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RIO +10
Nações ricas aceitam investir 0,7% do PIB; compromisso vem da Eco-92, há dez anos, mas não foi cumprido
Cúpula renova promessa a países pobres
ELIANE CANTANHÊDE
CLAUDIO ANGELO
ENVIADOS ESPECIAIS A JOHANNESBURGO
As negociações da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio +10) avançaram
mais ontem, com um acordo sobre uma das partes mais polêmicas do plano de ação da conferência: a confirmação de 0,7% do PIB
dos países ricos para ajuda ao desenvolvimento dos pobres.
O acordo foi alcançado pelos diplomatas reunidos em Johannesburgo no momento em que se
aproxima a chegada dos chefes de
Estado para a cúpula, na próxima
segunda-feira. Estão confirmados
104, e Fernando Henrique Cardoso chega no domingo.
Alguns países já sabem o que fazer com o dinheiro. O grupo dos
megadiversos (detentores da
maioria da biodiversidade planetária), ao qual pertence o Brasil,
anuncia no dia 3 a criação de um
fundo para diversidade biológica.
O fundo, de US$ 1,5 milhão, é
quase simbólico. Servirá como
uma conta aberta para o posterior
depósito dos países ricos. Se quiserem ver cumpridas metas de redução do número de espécies extintas, precisarão pagar.
Para Jan Pronk, enviado especial para a Rio +10 do secretário-geral da ONU, Kofi Annan, os
avanços são significativos. "Eu saí
de Bali [onde foi realizada a última reunião preparatória para a
cúpula" pessimista. Mas, desde
então, muito foi alcançado", afirmou em entrevista coletiva.
Também foi obtido consenso
em torno de dois princípios: o da
precaução -segundo o qual a falta de certeza científica sobre um
potencial dano ambiental não deve justificar a falta de ação para
evitá-lo- e o das responsabilidades comuns, mas diferenciadas,
ao qual os Estados Unidos se opunham e que era considerado
questão de honra pelo Brasil.
O avanço, na verdade, foi um retrocesso evitado. Afinal, todos os
três itens já haviam sido acordados uma década atrás no Rio de
Janeiro, durante a Eco-92. Desde
então eles têm sido ameaçados de
sumir do texto final da Rio +10,
por pressão dos países ricos.
A meta de 0,7% para ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA,
na sigla em inglês) foi considerada uma das grandes vitórias do
mundo subdesenvolvido na cúpula do Rio. Quando a meta foi fixada, a ajuda era de 0,36% do PIB
dos países ricos. Hoje, em vez de
aumentar, ela caiu para 0,22%, ou
US$ 54 bilhões.
Países como os EUA e o Japão
insistem que a meta é impossível
de ser cumprida. Daí o consenso
ter sido interpretado como frágil
pelos ambientalistas.
O texto aprovado em Johannesburgo é mais ameno do que desejariam os países subdesenvolvidos. Ele propõe: "Exortar os países ricos que ainda não o fizeram
a fazer esforços concretos rumo à
meta de 0,7% do PIB como ajuda
oficial ao desenvolvimento".
Pontos de honra
No entanto, para o ministro
brasileiro do Meio Ambiente, José
Carlos Carvalho, o acerto é uma
vitória. A meta de ODA, assim como o princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas, eram pontos de honra para o
Brasil, que veio a Johannesburgo
determinado a não renegociar o
que havia sido acertado no Rio.
"Estamos aqui em busca de um
caminho. Esse é um caminho. Se
todos vão seguir, ou não, só o julgamento da opinião pública vai
decidir", afirmou o ministro.
O texto aprovado pela manhã
seria referendado na noite de ontem pelos ministros. "Estamos
com 88% do plano de ação acordado", disse Carvalho.
Os 12% restantes, no entanto,
são questões cruciais. A redução
dos subsídios à agricultura dos
países ricos (estimados em US$
300 bilhões anuais), por exemplo,
continua em aberto.
Também ficou por ser negociada, na manhã de hoje, a meta
mundial de 10% de energias renováveis, que foi proposta pelo Brasil (e sofre oposição dos países
árabes, produtores de petróleo).
Ela recebeu ontem apoio do México e da Noruega.
Se os compromissos multilaterais ainda precisam andar em Johannesburgo, as parcerias voluntárias -em linguagem diplomática, iniciativas tipo 2- deslancharam. Os Estados Unidos, por
exemplo, anunciaram a destinação de US$ 53 milhões para a proteção das florestas da bacia do
Congo e US$ 90 milhões para
combater a fome na África.
Esse tipo de iniciativa é considerado uma forma de fugir de metas
e datas de implementação, algo
que a maior economia do mundo
rejeita. O Brasil o chama, ironicamente, de "filantropia".
Os EUA alegam razões econômicas para não querer fixar alvos
em Johannesburgo. Mas, para o
economista americano Jeffrey
Sachs, da Universidade Columbia, a desculpa não cola. "Quando
os EUA estão bem, dão pouco dinheiro. Quando estão em recessão, dão pouco dinheiro. Quando
as Bolsas sobem, dão pouco dinheiro. Quando as Bolsas caem,
dão pouco dinheiro."
O jornalista Claudio Angelo viajou a Johannesburgo a convite da BrasilConnects Cultura e Ecologia
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