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Nina Horta

Dos velhos mapas à gastronomia

Ninguém conseguiria prever essa popularidade sem fim, esse vírus culinário que atacou o planeta

Escrever toda semana a coluna não é problema quando acontece alguma coisa que se pode contar ao leitor. E se não acontece? O tempo vai passando e...

Corre-se aos livros. E que tal o romance do Michel Houellebecq em que o protagonista namora uma funcionária do "Michelin"? Bingo. "Michelin" e comida. Ganhou até o prêmio Goncourt. Chama-se "O Mapa e o Território". O protagonista pega velhos mapas do "Michelin", escolhendo os mais variados, desde as costas bretãs às planícies de cereais do Eure-et-Loir e aumentou-as, conseguindo efeito surpreendente.

Os críticos foram unânimes nos seus elogios. O autor comenta que na França, como em quase todo o mundo, o assunto "comida" se alastrou como um vírus. Claro que a imprensa e a internet ajudaram, mas ninguém conseguiria prever essa popularidade sem fim, esse vírus culinário que atacou o planeta.

Cursos de cozinha por todos os lados, prêmios, concursos, televisão, reality shows. E, de repente, o interior da França estava na moda. Na exposição de fotos, o fotógrafo Jed e a funcionária Olga, belíssima, se encontram e se apaixonam.

Manuseando mapas de verdade para passar um fim de semana fora, Olga ficou em dúvida quanto à comida que estava sendo servida nas hospedarias das cidadezinhas de interior. Pediu à gerência do "Michelin" que organizasse uma pesquisa dos pratos que eram verdadeiramente pedidos nos hotéis. A pesquisa demorou, mas chegou. A cozinha criativa, autoral, e a asiática tinham sido unanimemente rejeitadas. A norte-africana era apre ciada no sul e na Córsega.

Em todas as regiões os restaurantes que se promoviam através da cozinha tradicional ou antiga, "à la ancienne", mostravam lucros bem maiores e uma boa aposta eram os produtos de porco, embutidos e queijos, mas, acima de tudo, os pratos baseados em animais diferentes, como pombos selvagens, escargots e lampreias. O editor que acompanhou a pesquisa escreveu uma introdução, lamentando o fato de terem se concentrado nos paladares dos anglo-saxões, procurando uma experiência light, saudável, segura e pasteurizada. Os turistas americanos estavam em declínio, e o mundo anglo-saxão era uma porcentagem mínima de seus clientes.

Os fregueses reais eram de países mais jovens e rústicos, com normas recentes de saúde pouco levadas a sério. Comida francesa, para eles, era comida das avós, vintage, ortolans caçados e comidos inteiros. Só os restaurantes capazes de se adaptar a essa nova situação figurariam no guia daí em diante.

Bem, o que se falou sobre comida no livro foi isso e não dava mais tempo de ler outro livro ou correr para um restaurante novo e a Virada Cultural estava um pouco cheia.

O autor do livro, para culminar, foi acusado de plágio por ter usado parágrafos inteiros da Wikipedia, ao que ele reagiu com fúria, afirmando que não era plágio, e sim roubo, que tinha tudo a ver com o gênero literário da sua obra, uma reciclagem literária. Também acho, quem tem de entregar um livro ou um artigo naquele dia e hora é obrigado a roubar e resenhar. Fazer o quê?

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