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São Paulo, sexta-feira, 25 de julho de 2003

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ARQUEOLOGIA

Pesquisa questiona origem dos americanos

Estudo revê datação de sítio e traz dúvida sobre ocupação da América

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

O trampolim usado pelos primeiros seres humanos para pular da Ásia para as Américas foi agora subitamente retirado, depois que um sítio arqueológico na Sibéria teve suas datas revistas, deixando no ar a hipótese mais tradicional para essa migração, realizada milhares de anos atrás.
Durante um período de glaciação, o nível do mar ficou mais baixo na região do estreito de Bering, entre Sibéria (Rússia) e Alasca (EUA). Com isso foi criada uma "ponte" entre os continentes. A maioria dos arqueólogos acredita que os primeiros habitantes das Américas usaram essa ponte para colonizar o Novo Mundo.
Os arqueólogos mais tradicionais consideram que os primeiros americanos pertencem à chamada cultura Clovis, o nome do sítio arqueológico no Novo México, oeste dos EUA, até recentemente considerado o mais antigo, com idade de cerca de 13,6 mil anos.
Outras pesquisas têm contestado essa primazia -principalmente o sítio de Monte Verde, no sul do Chile, datado em 15 mil anos atrás, mas ainda longe de ser aceito pela maioria dos arqueólogos, ou o de Meadowcroft, na Pensilvânia (leste dos EUA), com 16 mil anos. Bem mais polêmica -e bem menos aceita- é a hipótese de já existirem seres humanos no sítio de Pedra Furada, no Piauí, por volta de 30 mil anos atrás ou mais.
O novo resultado é um banho de água fria geral. Teoricamente, os sítios arqueológicos da Sibéria deveriam ser mais antigos que os das Américas, já que dali teriam vindo os antigos índios (ou paleoíndios).
Pesquisa publicada na edição de hoje da revista científica americana "Science" revê a datação de um importante sítio na Sibéria, situado bem no caminho da provável migração para as Américas dos antigos caçadores de mamute e outros grandes animais.
Os sítios de Ushki, na península de Kamchatka, eram estimados em cerca de 17 mil anos de idade, os mais antigos na Sibéria. O novo estudo, feito pelos americanos Ted Goebel e Michael Waters e pela russa Margarita Dikova, indica que a ocupação humana de Ushki só começou há 13 mil anos.
O sítio tinha sido exaustivamente pesquisado pelo russo Nikolai Dikov desde 1964, mas só em 1978 apareceu um estudo dele escrito em inglês. As ferramentas de pedra pontiagudas no sítio eram diferentes daquelas típicas da cultura Clovis, mas a datação antiga indicava que os habitantes do local podiam ser remotos ancestrais dos índios americanos.
Goebel, da Universidade de Nevada em Reno, decidiu reinvestigar o sítio, com ajuda da viúva de Dikov. As descobertas foram uma surpresa: em vez de mais antigo, o sítio tinha idade parecida. E também foram achadas ferramentas de pedra semelhantes às encontradas no Alasca, em sítios ligeiramente mais antigos.
É possível que essas culturas da região conhecida como Beríngia sejam ainda ancestrais de Clovis, mas indicando uma migração norte-sul bem mais rápida do que se costuma imaginar. Ou talvez a cultura Clovis tenha se desenvolvido nas Américas, fruto de uma migração mais antiga, especulam os autores.
"Somente pesquisa adicional no nordeste da Ásia e nas Américas vai resolver a questão", afirmam Goebel e colegas.
Não é à toa que outro pesquisador do assunto, James Adovasio, do Instituto Arqueológico Mercyhurst, de Erie, Pensilvânia, que escavou o sítio de Meadowcroft, considera o estudo dos primeiros americanos "o maior enigma atual da arqueologia".


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