."
Por ora, a lógica de Sherlock Holmes, assim como a reputação dos astrônomos, permanece acima de qualquer suspeita. O estudo está publicado na edição de hoje da revista "Science" (www.sciencemag.org).


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