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Nina Horta

Isso tínhamos em comum....

Eu costumava ler o Steingarten na Vogue, tão religiosamente quanto lia o Daniel Piza aos domingos

Daniel Piza gostava do Bourdain, do Jeffrey Steingarten, do Liebling, da MK Fisher e do Gopnik, como escritores de gastronomia. Poderia gostar de outros, mas escreveu sobre esses. Exatamente meus preferidos.

Comentou que apesar de gostar de alguns de nós, da gastronomia, preferia os estrangeiros. Havia lido "Secret Ingredients", compilado por David Remnick, da New Yorker, com o que havia de melhor em matéria de escritores. Só de sermos mencionados junto dessa turma de bambas já me deixou bem orgulhosa e além de tudo ele tinha razão, eram melhores mesmo. Mas era outro tipo de trabalho. Tem uma ensaísta da New Yorker a quem deram quatro anos para escrever um ensaio sobre tofu. De quatro páginas, mais ou menos. Atenção. Quatro anos...

Lembro do Jeffrey Steingarten dizendo que foi chamado pela Vogue para falar de comida. Nem sabia cozinhar, nem nada, era advogado. Morando em Nova York, logo se interessou em dar um pulo em Nova Jersey e começou a pedir a passagem. Imediatamente era envolvido pelo clima dominante da revista, com mulheres magérrimas e lindas, andando de lá para cá com suas enormes pernas esguias. Ninguém lhe dava atenção.

De repente percebeu que era falar em Paris, Londres ou Tóquio e a moça do caixa tirava a passagem da gaveta. Achou melhor esquecer Nova Jersey.

Eu costumava ler o Steingarten na Vogue, tão religiosamente quanto lia o Daniel Piza aos domingos, anotando o nome dos livros que me interessavam.

Uma vez entrevistei o Jeffrey, eu em Londres, ele nos EUA. Numa meia noite marcada, tivemos uma conversa de hora e meia, e olha que isso é muito por telefone. Gostamos bastante um do outro.

De quem mais o Piza falou? Do A.J. Liebling. Jornalista americano muito parecido com ele próprio, correspondente de guerra, amante de futebol, de boxe, de viagens, de cultura, de comida. E acima de tudo escrevia muito bem sobre isso tudo. E o Daniel Piza sempre puxava a sardinha para jornalista que escrevia bem. Muita gente não colocaria o Anthony Bourdain como um bom escritor. Eu concordo com o Piza, sempre achei que sim, desde o primeiro artigo da New Yorker sobre comida de restaurantes. Foi um sucesso de crítica e de escândalo, e obrigado a escrever seu primeiro livro sobre comida a toda velocidade. O "Cozinha Confidencial" era bastante bom, mas, nem acabava direito, foi preciso inserir uns capítulos nada a ver para ser vendido antes que esquecessem quem era o Bourdain.

Lembro que quando entrevistei o Bourdain ele ficou bem satisfeito quando eu disse que provavelmente ele escrevia melhor do que cozinhava. Concordou plenamente.

De restaurantes, não sei o gosto do Piza. Eu o vi uma vez no Ici, do Benny, e escreveu falando bem do Fasano. Achava o restaurante o máximo por causa dos ingredientes e do esforço para fazer o melhor.

Ele também sempre se esforçou para fazer o melhor, e até na gastronomia, acertou na mosca. Eu só queria dar meu testemunho de que em matéria de comida o Piza sabia do que falava. E vou simplesmente morrer de saudade dele.

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