São Paulo, sexta-feira, 30 de agosto de 2002

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RIO +10

Nações ricas aceitam investir 0,7% do PIB; compromisso vem da Eco-92, há dez anos, mas não foi cumprido

Cúpula renova promessa a países pobres

ELIANE CANTANHÊDE
CLAUDIO ANGELO

ENVIADOS ESPECIAIS A JOHANNESBURGO

As negociações da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio +10) avançaram mais ontem, com um acordo sobre uma das partes mais polêmicas do plano de ação da conferência: a confirmação de 0,7% do PIB dos países ricos para ajuda ao desenvolvimento dos pobres.
O acordo foi alcançado pelos diplomatas reunidos em Johannesburgo no momento em que se aproxima a chegada dos chefes de Estado para a cúpula, na próxima segunda-feira. Estão confirmados 104, e Fernando Henrique Cardoso chega no domingo.
Alguns países já sabem o que fazer com o dinheiro. O grupo dos megadiversos (detentores da maioria da biodiversidade planetária), ao qual pertence o Brasil, anuncia no dia 3 a criação de um fundo para diversidade biológica.
O fundo, de US$ 1,5 milhão, é quase simbólico. Servirá como uma conta aberta para o posterior depósito dos países ricos. Se quiserem ver cumpridas metas de redução do número de espécies extintas, precisarão pagar.
Para Jan Pronk, enviado especial para a Rio +10 do secretário-geral da ONU, Kofi Annan, os avanços são significativos. "Eu saí de Bali [onde foi realizada a última reunião preparatória para a cúpula" pessimista. Mas, desde então, muito foi alcançado", afirmou em entrevista coletiva.
Também foi obtido consenso em torno de dois princípios: o da precaução -segundo o qual a falta de certeza científica sobre um potencial dano ambiental não deve justificar a falta de ação para evitá-lo- e o das responsabilidades comuns, mas diferenciadas, ao qual os Estados Unidos se opunham e que era considerado questão de honra pelo Brasil.
O avanço, na verdade, foi um retrocesso evitado. Afinal, todos os três itens já haviam sido acordados uma década atrás no Rio de Janeiro, durante a Eco-92. Desde então eles têm sido ameaçados de sumir do texto final da Rio +10, por pressão dos países ricos.
A meta de 0,7% para ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA, na sigla em inglês) foi considerada uma das grandes vitórias do mundo subdesenvolvido na cúpula do Rio. Quando a meta foi fixada, a ajuda era de 0,36% do PIB dos países ricos. Hoje, em vez de aumentar, ela caiu para 0,22%, ou US$ 54 bilhões.
Países como os EUA e o Japão insistem que a meta é impossível de ser cumprida. Daí o consenso ter sido interpretado como frágil pelos ambientalistas.
O texto aprovado em Johannesburgo é mais ameno do que desejariam os países subdesenvolvidos. Ele propõe: "Exortar os países ricos que ainda não o fizeram a fazer esforços concretos rumo à meta de 0,7% do PIB como ajuda oficial ao desenvolvimento".

Pontos de honra

No entanto, para o ministro brasileiro do Meio Ambiente, José Carlos Carvalho, o acerto é uma vitória. A meta de ODA, assim como o princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas, eram pontos de honra para o Brasil, que veio a Johannesburgo determinado a não renegociar o que havia sido acertado no Rio.
"Estamos aqui em busca de um caminho. Esse é um caminho. Se todos vão seguir, ou não, só o julgamento da opinião pública vai decidir", afirmou o ministro.
O texto aprovado pela manhã seria referendado na noite de ontem pelos ministros. "Estamos com 88% do plano de ação acordado", disse Carvalho.
Os 12% restantes, no entanto, são questões cruciais. A redução dos subsídios à agricultura dos países ricos (estimados em US$ 300 bilhões anuais), por exemplo, continua em aberto.
Também ficou por ser negociada, na manhã de hoje, a meta mundial de 10% de energias renováveis, que foi proposta pelo Brasil (e sofre oposição dos países árabes, produtores de petróleo). Ela recebeu ontem apoio do México e da Noruega.
Se os compromissos multilaterais ainda precisam andar em Johannesburgo, as parcerias voluntárias -em linguagem diplomática, iniciativas tipo 2- deslancharam. Os Estados Unidos, por exemplo, anunciaram a destinação de US$ 53 milhões para a proteção das florestas da bacia do Congo e US$ 90 milhões para combater a fome na África.
Esse tipo de iniciativa é considerado uma forma de fugir de metas e datas de implementação, algo que a maior economia do mundo rejeita. O Brasil o chama, ironicamente, de "filantropia".
Os EUA alegam razões econômicas para não querer fixar alvos em Johannesburgo. Mas, para o economista americano Jeffrey Sachs, da Universidade Columbia, a desculpa não cola. "Quando os EUA estão bem, dão pouco dinheiro. Quando estão em recessão, dão pouco dinheiro. Quando as Bolsas sobem, dão pouco dinheiro. Quando as Bolsas caem, dão pouco dinheiro."


O jornalista Claudio Angelo viajou a Johannesburgo a convite da BrasilConnects Cultura e Ecologia


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